OEIRAS CLUBE
Antonio Reinaldo Soares Filho
Escritor, historiador e geólogo
O velho Oeiras Clube foi fundado em 10 de novembro de 1948,
objetivando oferecer aos seus sócios e familiares um local para se reunir em
lazer, receber orquestras visitantes, realizar suas festas dançantes e servir a
outras atividades. O seu estatuto foi elaborado por Possidônio Nunes de
Queiroz. Para pertencer àquela sociedade era necessário superar preconceitos e
preencher determinadas condições tais como: ser parte da seleta sociedade, ter
posse de patrimônio financeiro reconhecido, ser uma autoridade civil ou
militar, ocupar posição reconhecidamente destacada, ser portadores de diplomas
universitários, serem maior de idade e vestir-se com formalidade. Para adentrar
ao local, os homens trajavam-se com rigor e as mulheres com vestidos longos.
Estava escrito.O porteiro ficava autorizado impedir os que não se enquadrassem
naquelas condições.
Até meados da década de sessentaele se localizava na Praça do
Mercado, também chamada de Rua da Feira, de frente para o norte. Estava entre a
casa de morada do Tabelião Joel Campos e o estabelecimento comercial Tapety.
Sua parede frontal, pintada de um verde musgo, tinha três janelas à direita
(lado oeste) da porta principal, e duas janelas à esquerda (lado leste). Seu
interior era alcançado por um estreito corredor que separava o salão de festas
da sala de reuniões com o banheiro feminino. Na entrada ficava o seu porteiro -
Luís Gonzaga Rocha, o folclórico Badaró.
Adentrando a casa por um corredor, na parede da esquerda
havia apenas uma porta oferecendoacesso à sala da diretoria, onde foi colocada
uma mesa de jogos de ping-pong. E, à direita, principiava com um arco aberto,
bloqueado por um baixo balaústre onde, em dias de festa, costumava ser ocupado
por matronas e solteironas que participavam do "sereno do baile".
Naquele ambiente surgiram casamentos e muito fuxico maldoso, espalhados por
fofoqueiras desocupadas. No final da referida passagem estreita, havia dois
acanhados arcos de antigas portas, um à frente dando passadiço ao interior da
casa, ao seu alpendre livre, e o outro à direita que se abria para o salão de
danças.
Chegava-se ao alpendre com pátio interno formado pela planta
em “L invertido” com o telhado descaindo para o sul e leste, abrindo para um
pátio interno cimentado. Na varanda havia mesas e cadeiras da marca Cimo, para
acomodar as famílias dos sócios.
Da porta que dava entrada ao alpendre, pelo lado esquerdo a
área coberta media aproximadamente seis metros de comprimento. Na parede
daquela parte menor havia uma porta que permitia a entrada para o sanitário
feminino. E, da porta para a direita, na mesma parede, agora separando o salão
de festas da cobertura aberta havia duas aberturas. Um arco facilitava o
trânsito à pista de dança. Um pouco à frente, já no canto do L, outro maior no
mesmo estilo, bloqueado por um baixo balaústre, facilitava a visão da parte
interna da casa para a pista de dança. Essa permitia que os músicos se
voltassem ora para os frequentadores nas mesas ora para os pares no grande
salão.
Os músicos se posicionavam estrategicamente instalados
naquele canto interno, formado por uma pequena plataforma de plano superior ao
do piso da casa, circundado por um baixo balaústre. Ali Levy Carmo encantava
com o som afinado do seu magnífico pistom a tocar velhos boleros e sambas
canções. Orquestras de passagem, formadas basicamente por instrumentos
metálicos de sopro, proporcionaram noites de encantamentos aquela sociedade.
No salão os casais se entregavam a bailar sob o olhar atento
de mães ou tias zelosas, embalados pelo ritmo suave de suas músicas, alternados
por sambas dançados em comedidas gafieiras. O ambiente ficava lotado. Quanta
fantasia, sonhos e lembranças inesquecíveis...
