terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A fé que se renova


A fé que se renova

Dílson Lages Monteiro (*)

“Eia povo barrense é chegado/ o momento de vossa alegria/ elevai vossa fé, oh cristãos, /em louvores  a virgem Maria./ Salve Rainha do Céu/ salve a estrela da manhã/ Salve a padroeira de Barras do Marataoã”.  Ouvindo e cantando o Hino à Padroeira de Barras, de João Berchmans de Carvalho, milhares de fiéis católicos percorrem, entusiasmados, estradas vicinais e ruas de Barras do Marataoã, para reconhecer as graças alcançadas e renovar a esperança em novos dias.

Os festejos de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marataoã, um dos mais tradicionais do Piauí, iniciam-se oficialmente com o transporte da zona rural para a urbana, em romaria, do mastro que é fixado de frente ao adro da igreja. Por toda a noite e a madrugada do dia 27, o mastro é conduzido por centenas de jovens, adultos e até idosos, por longo percurso, em alguns anos, de até cinquenta quilômetros, em ritmo que vai além da caminhada habitual.

Com passos largos, de mastro aos ombros, os caminhantes misturam a fé à  força física. Ele é conduzido até a Igreja Matriz de Santa Luzia, no bairro Boa Vista, de onde, no dia 28 de dezembro, é transportado em procissão, que reúne cerca de 15 mil pessoas até a igreja Matriz de Barras. Ali, os fogos, as orações e o tradicional hino tornam a festa em momento de profunda emoção.

Em 2015, o mastro saiu do povoado Murici, a 32 quilômetros do perímetro urbano, numa tradição que se fortalece a cada ano. Neste ano, particularmente, o número de jovens envolvidos no transporte desse símbolo da festa empolgou as autoridades religiosas e toda a comunidade, numa demonstração da importância do evento como uma das maiores manifestações culturais da região.

A história de Barras do Marataoã está, como na maioria das antigas cidades piauienses, ligada ao catolicismo; à construção de uma capela, depois, transformada em templo de arquitetura característica dos padrões de seu tempo. Segundo anotações do Padre Cláudio Melo, em fins do século XVIII, já havia no local que compreende a atual igreja, na remota Fazenda Buritizinho, de Miguel de Carvalho, uma capela com autoridades religiosas ali investidas.

É com José Carvalho de Almeida que a construção da igreja ganha força. Pelo menos é o que atestam os mais acreditados historiadores do Piauí Imperial. Entre eles, David Caldas, o primeiro que se tem conhecimento a fazer anotações de cunho historiográfico sobre Barras, e outros, como Pereira da Costa e Miguel de Sousa Borges Leal.

A propósito do envolvimento de Carvalho de Almeida com as causas da fé católica, expressas no obstinado anseio da construção do templo da Igreja Matriz, lembra o historiador Wílson Carvalho Gonçalves que José de Almeida, ”assumira a administração da capela de Barras em 22 de agosto de 1819. Inspirado pelo amor a sua terra, lançou os fundamentos duma nova capela, mais tarde matriz, ficando a antiga contida no recinto desta, e demolida em 1835”. Acrescenta o historiador que José Carvalho de Almeida teria “concluído, por sua conta, a Capela do Santíssimo Sacramento da Matriz”. Infelizmente, demolida em 1963. Ressaltam vários historiadores, pautados principalmente em David Caldas, que Barras é elevada à  freguesia (30 de dezembro de 1939) e à vila (27 de setembro de 1841), graças aos pleitos de José Carvalho de Almeida.

Quando literalmente começou a festa da padroeira de Barras e seu processo de formação é tema curioso que demanda pesquisa detalhada, sobretudo pela relevância sociocultural do acontecimento. Ao evento, já fazia referência em poema de tom elegíaco o celebrado Teodoro Castello Branco (1829-1891) : “Vila que nos festejos grandiosos,/Viste-me sempre com alegre rosto;/Vila, vila chorosa/Meus olhos vês agora,/ que acerbo sentimento me devora”.

Sobre essa emoção renovada da fé em Nossa Senhora de Barras, diz em crônica, Eurípedes de Castro Melo (1941-1972), conforme se lê em Chão de Estrelas da História de Barras, de Wílson Carvalho Gonçalves:

“Sempre que se celebram de 29 de novembro a 8 de dezembro, os festejos da Imaculada Conceição, Padroeira excelsa de Barras, duas coisas impressionam, de gente simples e boa, acolhedora e amiga, de minha terra: o espírito da tradição e o fervor da crença religiosa. E nada há que faça, sequer, arrefecer o entusiasmo com que se espera, ali, a temporada alegre do concorrido novenário da Virgem Santíssima. Nem a mutabilidade dos tempos. Nem o fluir dos anos. Nem a inclemência das adversidades. Nem o tormento das maiores provações. Nem as decepções, as tristezas e as cores comuns, que compõem o tecido da existência humana.’

Faça-se o que se fizer, a fé dos barrenses se mantém inabalável. Ainda que os tempos difíceis e as forças ocultas pareçam instransponíveis; ainda que as artimanhas do mal vicejem no solo, a esperança na generosidade divina é imorredoura. Dezembro chegará trazendo a certeza de que Deus é maior. Dezembro de Nossa Senhora. Dezembro em sua fé secular, porque o tempo virá ar:

  Dezembro desabrocha no chão
  de onde a terra leva e leve
  o cheiro da chuva e dos jasmins



   da porta ao quintal.



   Dezembro de Dasinha e das dores
   da Senhora Nossa da Conceição
   no peregrino passo



   os olhos molhados de preces



   Ah! Dezembro no teto (des) habitado
   de morcegos onde a manhã estrelas desenha
   onde os vitrais se alargam palpitantes



   onde a porta-a-sala-e-a-casa:



   A cidade se abre
   para Jesus renascer
   segurando as mãos de Dasinha



  onde imagem-ação, o esperar do novo ano.



     Ah! O ar de agora e de sempre
     no Pai Nosso e em Cada Dia
     do quintal à porta



      onde a bisavó armava



      as margaridas nas janelas
      e o carmim do céu
      para o vento (ex)altar a procissão.
           
      Dezembro em tijolos
      na cabeça do povo
      os dedos derretendo em velas



      e a luz do fogo em filas



      e os férteis pés e firmes
      na comum-união de todos as classes:
      dezembro e a promessa



       de que o tempo vira ar.
   

(*) Dílson Lages Monteiro é poeta, romancista e membro da Academia Piauiense de Letras.   

2 comentários:

  1. Belo texto da lavra do novo membro da APL, eivado do sentimento que envolve o barrense neste período em que se funde a alegria natalina com a renovação da crença na padroeira da abençoada terra dos governadores e dos poetas.

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  2. Dilson, divulgando sua terra, suas histórias, suas lendas, estar´s se tornando universal. Dilson Lages o escritor, professor e acadêmico pé de Barras(PI).
    Um abraço Itamar

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