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UM PINGO NO OCEANO
Cunha e Silva Filho
Muitas vezes tenho a sensação de que o
mundo precisa de menos livros. Será que
estou dizendo Uma heresia? Ou estou exagerando? Ou estou, na condição de
autor, com medo da competição diante de milhões de
livros espalhados pelo mundo afora? Como se poderia fazer
uma rigorosa estatística dos livros que circulam
globalmente? Em quantas línguas? Com quantos leitores? Em quantas editoras?
Livros para todas as idades, gostos, assuntos, livros para isso, livros para
aquilo. Seriam ainda válidos os
versos magníficos, a seguir
citados, de Castro Alves (1847-1871)
exaltando o valor dos livros:
Ó bendito o que semeia/ livros, livros à mancheia/ e manda o povo
pensar./ E o livro caindo n'alma,/ é germe que faz a palma,/ é chuva que faz o mar."
(...) Claro que seriam bem-vindos. Porém, o meu medo é que sejam mal distribuídos, mal lidos,
pouco lidos, desprezados, não reconhecidos, vistos com
indiferença, e o que é pior, jogados no
lixo.
Somos, globalmente, uma ilha gigantesca cercada de livros. Isso é
bom? E, para os bibliófilos, como ficará
esta questão geral de
publicações? Não precisamos de ir muito longe. Basta um Estado brasileiro.
Quantos autores temos num só Estado?
Quantos nos chegam ao conhecimento? Quantos são conhecidos? Quantos são lidos?
Quantos serão impressos e jamais
lidos pela maioria dos leitores? Estamos
afundados em livros que nunca haveremos de ler, principalmente porque não
teremos tempo de vida para fazê-lo. Que
pena não podermos ler nem a milésima parte
desses livros difundidos num só país. É isso que me incomodo
também como leitor. E olhe que
estou me referindo a livros
impressos, não aos e-books, não aos que
têm existência apenas virtual e
encontrados nos blogs, nos sites, os quais se contam aos milhares.
São obras que não acabam mais. Seria necessário que tivéssemos
várias reencarnações a fim de que pudéssemos dar conta da leitura de muitos deles – milhares deles preciosos. E
estou pensando só nos que
compõem o número elevado no
terreno da literatura. Imagine-se nos
outras áreas do conhecimento humano!
Por outro lado, existe algo que me inquieta: os livros ainda
são caros, sobretudo os recém-lançados por editora famosas. Até os dos sebos à moda antiga, em espaço físico de uma livraria
antiga, assim como os sebos
virtuais, já têm preços
elevados. Alguns, caso sejam muito
procurados, viraram produto
de luxo.
Enquanto isso, os autores,
muitíssimos, estão no limbo, esquecidos
quase que por completo a menos que haja um pesquisador que,
voltando-se para o passado,
necessitem de ler alguns desses
volumes esquecidos a fim de completarem suas pesquisas acadêmicas.
Já disse alhures que os críticos, por
exemplo, hoje têm que limitar-se a períodos da história literária, a fim de possam fazer seus recortes de temas e de autores. O crítico militante de
hoje é um indivíduo restrito
às suas possibilidades de
querer estar acompanhando essa enorme quantidade
de obras lançadas a público, nacional e mundialmente. Ou seja, não terão tempo suficiente nem terão tempo de vida necessária a uma maior dedicação às resenhas, às análises dos livros saídos,
lançados, escritos e divulgados, quer
impressos, quer pelo espaço virtual. Já se se foi o tempo das
resenhas de rodapés das décadas de trinta,
quarenta, cinquenta, sessenta, a cargo, às vezes, de um ou dois críticos militantes por jornal.
O número de autores, ruins, bons e ótimos subiu vertiginosamente. Assim também o número de editoras espalhadas pelo país.
Levando em conta cada Estado da Federação,
com o aumento
do número de universidades e faculdades
privadas e o consequente número de estudantes de todos os níveis, proliferaram
livros e autores em todos os gêneros, didáticos, não didáticos, obras de referências, obras de artes etc.
O fato paradoxal é que, num país com graves problemas financeiros e com altos índices de analfabetos e analfabetos funcionais, ainda assim é espantosa a quantidade
de livros lançados.
Entretanto,
há dois aspectos curiosos no
meio dessa realidade editorial: os livros
de autores nacionais bem vendidos e em edições de boa tiragem
e livros igualmente de autores nacionais
pouco vendidos e em edições
modestas. Para saber quais fatores
são determinantes na elucidação
desses dois tipos de vendagem
seria o caso de ter que se fazer um análise aprofundada da questão.
Some-se a isso a circunstância de
que não sabemos ao certo se os livros
bem vendidos são realmente lidos pelos
compradores, e bem assim os poucos
vendidos.
E o problema desse desequilíbrio ainda se
agrava mais com a concorrência dos livros chamados best sellers, dos livros
traduzidos, ricamente impressos, com capas
chamativas, e tendo na retaguarda uma poderosa logística
de publicidade, divulgação
e distribuição em grandes
livrarias de potenciais compradores
de classes mais elevadas.
Os autores não bafejados por essa
retaguarda de elite dificilmente
conseguirão ter voz e vez e seus
livros, em geral, se transformam em
encalhes fragorosos ou senão vão engrossar os milhões de livros dos grandes sebos virtuais.
Os autores não muito lidos nem
muito conhecidos ou não conhecidos, por força do impulso da criação, não desistem de escrever para se
sentirem úteis. Quem sabe, um dia serão descobertos... Ou então, terão o
destino certo dos escritores, em vários
gêneros, que estão lá nas prateleiras de um velho sebo ou nas estantes de uma biblioteca imensa povoada de tantos outros autores hibernando
por falta de quem os procure e lhes dê o prazer de um leitura
só pelo amor aos livros.
Isso pode acontecer numa cidade, num Estado, num país e no mundo. Um pingo no
oceano.
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