CRATEÚS¹
J. Coriolano (José
Coriolano de Souza Lima – 1829 - 1869)
Lindo sertão meus amores,
Crateús, onde nasci, (2)
Que saudade, que rigores,
Sofre meu peito por ti!
São amargos dissabores
Que em funda taça bebi!
Que saudade, ó meus amores,
Crateús, onde nasci!
Esta incessante saudade
Me espedaça o coração!
Eu gemo na soledade (3)
Esses tempos que lá vão...
Crateús, minha beldade,
Meu lindo, ameno sertão,
Que dura, fera saudade
Me atormenta o coração
Que vezes, em pé, na praia,
Me lembro dos mimos teus!
Dessas c’roas (4), onde ensaia
A rola (5) os gemidos seus!
Onde a lua se desmaia
Alvacenta – lá dos céus!
Ó quantas vezes na praia
Em cismo nos mimos teus
As ondas que vêm chorosas
Na lisa praia morrer,
Lembram-me as auras queixosas
Nos teus vales a gemer!
Lembram-me as moitas verdosas,
Ondeando-se a volver!
Ondas, não vinde chorosas
Na lisa praia morrer!
Que dias esses d’outr’ora
Que o tempo ingrato levou!
Do meu lar eu via a aurora
Que sorrindo despontou!
O galo co’a voz canora,
Cantava : có-córô-cô!
Ai ! esses dias d’outr’ora
O tempo ingrato levou!
Hoje meu peito não goza
A dita que já gozou!
Hoje minh’alma saudosa
Chora o tempo que passou!
Ó sorte desventurosa
Que meus prazeres turvou!
Infeliz de quem não goza
Venturas que já gozou!
Crateús, que dor tão viva!
Ai tempos que já lá vão!
Ao teu nome a dor se aviva
Que sente meu coração!
Assim sofre a sensitiva (6)
Ao toque de incauta mão!
Crateús, que dor tão viva
Ai eras (7) que já lá vão !
Se os sinos tocam meu pranto
Corre, banha o rosto meu!
Seus dobres lembram-me tanto
Os dobres do sino teu!
Eis do sol, o roxo manto,
No ocaso além – se escondeu!
Trocam trindades... (8) meu pranto
Corre, banha o rosto meu!
Não posso ver uma bela,
Não posso, lindo sertão;
Logo me lembro daquela...
Que vive em meu coração.
Crateús, onde está ela,
Dá-lhe lembranças, que eu não...
Não posso ver uma bela,
Não posso lindo sertão!
Dá-lhe lembranças... e escuta
Se a bela por mim gemeu...
Se gemer... a brisa arguta
Me traga o gemido seu.
Ah ! se minh’alma o desfruta ...
Crateús se o gozo eu...
Quem dera ! – Sertão, escuta ...
Escuta se ela gemeu ! ...
E adeus, terra, onde a alvorada
Primeira p’ra mim raiou!
Onde a primeira morada
Meu pai querido assentou!
Onde o galo, à madrugada,
Cantando, me despertou!
Onde, à primeira alvorada,
Ouvi-lhe o có-rócô-cô!
Comentários de A. Tito Filho
1) Crateús. Hoje município e cidade do Ceará. Pertenceu ao
Piauí e constituía os municípios piauienses de Independência e Príncipe
Imperial.
2) José Coriolano de Sousa Lima nasceu na fazenda Boavista,
do termo da antiga vila de Príncipe imperial, que pertencia ao Piauí (veja nota
1).
3) Soledade. Estado de quem se acha só. Lugar ermo, onde
alguém vive curtindo saudades.
4) C’roas. Coroas. Supressão de uma sílaba por necessidade de
metrificação. Monte de areia, no leito dos rios. No Norte também se diz croa.
5) Noutro local deste livro há comentário sobre rola
(pássaro).
6) Sensitiva. Planta, cujas folhas e folíolos têm a
propriedade de se fechar, quando se lhes toca (Aurélio).
7) Eras. O mesmo que tempos, épocas.
8) Trindades. Toque das ave-marias. Tardinha (neste sentido
só usado no plural).
Que ótimo você ter lembrado e mostrado poema daquele que eu considero o primeiro grande poeta piauiense da era romântica, isto porque seu poema "O Touro Fusco" é um dos grande poemas épicos da nossa literatura e é de 1859 (publicação em Recife), antes do de Licurgo Paiva, que foi em 1866. Grato.Ele, Coriolando, é meu patrono na cadeira 8, da Academia Piauiense de Letras.
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