terça-feira, 16 de junho de 2015

OEIRAS CLUBE


OEIRAS CLUBE

Antonio Reinaldo Soares Filho
Escritor, historiador e geólogo

O velho Oeiras Clube foi fundado em 10 de novembro de 1948, objetivando oferecer aos seus sócios e familiares um local para se reunir em lazer, receber orquestras visitantes, realizar suas festas dançantes e servir a outras atividades. O seu estatuto foi elaborado por Possidônio Nunes de Queiroz. Para pertencer àquela sociedade era necessário superar preconceitos e preencher determinadas condições tais como: ser parte da seleta sociedade, ter posse de patrimônio financeiro reconhecido, ser uma autoridade civil ou militar, ocupar posição reconhecidamente destacada, ser portadores de diplomas universitários, serem maior de idade e vestir-se com formalidade. Para adentrar ao local, os homens trajavam-se com rigor e as mulheres com vestidos longos. Estava escrito.O porteiro ficava autorizado impedir os que não se enquadrassem naquelas condições.

Até meados da década de sessentaele se localizava na Praça do Mercado, também chamada de Rua da Feira, de frente para o norte. Estava entre a casa de morada do Tabelião Joel Campos e o estabelecimento comercial Tapety. Sua parede frontal, pintada de um verde musgo, tinha três janelas à direita (lado oeste) da porta principal, e duas janelas à esquerda (lado leste). Seu interior era alcançado por um estreito corredor que separava o salão de festas da sala de reuniões com o banheiro feminino. Na entrada ficava o seu porteiro - Luís Gonzaga Rocha, o folclórico Badaró.

Adentrando a casa por um corredor, na parede da esquerda havia apenas uma porta oferecendoacesso à sala da diretoria, onde foi colocada uma mesa de jogos de ping-pong. E, à direita, principiava com um arco aberto, bloqueado por um baixo balaústre onde, em dias de festa, costumava ser ocupado por matronas e solteironas que participavam do "sereno do baile". Naquele ambiente surgiram casamentos e muito fuxico maldoso, espalhados por fofoqueiras desocupadas. No final da referida passagem estreita, havia dois acanhados arcos de antigas portas, um à frente dando passadiço ao interior da casa, ao seu alpendre livre, e o outro à direita que se abria para o salão de danças.

Chegava-se ao alpendre com pátio interno formado pela planta em “L invertido” com o telhado descaindo para o sul e leste, abrindo para um pátio interno cimentado. Na varanda havia mesas e cadeiras da marca Cimo, para acomodar as famílias dos sócios.

Da porta que dava entrada ao alpendre, pelo lado esquerdo a área coberta media aproximadamente seis metros de comprimento. Na parede daquela parte menor havia uma porta que permitia a entrada para o sanitário feminino. E, da porta para a direita, na mesma parede, agora separando o salão de festas da cobertura aberta havia duas aberturas. Um arco facilitava o trânsito à pista de dança. Um pouco à frente, já no canto do L, outro maior no mesmo estilo, bloqueado por um baixo balaústre, facilitava a visão da parte interna da casa para a pista de dança. Essa permitia que os músicos se voltassem ora para os frequentadores nas mesas ora para os pares no grande salão.

Os músicos se posicionavam estrategicamente instalados naquele canto interno, formado por uma pequena plataforma de plano superior ao do piso da casa, circundado por um baixo balaústre. Ali Levy Carmo encantava com o som afinado do seu magnífico pistom a tocar velhos boleros e sambas canções. Orquestras de passagem, formadas basicamente por instrumentos metálicos de sopro, proporcionaram noites de encantamentos aquela sociedade.

No salão os casais se entregavam a bailar sob o olhar atento de mães ou tias zelosas, embalados pelo ritmo suave de suas músicas, alternados por sambas dançados em comedidas gafieiras. O ambiente ficava lotado. Quanta fantasia, sonhos e lembranças inesquecíveis...

