quinta-feira, 11 de agosto de 2016

HISTÓRIAS DE ÉVORA - Capítulo XVI

Foto meramente ilustrativa

HISTÓRIAS DE ÉVORA

Este romance será publicado neste sítio internético de forma seriada (semanalmente), à medida que os capítulos forem sendo escritos.

Capítulo XVI

Gracinha

Elmar Carvalho

Após a partida de Madalena, Marcos mergulhou em profunda tristeza, que tentava disfarçar o mais que podia. Não chegava a ser uma depressão, mesmo porque na época não se ouvia falar nessa palavra, a não ser no sentido de profundidade física. Refugiou-se em suas leituras literárias e nos estudos colegiais. Quando perguntado por sua mãe ou por algum amigo mais chegado sobre porque estava um tanto circunspecto, respondia com evasivas ou alegava preocupações com as provas, que já se avizinhavam.

Por outra parte, tornou-se mais assíduo na prática do futebol, para com essa atividade física fugir da saudade que lhe remoía o espírito. Foi nessa época que, tanto por idealismo como para fugir de sua melancolia, reuniu Mário Cunha, Fabrício Moreira, Cazuza e outros amigos para criarem um jornal alternativo, mimeografado, cujo nome seria O Liberal. Seria informativo, opinativo e teria um espaço literário, para publicação de crônicas, contos, poemas e artigos. Nele Mário Cunha e outros artistas poderiam divulgar seus desenhos e caricaturas, com a utilização de estêncil adequado.

Não seria vinculado a nenhum partido ou grupo político. Contudo, buscariam algum recurso financeiro através da propaganda de algumas firmas comerciais ou mesmo de alguma pessoa física simpatizante dessa iniciativa. Seria impresso no mimeógrafo da escola da mãe de Fabrício, que terminaria por arcar com a maioria das despesas.

Todavia esse apoio deveria ser mantido em sigilo, para não prejudicar o seu pai em eventuais transações mercantis, mormente com o poder público. Seria publicado mensalmente, e faria críticas às três esferas de governo – federal, estadual e municipal – bem como aos três Poderes, mas sempre apontando soluções e sugestões. Teria até coluna social, para atrair os leitores mais ligados em fofocas e na vida alheia.

Foi nessa época que Marcos soube que havia sido instalado um cabaré a três quarteirões de sua casa, numa antiga chácara, denominada Montevidéu, que pertencera a um ricaço da cidade. O casarão ficava no meio de um grande terreno, de aproximadamente 120 por 150 metros. Alguns rapazes da vizinhança já estiveram lá algumas vezes, à noite, por simples curiosidade, ou para tomarem três a cinco garrafas de cerveja, que a magra mesada lhes permitia.

Ficou sabendo que a velha e desativada chácara fora alugada por Gracinha, que ali instalara o seu prostíbulo. Apenas ela, a mãe e um irmão residiam na casa. Entretanto, a partir das sete horas da noite várias raparigas novas ali faziam ponto, algumas de domingo a domingo. Segundo os boatos, Gracinha, ainda bem nova, tivera um namoro muito apimentado com um rapaz da sociedade eborense, filho de um fazendeiro abastado.

Notando sua mãe que Gracinha, mais cedo ou mais tarde, provavelmente mais cedo, terminaria por “dar com os burros n’água”, tratou logo de “vender” a sua virgindade em flor a um alto comerciante, frequentador assíduo dos principais cabarés eborenses. Para isso utilizou os serviços e a lábia de Pachola, seu filho, boêmio e um tanto malandro, que gostava da boa vida e de serviços maneiros, conquanto não descambasse para o furto, mas apenas para a “esperteza” e os expedientes de praxe do famigerado “jeitinho brasileiro”.

A velha, de nome Lurdinha, tinha notável experiência nessa seara. Ao ficar viúva, ainda nova e com dois filhos, e sendo assediada por vários comerciantes e altos funcionários da cidade, não tardou a ceder seus encantos a esses pretendentes, em troca de uma boa remuneração. Durante cerca de três anos foi “teúda e manteúda” de um rico coronel da carnaúba, que lhe deu casa, comida e dinheiro, em troca de rigorosa fidelidade.

A fidelidade, que jamais fora rigorosa, logo foi quebrada, seja porque ela fosse fogosa, e o velho tivesse pouco apetite, seja porque ela desejasse ainda alguma pecúnia a mais. O ricaço a deixou e ela continuou a ter encontros com um e com outro, em sua própria casa. Com o avançar da idade, esses encontros rendosos foram escasseando, de modo que Lurdinha passou a fazer ponto num dos cabarés de Évora.

Quando até esse meio de vida se tornou pouco rentável (como um artilheiro que passasse a reserva e depois a massagista), passou a fazer serviços de lavar e engomar roupa para as colegas do ramo, além de botar botequim de bebidas quentes e tira-gosto de tripa em festas na periferia da cidade ou mesmo em povoados perto da urbe. Embora contasse, vez ou outra, com a ajuda de Pachola e de Gracinha nesses labores, começou a se sentir alquebrada e cansada desses serviços. Foi então que lhe adveio a ideia de negociar a quebra da virgindade de Gracinha.

Tranquilizou a consciência ao admitir que isso, sem dúvida, iria acontecer a qualquer momento, sobretudo quando flagrou a filha em calientes amassos e pinos, com muitos beijos e esfregações escandalosas, nos escondidos das esquinas e das praças, perto de canteiros ou no encosto de uma árvore. E foi assim que Pachola, em conluio com a mãe, contratou o defloramento de Gracinha.

Não foi difícil à mãe vencer a frágil relutância da moça, convencendo-a de que a virgindade era apenas uma película de nada, e que só era perdida uma única vez e para todo sempre. Ela, ansiosa em conhecer novos prazeres, e tendo tido ao longo da vida o exemplo e o magistério da mãe, e vendo nisso uma fácil e agradável maneira de auferir lucro, acabou por aceitar de bom grado o que lhe era proposto.


E foi assim que a graciosa Gracinha começou a navegar mares nunca dantes navegados; mas sempre desejados e imaginados em sua ainda incipiente navegação de exígua cabotagem.    

4 comentários:

  1. Meu caro Poeta,
    Menos mal que suas férias acabaram, pois já estávamos ansiosos pelo retorno do nosso protagonista principal, tão dado às coisas mundanas, assim como às letras. E fez a sua rentrée do jeito que mais gosta. Bom retorno.

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  2. Um reparo: como o nosso blogueiro(não gosto muito do adjetivo, mas, enfim, é o que temos), e também me achava em período de viagem, saltei o XVI Capítulo, escondido em meio a tantas postagens do ativo coordenador deste espaço. Mas, o comentário ainda está de pé. Já vou me redimir, já, já!

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  3. Concluindo: Também ando apressado, mestre.E como o apressado come cru... Quis me referir ao que veio depois do XV capítulo, muita coisa que deixei de ler por está viajando. Mas, vou aproveitar o meu retorno a nossa Teresina em festa para me redimir e colocar todos os posts em dia.

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  4. Só posso dizer, caro Araújo, que fico muito feliz em ter um leitor de seu altíssimo quilate, atento, observador e sempre percuciente e pertinente.

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