sexta-feira, 26 de junho de 2015

Na mesma situação do Velho Lima


Na mesma situação do Velho Lima
           
Cunha e Silva Filho


         Não sei se o leitor mais velho se lembra do personagem  de um conto  de Artur Azevedo (1865-1908), o Lima, funcionário  público do  final do  Segundo Império, que, tendo adoecido gravemente,   embora   não tenha procurado  a ajuda médica, permaneceu em casa durante nove dias, ou seja, a partir da véspera da Proclamação da República  brasileira, acontecida em 15 de novembro de  1889.
       Lima morava no Engenho  de Dentro, subúrbio da ex-Central do Brasil. O tom do conto é inteiramente farsesco e construído  com  extrema  habilidade narrativa.
      Restabeleceu-se   com  simples  “remédios  caseiros,” graças aos cuidados de uma  gorda   mulata que há vinte anos  lhe servia  não só como  cozinheira, mas também  na cama.  No dia 23 do citado mês, Lima   saiu de casa, pegara o trem e fora  trabalhar na sua repartição no Centro do Rio de Janeiro. 
     Para resumir,  Lima não tinha  o costume de ler jornais, nem tampouco aquela  com quem morava.  A República tinha sido proclamada  e, portanto,  derrubado o Império. E o velho Lima  ignorava a radical mudança  do regime  de governo do país.
    Durante a viagem, encontrou-se com  o comendador  Vidal, cumprimentando este pelo  título. Ao responder a saudação, o velho Lima estranhou que Vidal o  tivesse chamado de “cidadão.” 
   A grande  força  caricaturesca do conto  é esse diálogo com o Vidal  e  a permanência  desse estado de quiproquó  que se estabeleceu entre ele o  Vidal.  Lima  passou a  achar    pelo avesso  tudo que lhe respondia o companheiro de viagem de trem.
    Esta situação  equívoca chega a um  ponto em que  o velho Lima  passa a ver nos outros    um comportamento   de loucos. Enquanto  tudo se invertia, Lima  se mantinha convicto  de que ainda  vivia  sob o regime  imperial.   
   Ninguém o conseguia demovê-lo dessa  posição até o desenlace  da narrativa, cuja derradeira cena hilariante fora  a entrada na seção em que  dava expediente. Perguntou ao continuo por que haviam    retirado da parede o retrato de Dom  Pedro II. O contínuo, de forma  desrespeitosa  e  num “tom  lentamente “desdenhoso,”  lhe respondeu:
 “— Ora, cidadão,  que fazia ali a figura de Pedro Banana?”(grifo meu)
“—Pedro Banana! Repetiu  raivoso o velho Lima.” E, sentando-se, pensou com tristeza:
“—Não dou  três  anos para  que isto seja República!
  Pelo visto,  o velho Lima  acertara, mas a um alto  custo de três  anos  de risos e mofas por sua alienação.
     Pois, leitor,  foi assim que, hoje,  lendo  manchetes de O Globo, constato,  após algumas semanas  mergulhado num  projeto de um livro  de memórias, que o país anda   de ponta cabeça. O que vejo: violência descomunal  no Rio de Janeiro e em outras  partes do país,    arrocho do  governo  federal  contra o povo, situação caótica da Universidade  Estadual do Rio de Janeiro,  crescimento do desemprego,   aumento de juros   decretados pelo  governo federal,  ausência do  Ministro da Fazenda para anunciar  os  escorchantes   cortes   em setores  vitais  ao desenvolvimento do país,  educação,  saúde,  transporte, excetuado  a menina dos  ovos de ouro do  PT,  a bolsa-família  - maior  curral eleitoral  petista e, o que é pior,  em ações  tomadas pelo governo, no setor da economia,  que recairão  sobre os costados  do brasileiro.
    Me  pergunto: ainda não se tocaram  as nossas   autoridades que todos  esses  graves  problemas  que estamos atravessando  foram  provocados  pelo  desgoverno petista que nos enganou a todos,  ocultando,  por razões meramente  eleitoreiras a fim de se manter no  poder, que, nos bastidores  do Palácio do Planalto  estavam prestes a explodir  todas  essa bombas  atiradas contra  o  Estado  Brasileiro,  com dois  sucessivos epicentros   de  corrupção  deslavada, o escândalo do  Mensalão e o  da Petrobrás além de outros  que poderão surgir durante  mais  investigações da  Operação  Lava-Jato? 
    Já avaliaram  todos  os bilhões de reais que deveriam  estar  no Erário Público e que  foram  sugados  para os bolsos  de políticos  da situação e de dirigentes  de estatais e empresários    corruptos em conluio com  políticos de partidos  da base de sustentação do governo?
     E o povo nada faz. E a Justiça   até quando   fará  justiça  colocando na cadeia  ladrões da  República? O povo  é como  o brasileiro  que não lê jornais, como  o personagem Velho Lima de Artur  Azevedo, como a sua  serviçal e amásia.
     As raízes da nossa passividade  vêm de longe,  desde a Escravidão, pelo menos. Não imitemos  o velho Lima, estejamos  atentos aos fatos  atuais, lendo, ouvindo, falando,  escrevendo, agindo como cidadãos a quem  a Presidente  Dilma deve satisfações de seus atos   e de seus  erros. Não somos  escravos,  objeto comprado  pelos  poderosos do passado. Queremos liberdade, mudanças  da lei  da maioridade  penal e outros  pleitos  necessários  ao bem-estar  da sociedade.
   Não permitamos que o país  se torne uma tragédia  social, com a morte de inocentes em “cidades esfaqueadas” para usar um título de uma crônica  de Arnaldo Bloch. Por falar em crônicas,  a página de Opinião de O Globo de hoje, dia 23 de maio,  estampa dois artigos sobre a violência, um do cronista Zuenir  Ventura, de resto,  para ser mais  exato, uma  crônica  magnífica,   “Há sangue em cada notícia,” e um artigo,  “A violência do teste de virgindade,”  escrito a quatro mãos, de  Maria Laura Canineu e Phelim Kine. 

  O país precisa  despertar os velhos Limas  para  a realidade trágico-grotesca  que nos angustiam  atualmente por todos os lados.

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