terça-feira, 19 de abril de 2016

Comentário sobre o 1º capítulo de Histórias de Évora


Comentário sobre o 1º capítulo de Histórias de Évora

Cunha e Silva Filho
Cronista, memorialista e crítico literário

"Histórias de Évora". Esse é o título de um livro de ficção no gênero romance, conforme o próprio autor anuncia, nesse espaço de seu conhecido blog, esse novo trabalho de sua vida de escritor.

Não é sua estreia de ficcionista, visto que anteriormente, a espaços, já escrevera textos que eu poderia rotular de ficção. Foram mini-contos, ou mesmo contos mais longos.

O título faz pensar em uma série de contos, mas creio ser apenas um modo de referir-se à forma contínua de uma unidade de textos que avancem em direção a uma estrutura de maior fôlego com a intenção de amoldar-se ao gênero do romance, de resto, já declarado pelo próprio autor: "Este romance será publicado..." [...]

Seguindo o costume de outros autores, cada capítulo terá um título alusivo a episódios específicos desenvolvidos na trama.

"Triângulo encantado" é um desses episódios. Já nele surgem alguns elementos estruturais da narrativa que, pelo menos nessa parte, dá um andamento no qual se percebem o interior e o exterior de uma personagem de nome Marcos, uma adolescente em seus primeiros anos e em toda a sua força da libido, irrefreável no alvorecer da puberdade.

Neuza é o pivô desse vendaval de sensualidade sexualidade.

Espaço e tempo são delineados: o jovem está em sua própria casa. Tem irmãs, tem seus pais. E tem a empregada, Neuza, o fruto proibido que é preciso desvendar.

Entretanto, ao fixar a vista para uma porta entreaberta, numa madrugada silenciosa, defronta-se com uma espécie de visão do paraíso carnal, numa cena eletrizante, enlouquecedora.

À sua frente seus olhos se detêm na parte mais sensível de seu arroubo juvenil.

O "triângulo encantado" é um sintagma que marca para sempre a imagem do sexo feminino num momento de quietude corporal e de êxtase, misturado ao desejo incontido mas refreado pelos interditos ou códigos de honra familiar e medo de reações tanto decorrente do objeto cobiçado quanto do medo de transgredir padrões arraigados na conduta familiar, sobretudo por ocorrer no recesso sagrado do lar.

Aquele objeto proibido provoca o frêmito da posse quanto ao sentimento abortado de mais uma vez repetir-se aquela cena em fogo.

Marcos se surpreende com o despertar de Neuza ao flagrar o adolescente fruindo a antecipação orgástica.

Ele teve a certeza de que não seria recriminado por ela diante de seus pais. Ficaria entre os dois apenas aquele instante de êxtase secreto em início de uma cena viva de nudez.

A descrição visual é perfeita nos seus traços firmes do desenho geométrico expresso pela metáfora do sexo.

É nesse ponto que o jogo da linguagem se torna um componente primordial da descrição com seu potencial de sensualidade e volúpia.

Repare-se que nesse capítulo não há diálogo explicito. Tudo se constrói na base da visualidade voltada para o centro deflagrador da cena inesquecível e jamais fisicamente apagada da memória do adolescente posto que misturada com a frustração da vontade não satisfeita.

A linguagem opera no texto, sem descambar para o grotesco e o pornográfico rasteiro, como se fora uma tomada de uma cena fílmica, em close focando toda uma região do corpo feminino que a masculinidade não se cansa de cultuar com a obsessão e a curiosidade desde tempos imemoriais, seja na pintura, na escultura, seja na fotografia, seja no cinema ou teatro.

“O triângulo encantado" é o fetiche supremo da masculinidade ou até mesmo para as cultivadoras do lesbianismo.

Volto ao título e fico a atinar: por que Évora? Ao que tudo indica , será um nome de lugar. Agora, me lembro, não sei por que, de Eça de Queirós, assim com da cidade de Évora, em Portugal. Há alguma ligação intersemiótica com o espaço físico do romance de Elmar Carvalho? Só saberei quando ler os próximos capítulos.

Esse início já me aponta para uma boa narrativa. Esperemos que o seja.

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