Elas vestiam à moda trapézio com a cintura marcada, de quando
em quando deixando os ombros femininos a nus. Nas festas, as moças trajavam
vestidos com saias rodadas, por vezes plissadas, bastante compridas batendo no
meio da batata da perna, acinturada, símbolo de sofisticação e elegância - uma
ladylike. Minha tia Luzia Áurea Campos Ferreira foi uma bela ladylike. Naqueles
dias, o máximo a ser mostrado era o colo feminino através de um decote muito
discreto. Elas abusavam do estilo new look, vestido estampado de bolinha ou
não, cintura bem marcada, terminado logo abaixo do joelho, complementado por
uma fita no cabelo. Os penteados poderiam ser coques ou rabos-de-cavalo um
pouco mais curtos, com mechas caindo sobre o rosto ou franjas que davam um ar
de menininhas. Usavam óculos gatinhos com lentes escuras muito chiques. Tudo
bem comportado. Na década de 50 as mulheres não usavam a calça comprida nem
priorizavam a carreira profissional, sonhavam serem donas de casa impecáveis.
Ah, como eram glamorosas. Havia um código de honra – não escrito - cujos
limites não eram ultrapassados e raramente foi desrespeitado. Os moços eram
gentis e atenciosos com as mocinhas de família, estendendo as reverencias as
mães das jovenzinhas de então. Trajar-se a rigor acompanhando a tendência da moda
significava uma camisa de tergal Perval “volta ao mundo” e uma calça de naycron
“aquelas que nunca perdiam o vínculo”.Os moços avançados, viajados pelo eixo
Rio - São Paulo abandonava a calça frouxa de linho e buscava, na medida do
possível para uma cidade de interior, imitar o visual rock’n'roll, ou seja,
camisa branca (Símbolos de uma juventude ingenuamente rebelde) com calça de
brim e brilhantina no enrolado topete do cabelo emplastrado. Um óculos Ray Ban
aviator de lentes escuras arrematava o visual. Padrões e imagens de uma
mocidade.
Na parte maior do L no alpendre ficava a maioria das mesas
acomodando seus frequentadores. No extremo sul do alpendre aberto para o
nascente, correspondente a sua ponta mais alongada, encontrava-se o pequeno
bar. Os fregueses eram atendidos através de uma larga janela voltada para o
salão. Ao lado, uma porta de acesso a um estreito corredor, que terminava em um
quarto com uma porta para o segundo pátio. Naquele compartimento, após as dez
horas da noite se formava uma roda de carteado que varava as madrugadas. O
pife-pafe foi à modalidade praticada. Pelas cartas do baralho, os magnetizados
pelo vício pernicioso, chegaram a comprometer orçamentos familiares, a perder
propriedades e outros bens. Diziam seus frequentadores ser aquela casa
mal-assombrada. Comentavam que nas noites escuras, posto que não existir
energia elétrica, ouviam-se barulhos e murmúrios. Apesar de explicações –
“Existem mais coisas entre o céu e a terra do que imagina a nossa vã
percepção”.
Do lado leste do interior da casa havia um pátio alongado,
descoberto, dividido ao meio por um muro com um portão. A primeira área
defronte dos alpendres tinha o piso cimentado. Após o portão de acesso, do
outro lado, o chão não tinha cobertura. O sanitário masculino, isolado, se
posicionava após a sala de jogos, com a porta para o segundo espaço aberto.
Prosseguindo, no final daquele segundo pátio, havia um
alpendre voltado para o norte, cobrindo delateral a lateral, apoiado sobre uma
alta parede dos fundos. Ali ficava um quarto usado como cozinha e o resto do
espaço era aberto. Por uma porta se ingressava no quintal onde os bêbados davam
alívio às contrações digestivas e ao álcool ingerido. Outros ficavam caídos em
meio à fedentina.
Só tinha acesso àquelas dependências quem era sócio, havia
ordem, organização e respeito. O incansável Eurico César Rêgo era o seu
principal animador. Eurico se confundia com o velho Oeiras Clube, de tanta
afeição e amor dedicado àquela entidade recreativa.
