domingo, 26 de abril de 2015

Seleta Piauiense - Dílson Lages Monteiro


(IN)DECISÃO

Dílson Lages Monteiro (1973)


Cai o sereno nas notas da noite
e o coração do sol se assombra.

Cai sobre a máscara do mar
e a face cega do amor
canta uma canção de despedida.

Cai sobre as pálpebras da boneca
despenteada pelo calor dos olhos.

Cai sobre as mãos
que acenam o adeus.    

Um comentário:

  1. Poemas há que se dirigem diretamente a uma realidade palpável, ainda que subjetiva.Poemas outros existem apenas para exprimir sensações indizíveis nas quais as palavras valem por si mesmas. Os últimos são da linha de poemas feitos dos impulso estéticos, ou seja, de criar uma realidade que, sem declinar de ser humana, sem desdenhar a sensibilidade de atos comunicativos, se ocultam, criam imagens sinestésicas e visam a um estado d'alma de uma geografia humana universal.São o que estão mais próximos dos velhos simbolistas.
    Ao o primeiro tipo pertencem os românticos do século 19 .Ao seguinte tipo se filiam os poemas modernos, já completamente despojados da métrica e da rima tradicionais.
    Desta forma, diria que os modernos, aqui usando o termo num sentido bem elástico, sem as muletas dos traços distintivos da métrica clássico, Isso não significa que o verso moderno seja de elaboração mais fácil, pois suficiente seria enunciar frases dando-lhes a espacialização grafica de um poema nos moldes antigos.
    Aí, porém, reside o risco, já que o verso moderno se apoia num ritmo nascido das necessidades rítmicas do poeta, semelhante ao conceito "Cria o teu próprio ritmo" da lição dos modernistas de 1922.
    Pura ilusão: seria hipoteticamente mais complexo a composição de um poema moderno por múimplas razões que não me caberia aqui nomear.
    O poema de Dílson Lages "In(decisão)" exemplificaria b em o alcance do poema moderno. Não se enquadraria nunca num poema de corte clássico e não seria esta , no meu juízo, o propósito do poeta.
    Já pelo título, feito à maneira dos concretistas, quebra-se qualquer alusão de cunho conservador.
    O vocábulo bipartido sinaliza para o duplo sentido, quer dizer, há dois cn eitos aqui levados em conta tanto pelo "eu subjetivo" quanto pela eu receptivo.Este fato já coloca sua leitura em dois pólos , em duas saídas para interpretação ou leitura mais funda do poema, visto que o leitor ou interprete é senhor de tomar um dos dos caminhos hermenêutico, o que o coloca no impasse dos sentidos potencializados na estrutura geral do poema.
    Visualmente, o poema forma-se de três estrofes de dois versos e de um a só estrofe de três versos. Entretanto, há semelhanças de natureza estilística fônico-sinestésica que se harmonizam no todo do poema e lhe dão consistência de form, i.e., lhe dão unidade própria e, ipso facto, valorizam o resultado da estética do poema.
    A anáfora verbal "Cai", repetida quatro vezes no poema não lhe é gratuita. Reduplica o sentido da queda do fenômeno natural "sereno." Veja-se que o "sereno" contrapõe a "noite" ao "dia" representado pelo "sol", mas um sol "assombrado" humanizado.O "sereno", "tênue vapor atmosférico noturno" (Aulete). No conjunto dos versos há um ambiente físico suave que reforça outros elementos naturais e humanos do poema, formando um todo de metáforas bem originais, tais como " coração do sol", "máscara do mar", que acentuam essa característica de afastamento , de partida, de sentimento de solidão. Constelado de fonemas sibilantes, de fricativas alveolares surdas, a musicalidade da peça poética salta à vista e robustece a ideia da própria natureza da poesia.
    O título corresponde. desta maneira, ao significado do poético que é unívoco, mas se alimenta das hesitações tanto existenciais e sentimentais quanto da própria criação de um poema, um ato sempre suscetível aos sentidos plurais.


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