segunda-feira, 10 de julho de 2017

DEPOIMENTO SOBRE GERVÁSIO PIRES DE CASTRO NETO

Alcenor visto por Gervásio
Gervásio em autorretrato, retratando o poeta Elmar Carvalho


DEPOIMENTO SOBRE GERVÁSIO PIRES DE CASTRO NETO

Alcenor Candeira Filho

     Natural de Parnaíba-PI (1950),  Gervásio Pires de Castro Neto  foi morar a  partir de 1965 no Rio de Janeiro, onde vive até hoje.
     Foi na “Cidade Maravilhosa”, onde estudei de 1966 a 1971, que me tornei seu amigo. Lá alguns parnaibanos costumavam encontrar-se em fins de semana para “beberipapos”. Nesse tempo Gervásio chegou a escrever alguns poemas, mas logo descobriu que a sua verdadeira vocação artística era para o desenho, revelando-se grande caricaturista.
     Acredito que se Gervásio Neto houvesse ao longo da vida tentado conciliar a profissão de bancário com uma atividade artística mais constante, divulgando trabalhos através de jornais, revistas, internet e exposições, - teria hoje um número bem maior de admiradores. Mas ele sempre foi avesso a holofotes. Só desenha quando quer, nunca por obrigação ou dever.
     Já retratou com mágicos traços humorísticos  vários parnaibanos, como o ex-prefeito José Hamilton Furtado Castelo Branco, o músico Weber Mualem de Moraes, o desenhista Fernando Antônio Melo de Castro, o escritor Carlos Henriques de Araújo, o desenhista  Francisco de Assis Lemos, conhecido como Guerreiro, e muitos outros.
     À sua arte devo as capas de dois livros de minha autoria: TEORIA DO TEXTO E OUTROS POEMAS e SELETA EM VERSO E PROSA.
     Quem vê o artista vestido sempre de calça e camisa pretas, com o inseparável boné também preto, poderá imaginar que ele vive de luto, ensimesmado,  macambúzio, sorumbático. Mas isso não passa de aparência. Quem conhece bem o Gervásio Neto sabe que ele adora conversar, especialmente em rodadas de cerveja em bares e botecos modestos. Discorre com  desenvoltura  sobre assuntos gerais, opinando, argumentando, concordando, discordando. Enfim, um cidadão bem in/formado, que não abre mão das próprias convicções.
     Na juventude, em períodos de férias escolares, eu e ele participamos em Parnaíba de um bloco carnavalesco denominado “Negro Gato”. A turma só entrava nos clubes (AABB e Igara) ao som da música  “O Negro Gato”, de Roberto Carlos, executada em ritmo de carnaval. Não lembro se à época, fins dos anos 60, Gervásio Neto já se trajava todo de preto, como não sei se a mania pela indumentária  da cor da noite de lua e de estrelas ocultas no blecaute de nuvens espessas nasceu a partir do “Negro Gato”.
     Gervásio Neto re/criou  na sua especialidade de desenhista as vinte e cinco personagens poeticamente retratadas por Elmar Carvalho no livro POEMITOS DA PARNAÍBA.
     O caricaturista não conheceu pessoalmente várias dessas personagens, mas as caracterizou fidedigna e artisticamente através de traços e cores a partir dos perfis poéticos criados por Elmar Carvalho. O trabalho do artista plástico revelou-se tão valioso quanto o do artista da palavra, na medida em que, fiel ao exemplo deste, expressa aspectos físicos e morais das personagens que desfilam no livro.
     Um dos fatos mais marcantes de meus tempos de Rio de Janeiro ocorreu no dia em que eu, Gervásio e outros parnaibanos fomos presos no sombrio ano de 1970, episódio que me levou a escrever um texto – “Prisão de Parnaibanos no Rio de Janeiro - , publicado  em blogues/portais piauienses e inserido no livro de minha autoria POLÍTICA E OUTROS TEMAS PARNAIBANOS.
     Em final de tarde de um sábado, os parnaibanos fomos levados em três viaturas policiais (fuscas) com sirenes ligadas e barulhentas à delegacia da rua Bambina, em Botafogo.