A minha primeira festa foi naquele Oeiras Clube,
encontrando-se presentes Jackson Pagels Sá e Dagoberto Júnior, que também
faziam suas estreias em festa noturna.
Durante muitos anos o arrendatário do seu bar foi o
comerciante Antônio Reinaldo Soares associado com seu cunhado Antônio Campos
Ferreira.
O clube tinha uma grande e maravilhosa eletrola Philips de
alta-fidelidade "hi-fi", móvel bonito, daquelas que pegavam dez long
plays, posicionada em um dos cantos internos. Nas noites comuns de sábado,
entre as vinte e vinte e duas horas, reuniam-se rapazes e moças da geração que
vi. As da minha e da gente da seguinte, para alegres tertúlias dançantes.
Simplesmente para dançarmos nos finais de semana. Bailávamos de rosto colado,
um corpo junto ao outro, uma sensação indescritível. Velhos discos de vinil a
tocar famosos boleros cantados por Nat King Cole, Henry Mancini, Ray Conniff,
Billy Vaughn, da orquestra Tabajara, Ivanildo, Poly e seu Conjunto... Estourava
nas ondas do rádio uma novidade, Cely Campelo apresentando um ritmo diferente
marcando o refrão de Lacinhos cor de rosa: “Um sapatinho eu vou, com um laço
cor de rosa enfeitar... e perto dele eu vou andar devagarinho e o broto
conquistar!”... O maior bailarino no ambiente foi o Albérico do Nascimento Sá e
fazia par igual com Teresina Martins Portela. Completava aquele grupo alegre de
jovens: Haydée Rêgo Amorim, Amparo Sá, Marli Pires, Socorro Alves Avelino, Ana
Rita Maria de Freitas Sá (Ana Rita de Antônio Sá), Ester de Carvalho Rêgo,
Leonissa de Carvalho Rêgo (Leó), Maria Amélia Mendes Freitas, Onezina Portela
Serra e Maria Piedade Portela Serra, Edemar Ramos Vieira (Dimas), Afonso de
Moraes Rêgo, Lourival Franco de Sá Filho, Pedro Ferrer Mendes de Freitas,
Roosevelt Sá, Antônio Amorim Guida, Mário Portela da Silva, Antônio Nunes
Cavalcante (Antônio de Miguelzinho), Silvério Cardoso da Silva Filho -
Silizinho, Lindomar Freitas, Francisco Moura de Araújo – Chiqueza, Waldemar
Reis Freitas, Eros Ferreira Rocha... Maria Ribeiro Gonçalves, Rosina Martins
Portela, Rita de Cássia Mendes de Freitas, Zenaide Lopes, Iolanda Sá, Gleice
Martins Freitas, Rosário Martins Freitas, Orlene França, Gardênia e Ida Gomes
Amorim, Maria Conceição Ferreira e Silva, Acidélia Ferreira e Silva e mais...,
se faziam presentes.
Um dia, um curioso achou que sabia manipular com os controles
daquele estimado aparelho, danificando-o para sempre. A diretoria não se
interessou em providenciar seu conserto. Encerrava-se ali um grande
divertimento e alegria daqueles jovens que gostavam de bailar.
Quando o diretor da casa era um festeiro, o clube estava
sempre proporcionando bailes. Os seus salões se iluminavam quando aconteciam as
principais festas da cidade.
A casa da Rua da Feira, que serviu de palco para tanto
entretenimento, continua na memória dos que a conheceram. As gerações que a
frequentaram, nostalgicamente relembram-na com carinho, como se tudo tivesse
sido um sonho bom, em que não devêssemos acordar.
Comunico e convido aos leitores desse capítulo do livro Aquarelas de um Tempo que essa obra será lançada dia 23 de março próximo - uma quarta feira - na livraria ENTRELIVROS na avenida Dom Severino ao lado da fazendaria próximo da farmácia BigBem, às 7 horas da noite. Convido a todos e aos que assim porcederem. Abraço e até por lá. Antonio Reinaldo Soares Filho
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