A Bíblia proibida
José Maria Vasconcelos
Cronista,
josemaria001@hotmail.com
Nos últimos dias, a intolerância
religiosa serviu de debate, inclusive em tema de redação do ENEM (Exame
Nacional do Ensino Médio). Ao mesmo tempo, Papa Francisco acelerava o processo
de desarmamento entre igrejas cristãs fincadas em territórios divergentes.
Em 28 de outubro, o Papa Francisco
compareceu à Federação Luterana, na
Suécia, pelos 500 anos da Reforma Protestante de Martinho Lutero. E repetiu o
que já afirmara em outras ocasiões:
“Lutero levou a Bíblia às pessoas e elogiou sua defesa na mudança...
Lutero deu um passo decisivo colocando a palavra de Deus nas mãos do povo. A
importância das reformas e da Bíblia são dois dos elementos fundamentais nos
quais podemos ter um apreço mais profundo ao falar da tradição luterana". Nem
o Concílio Vaticano II, do Papa João XXIII, foi tão longe no plano ecumênico de
entrar em território dos “irmãos separados”.
“Lutero levou a Bíblia às
pessoas” – tem razão Papa Francisco, porque, durante séculos, a Igreja Católica
não permitiu o acesso de leigos à leitura da Bíblia. Até nos seminários, só se
aprendia a teologia, isto é, a interpretação da palavra de Deus, através da
doutrina dos Santos Doutores da Igreja (Patrística), como Santo Tomás de Aquino
e Santo Agostinho.
Além das barreiras impostas pelo
Vaticano de acesso à leitura bíblica, outros motivos desestimulavam o contato
com as Sagradas Escrituras: os livros bíblicos não seguiam a ordem que se vê,
unidos todos numa mesma edição. Os textos eram escritos a mão, artisticamente
belos, em couro bem curtido de animais (pergaminhos), vendidos a preços
elevados. Ler pergaminho era privilégio da nobreza, à qual o clero servia.
Qualquer obra literária adquirida custava o valor de um rebanho ou propriedade.
Só privilegiados monges conservavam tais joias em mosteiros. Graças a eles,
obras clássicas chegaram até nós. Ensina-se por aí que “o clero atravancou o
progresso”, baseando-se na doutrina iluminista-marxista, apesar dos desacertos
do Vaticano com a ciência.
Depois da invenção da imprensa,
abriram-se escolas e universidades. O livro era bem mais barato do que os
pergaminhos. Universidades mais prestigiadas da Europa foram fundadas pelo
clero, como Sorbonne, de Padre Sorbonne. Mas a imbecilidade tenta desmistificar
o mérito da Igreja.
Com o surgimento da imprensa de
Gutemberg, os textos bíblicos organizaram-se em único volume. Mesmo assim, não
estimulados à leitura pelo Vaticano, para despertar interpretações contrárias
ao princípio de Santo Agostinho: “Roma falou, questão resolvida”. Foi do clero,
porém que partiram divergências. Contra as ordens do Vaticano, Padre Jacques
Lefévre, em 1530, traduziu a Bíblia em francês (latim era obrigatório),
aproximando o povo das Escrituras. O alemão Padre Lutero seguiu-lhe os passos.
Aí veio o cisma e a Reforma.
Há mais de dez anos, escrevi uma
crônica, SÃO LUTERO, ORA PRO NOBIS. Acho que eu tinha razão. Não é Papa
Francisco?
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