 Elas vestiam à moda trapézio com a cintura marcada, de quando em quando deixando os ombros femininos a nus. Nas festas, as moças trajavam vestidos com saias rodadas, por vezes plissadas, bastante compridas batendo no meio da batata da perna, acinturada, símbolo de sofisticação e elegância - uma ladylike. Minha tia Luzia Áurea Campos Ferreira foi uma bela ladylike. Naqueles dias, o máximo a ser mostrado era o colo feminino através de um decote muito discreto. Elas abusavam do estilo new look, vestido estampado de bolinha ou não, cintura bem marcada, terminado logo abaixo do joelho, complementado por uma fita no cabelo. Os penteados poderiam ser coques ou rabos-de-cavalo um pouco mais curtos, com mechas caindo sobre o rosto ou franjas que davam um ar de menininhas. Usavam óculos gatinhos com lentes escuras muito chiques. Tudo bem comportado. Na década de 50 as mulheres não usavam a calça comprida nem priorizavam a carreira profissional, sonhavam serem donas de casa impecáveis. Ah, como eram glamorosas. Havia um código de honra – não escrito - cujos limites não eram ultrapassados e raramente foi desrespeitado. Os moços eram gentis e atenciosos com as mocinhas de família, estendendo as reverencias as mães das jovenzinhas de então. Trajar-se a rigor acompanhando a tendência da moda significava uma camisa de tergal Perval “volta ao mundo” e uma calça de naycron “aquelas que nunca perdiam o vínculo”.Os moços avançados, viajados pelo eixo Rio - São Paulo abandonava a calça frouxa de linho e buscava, na medida do possível para uma cidade de interior, imitar o visual rock’n'roll, ou seja, camisa branca (Símbolos de uma juventude ingenuamente rebelde) com calça de brim e brilhantina no enrolado topete do cabelo emplastrado. Um óculos Ray Ban aviator de lentes escuras arrematava o visual. Padrões e imagens de uma mocidade.

Na parte maior do L no alpendre ficava a maioria das mesas acomodando seus frequentadores. No extremo sul do alpendre aberto para o nascente, correspondente a sua ponta mais alongada, encontrava-se o pequeno bar. Os fregueses eram atendidos através de uma larga janela voltada para o salão. Ao lado, uma porta de acesso a um estreito corredor, que terminava em um quarto com uma porta para o segundo pátio. Naquele compartimento, após as dez horas da noite se formava uma roda de carteado que varava as madrugadas. O pife-pafe foi à modalidade praticada. Pelas cartas do baralho, os magnetizados pelo vício pernicioso, chegaram a comprometer orçamentos familiares, a perder propriedades e outros bens. Diziam seus frequentadores ser aquela casa mal-assombrada. Comentavam que nas noites escuras, posto que não existir energia elétrica, ouviam-se barulhos e murmúrios. Apesar de explicações – “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã percepção”.

Do lado leste do interior da casa havia um pátio alongado, descoberto, dividido ao meio por um muro com um portão. A primeira área defronte dos alpendres tinha o piso cimentado. Após o portão de acesso, do outro lado, o chão não tinha cobertura. O sanitário masculino, isolado, se posicionava após a sala de jogos, com a porta para o segundo espaço aberto.

Prosseguindo, no final daquele segundo pátio, havia um alpendre voltado para o norte, cobrindo delateral a lateral, apoiado sobre uma alta parede dos fundos. Ali ficava um quarto usado como cozinha e o resto do espaço era aberto. Por uma porta se ingressava no quintal onde os bêbados davam alívio às contrações digestivas e ao álcool ingerido. Outros ficavam caídos em meio à fedentina.

Só tinha acesso àquelas dependências quem era sócio, havia ordem, organização e respeito. O incansável Eurico César Rêgo era o seu principal animador. Eurico se confundia com o velho Oeiras Clube, de tanta afeição e amor dedicado àquela entidade recreativa.

