TEMPO DE LEMBRAR AS PEQUENAS
COISAS
Francisco Miguel de Moura
Escritor,
membro da Academia Piauiense de Letras
Aproxima-se a data do meu
natalício, completo 83 anos de existência, o que não é pouco. Mas também não
acho muito. Quero transmitir alguns pensamentos a outras pessoas, alguns já
expostos em meus livros, através de personagens. E, como é sabido, personagens
são ficções, não me mostram, como diria, num justo retrato ou imagem. Eles me
traem. E agora eu não quero traições.
Sendo escritor, não é pecado escrever sobre mim, nada para elogiar,
talvez só para desabafar. Se procurasse algum amigo para uma conversa talvez
fosse difícil encontrar. Este é um dos problemas dos velhos: os amigos foram
embora, uns para terras distantes, outros para o paraíso. Uns são surdos ou não
têm telefone ou celular, outros estão doentes e desconsolados, por isto já
quase não falam nem sequer aceitam visitas.
Ainda bem que sou escritor, penso
nos meus leitores. Uma boa parte já me conhece, sabe e não me estranha. Nem a
minha figura popular e humilde, nem a franqueza com que expresso minhas
opiniões, algumas já misturadas com os pensamentos aprendidos nas minhas
leituras. Nestas palavras não me exalto, nem tento fazer minha própria
biografia. A biografia de um escritor são suas obras. E estas eu já as tenho
para pesarem na avaliação que me façam no futuro. Além de meus poemas, minha mais
encontrável obra está nestas páginas de artigos e crônicas que o jornal “O Dia”
me vem publicando aos sábados. Pois, de
algumas coisas estou certo: Não há nenhum escritor capaz de escrever sua
autobiografia, justo porque ela mostraria as coisas grandes, as melhores,
deixando as pequenas de lado, como se não existissem. Num arremedo
autobiográfico, escrevi um soneto, que está ali ao meu lado, pregado na parede.
Título: “Quem eu sou? Impossível responder / sem confundir o ser com o ter sido
/ com o vir-a-ser, com o nunca ter nascido. / Sei o meu nome, é todo o meu
saber”. Mas, no final, arremato assim: “Não sei mentir, por isto é que me
invento. / E com a força que vem do sentimento, / não passo de um menino que se
adora”.
Vaidades! São coisas pequenas. “Vanitas
vanitates vanitas!” Vaidades eu tenho, você tem, querido leitor. Quem não as
tem? Então, por aqui continuo. Constam
algumas coisas, dos autos de minha memória, com relação aos primeiros eventos
da infância, que não gostaria de repetir sempre. Ficou o medo de ser reclamado,
de ser agredido, de ser castigado, o medo de receber palavras que não me
agradassem. Mas uma frase vai aqui neste relatório bem honesto:
- Oh menino chorão, oh menino
feio, Zefa! Ele puxou ao pai.
Zefa era minha mãe. Certamente era
muito bonita, como atesta o retrato que tenho aqui na parede, junto a meu pai,
como se fosse um casal bem unido. Normalmente as fotos mentem. Tanto quanto à
beleza como quanto ao que realmente apresentam de alegria ou tristeza.
Com quem eu haveria de parecer
senão com meu pai? Poderia também “puxar” à minha mãe. Mas não, eu saí feio e
feio continuei sendo: coisas do destino, coisas de Deus. Mas se fosse bonito
não seria um bom poeta, isto eu tenho quase certeza. Certeza? Mas aquém tem
certeza de nada? Nem do passado, do presente, ou do futuro.
Feio, sim, mas fui um menino
bastante estimado pelas famílias de meus pais. Pouco ouvia frases
desagradáveis. Constantemente ia passar dias na casa de meu avô “Sinhô do
Diogo”. O outro avô, Chico Ana, não
conheci, mas me lembro de meus tios e tias. Com saudades. Da minha infância. Na
casa de meu avô era tratado com muito regalo, tinha um quarto onde dormia na
minha rede – pena que, de manhã, me levantava todo mijado. Talvez fosse uma
deficiência minha, no aparelho urinário. O outro neto, depois de mim, era o
Chico de Sinhô. A gente brincava nas roças e capoeiras, ia até o rio e tomava
banho, caçava passarinhos, comia frutos do mato: os melhores eram os frutos de
imbu e xiquexique, depois vinham cajá, pitomba, juá, carnaúba e mandacaru,
quando era tempo. O almoço era carne de tatu e de outras caças. Sobrava tempo para tudo. No de inverno a
gente tomava banho de chuva; quando a chuva ia embora, passava o tempo jogando
pedras no caldeirão e vendo a água subir fazendo aquele barulho. E nós
dizíamos: Fulano. Eram os sepultados na água, os que não eram do nosso agrado.
Também fazíamos cavalo de pau para brincar, depois que levava os animais para
beber no rio. Tudo isto era uma delícia. Para menino não há tempo ruim. Comia, corria,
dormia, fazia “malinações”, levava ralhos dos mais velhos, mas ficava por isto
mesmo.
Depois, crescido, já na escola –
meu pai era o mestre – ouvi algumas pessoas e colegas me elogiarem, porque eu
aprendia rápido:
- Ele é inteligente como o pai. Vai
ser mestre também. Já começavam a me
respeitar. E ficava envergonhado ora se!... Nunca me achei inteligente assim,
para tanto destaque. Por ser tímido. Medroso igual a mim ainda estou por ver
outra pessoa. Mas naquele tempo era tudo muito simples. Hoje parece que há
muitas complicações, mas continuo a dizer que a vida é muito simples. Não
precisamos de muito. Ela é a pequena-grande coisa que recebemos de graça. Por
isto é dever conservá-la e amá-la até o seu limite. Sou inteligente, é? Mas não
tenho certeza de nada. Quem sabe do futuro? Se o homem soubesse do futuro, o
futuro não existiria. Deus existe, disto eu sei, mas não é uma entidade criada
a nossa imagem. É a sabedoria, é o espírito santo e é também o filho (que
sempre existiu). Somos uma partícula de Deus. Nossa alma, nosso espírito, nosso
“eu”. Então, que sabedoria temos, se não conhecemos nem a nós mesmos?
Obrigado Elmar. Dentre os amigos que relato que os velhos não tem mais, excluo os confrades da Academia de Letras do Piauí. E sem dúvida, você, além de confrade,além de poeta,é amigo, sim. Já de um bom tempo. Abraços. Chico Miguel.
ResponderExcluirO mesmo digo eu com relação ao nobre amigo e aos nossos confrades.
ResponderExcluirAbraço,
Elmar