     Após enfadonhos depoimentos, todos fomos liberados sem necessidade de habeas corpus, com direito a imediata comemoração em bar  próximo da delegacia.
     Nunca nos envergonhamos nem nos vangloriamos da ocorrência: afinal de contas não éramos heróis e fomos detidos por pouco tempo - no máximo sete horas - , não pela prática de ato delituoso mas pelo simples fato de havermos “entrado de gaiatos no navio” ou de estarmos “no lugar certo em  hora errada”.
     O lugar era “certo” porque se tratava do apartamento do 11º andar em que moravam os parnaibanos Weber Mualem de Moraes, Antônio Dutra (Cambel) e os irmãos Benedito, Paulo e João Paulino Soares. O minúsculo  apartamento  era um dos lugares de reunião de nossa turma nos finais de semana e por isso eu, Gervásio Pires de Castro Neto, Raimundo Furtado de Mendonça Neto (Raimundinho Arraia) e Arnaldo Prado lá nos encontrávamos como visitantes.
     Nessas visitas costumávamos tomar os primeiros copos  de cerveja para, em seguida, com a chegada da noite, vagar de bar em bar até o amanhecer, porque gostávamos de ver o sol nascer no vazio da cidade maravilhosa.
     Se o lugar era “certo”, o momento foi “errado”, porque ninguém esperava a chegada repentina de Antônio Dutra, o Cambel, inteiramente fora de si, furioso, desafiador, provocador, insultando o tempo todo os irmãos Soares. Lembro-me de uma panela com ovos no fogão e de Cambel ameaçando jogar nos desafetos a água que nela fervia. Ele bradava: “Aqui só respeito o Noba, porque joguei botão na casa dele várias vezes e sempre perdia”. Nunca se soube se Cambel estava drogado. Mas sem dúvida estava transtornado. Chegou a agredir fisicamente os irmãos Soares, que reagiram moderadamente, na medida suficiente para dominar ou domar o agressor. Em verdade, todos tínhamos as mesmas parnaibanas raízes e éramos amigos.
     Mas Cambel estava possesso. Mesmo depois da surra que  levou, começou a jogar da janela do apartamento garrafas vazias de cerveja no pátio do edifício. Os vizinhos ligaram, e logo viaturas da polícia estacionaram em frente do prédio. Os policiais entraram no pequeno apartamento com armas na mão e gritando: “Todos com as mãos na parede”. E visitantes, moradores e apartamento foram minuciosamente revistados. Nenhuma droga foi encontrada. Em seguida, todos fomos algemados: eu junto com Gervásio, Raimundinho com Arnaldo, Benedito com Paulo, enquanto Cambel e João Paulino foram algemados sozinhos.
     Na delegacia da rua Bambina, prestamos depoimentos até de madrugada. Do momento de meu depoimento lembro a indumentária quase carnavalesca do delegado: camisa manga comprida amarela/corrupião, gravata verde/pavão  e calça preta/urubu. Não fitei os sapatos nem meias, mas os cabelos compridos  com rabo de cavalo jamais me sairão das retinas.
     Ao saber que eu fazia o quarto ano de direito, disse: - Você está começando muito bem a vida de advogado. Cuidado. Pare com essa cachaça e vá estudar.
     Em seguida, o delegado passou a inquirir Gervásio Neto.
     Naquele fim de semana Gervásio se despedia dos amigos. Iria na semana seguinte para Curitibanos para assumir emprego no Banco do Brasil. Naquele momento, portanto, ele não trabalhava nem estudava. E o delegado:
     - O que você faz na vida?
     - Já compro feito.
     - E seu dinheiro cai do céu?
     Tudo esclarecido, Gervásio foi liberado, o que aconteceria com os demais.
     Funcionário aposentado do Banco do Brasil S.A., Gervásio Neto é filho de Francisco José Pires de Castro e Maria Antônia Melo de Castro. Casado com Ana Maria com quem tem duas filhas: Vanda e Natacha.                                                                                                   

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