A minha primeira festa foi naquele Oeiras Clube, encontrando-se presentes Jackson Pagels Sá e Dagoberto Júnior, que também faziam suas estreias em festa noturna.

Durante muitos anos o arrendatário do seu bar foi o comerciante Antônio Reinaldo Soares associado com seu cunhado Antônio Campos Ferreira.

O clube tinha uma grande e maravilhosa eletrola Philips de alta-fidelidade "hi-fi", móvel bonito, daquelas que pegavam dez long plays, posicionada em um dos cantos internos. Nas noites comuns de sábado, entre as vinte e vinte e duas horas, reuniam-se rapazes e moças da geração que vi. As da minha e da gente da seguinte, para alegres tertúlias dançantes. Simplesmente para dançarmos nos finais de semana. Bailávamos de rosto colado, um corpo junto ao outro, uma sensação indescritível. Velhos discos de vinil a tocar famosos boleros cantados por Nat King Cole, Henry Mancini, Ray Conniff, Billy Vaughn, da orquestra Tabajara, Ivanildo, Poly e seu Conjunto... Estourava nas ondas do rádio uma novidade, Cely Campelo apresentando um ritmo diferente marcando o refrão de Lacinhos cor de rosa: “Um sapatinho eu vou, com um laço cor de rosa enfeitar... e perto dele eu vou andar devagarinho e o broto conquistar!”... O maior bailarino no ambiente foi o Albérico do Nascimento Sá e fazia par igual com Teresina Martins Portela. Completava aquele grupo alegre de jovens: Haydée Rêgo Amorim, Amparo Sá, Marli Pires, Socorro Alves Avelino, Ana Rita Maria de Freitas Sá (Ana Rita de Antônio Sá), Ester de Carvalho Rêgo, Leonissa de Carvalho Rêgo (Leó), Maria Amélia Mendes Freitas, Onezina Portela Serra e Maria Piedade Portela Serra, Edemar Ramos Vieira (Dimas), Afonso de Moraes Rêgo, Lourival Franco de Sá Filho, Pedro Ferrer Mendes de Freitas, Roosevelt Sá, Antônio Amorim Guida, Mário Portela da Silva, Antônio Nunes Cavalcante (Antônio de Miguelzinho), Silvério Cardoso da Silva Filho - Silizinho, Lindomar Freitas, Francisco Moura de Araújo – Chiqueza, Waldemar Reis Freitas, Eros Ferreira Rocha... Maria Ribeiro Gonçalves, Rosina Martins Portela, Rita de Cássia Mendes de Freitas, Zenaide Lopes, Iolanda Sá, Gleice Martins Freitas, Rosário Martins Freitas, Orlene França, Gardênia e Ida Gomes Amorim, Maria Conceição Ferreira e Silva, Acidélia Ferreira e Silva e mais..., se faziam presentes.

Um dia, um curioso achou que sabia manipular com os controles daquele estimado aparelho, danificando-o para sempre. A diretoria não se interessou em providenciar seu conserto. Encerrava-se ali um grande divertimento e alegria daqueles jovens que gostavam de bailar.

Quando o diretor da casa era um festeiro, o clube estava sempre proporcionando bailes. Os seus salões se iluminavam quando aconteciam as principais festas da cidade.

A casa da Rua da Feira, que serviu de palco para tanto entretenimento, continua na memória dos que a conheceram. As gerações que a frequentaram, nostalgicamente relembram-na com carinho, como se tudo tivesse sido um sonho bom, em que não devêssemos acordar.    

Um comentário:

  1. Comunico e convido aos leitores desse capítulo do livro Aquarelas de um Tempo que essa obra será lançada dia 23 de março próximo - uma quarta feira - na livraria ENTRELIVROS na avenida Dom Severino ao lado da fazendaria próximo da farmácia BigBem, às 7 horas da noite. Convido a todos e aos que assim porcederem. Abraço e até por lá. Antonio Reinaldo Soares Filho

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