Fonte: blog Bitorocara |
A fundação de Campo Maior
Reginaldo Miranda
Da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico Piauiense
Tem causado certa celeuma a
fixação da data de fundação da aprazível cidade de Campo Maior, plantada em
meio aos vastos carnaubais e campinas verdejantes do centro-norte do Estado do
Piauí.
Foi o padre Cláudio Melo, filho
ilustre daquela terra, o primeiro historiador que percebeu ser a fazenda
Bitorocara, do mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, o núcleo inicial
daquela comunidade. No entanto, apesar do tirocínio e das provas levantadas por
aquele notável historiador, sempre houve contestações porque, de fato, existia
um hiato, um ponto obscuro entre Bitorocara e Campo Maior. Mais recentemente,
outro campomaiorense ilustre, o magistrado e acadêmico Elmar Carvalho vinha
fazendo eco, como discípulo, às descobertas do padre Cláudio Melo. Em linha
oposta surgiram alguns novos historiadores contestando essa tese e,
consequentemente, a primazia de Bernardo de Carvalho e Aguiar na fundação de
Campo Maior.
No entanto, o melhor achado foi
feito nos últimos dias pelo incansável pesquisador Valdemir Miranda de Castro,
de Esperantina, que localizou num livro de registro de mercês, arquivado na
Torre do Tombo, a descrição da sesmaria concedida em 1718, a Bernardo de
Carvalho e Aguiar, que dirime qualquer dúvida sobre o assunto. Sabedor de que
estamos reconstituindo a vida de Bernardo de Carvalho e Aguiar, com base em
fonte primária, para uma coletânea em homenagem ao centenário de nossa
Academia, enviou-nos a referência do documento, o que também foi feito pelo
confrade Elmar Carvalho, pedindo que o apreciássemos.
Nessa altura já vínhamos
analisando, entre outros documentos, uma certidão de serviços prestados por
aquele militar. Chegou agora ao nosso conhecimento uma segunda certidão ainda
mais detalhada, com informações geográficas sobre os sertões das Cajazeiras e o
dos Alongazes. Então, interpretando esses documentos em conjunto nos achamos
habilitados para entrar nesse debate e indicar uma data para a fundação da
fazenda que deu origem à pacata e hospitaleira cidade de Campo Maior.
Bitorocara, o nome indígena solto na história (do tupi ibi: terra + toro: jorro
de água, nascente + cará: ervas trepadeiras da família dioscoreaceae;
significando lugar de nascente, terreno embrejado), é a primitiva fazenda
depois rebatizada Santo Antônio. Esse fato está agora tão claro quanto a luz do
sol ao pino do meio dia. Dela tinha o mestre-de-campo a posse desde que a
desbravou, porém, só requereu e conseguiu a sesmaria em 1718, talvez depois de
livrar-se de pretensões da Casa da Torre, então em franco declínio, que se
achava dona de quase tudo no Piauí. Foi no governo de Christóvão da Costa
Freire, governador e capitão general do Estado do Maranhão(1707 – 1718), que
lhe foi dada a sesmaria “no sertão dos Alongazes por evocação de Santo Antônio,
em um riacho cujas vertentes desaguavam no rio Jenipapo, em o qual tinha todas
as fábricas de criados, escravos, cavalos e o mais necessário, e nele
necessitava de três léguas de terra de comprido com uma de largo em todo o comprimento,
para criação dos ditos gados e suas multiplicações, começando o dito
comprimento da casa para Leste duas léguas e da mesma casa para Oeste uma
légua, fazendo a largura de Norte a Sul ficando o dito riacho em meio da
largura, reservando ele as voltas e pontas e da terra toda a inútil de criar
gados, pelo haver povoado estando deserta” (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de
Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, fl. 509v).
Então, seria impossível uma
localização mais precisa, ficando a mesma no sertão do Longá, em
um riacho que entra no Jenipapo (o mesmo da Batalha da Independência). E fora
erguida sob a invocação de Santo Antônio, em cuja sede foi pelo proprietário
iniciada a construção da capela, à sua custa, em 1711, para servir de matriz à
freguesia de Santo Antônio dos Alongazes ou Santo Antônio do Surubim, a segunda
mais antiga do Piauí, que fora criada naquele ano, pelo padre Tomé de Carvalho
e Silva, sob ordens do Bispado de Pernambuco. Essa antiga construção somente
foi concluída em 1828, conforme alguns registros.
Dirimida a dúvida sobre a
localização resta discutirmos a data de fundação da fazenda. Segundo o referido
documento de concessão da sesmaria era “Bernardo de Carvalho e Aguiar, um dos
primeiros conquistadores e povoadores da Capitania do Piauhy, aonde era morador
havia mais de 26 anos” (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de Mercês, Mercês de D.
João V, liv. 8, fl. 509v). Essa data reporta ao ano de 1692 ou antes, em que
ele fixara residência no Piauí, não necessariamente nos Alongazes.
No entanto, segundo uma certidão
expedida em 20 de janeiro de 1719, que dá conta dos serviços prestados por
Bernardo de Carvalho e Aguiar, no ano de 1690, estava ele combatendo os índios
Paracatis, no sertão de Parnaguá, sob o comando do capitão-mor José Garcia Paz,
onde demorou mais de seis meses, inclusive permaneceu governando os índios
prisioneiros no arraial militar; em 1691, nenhum ato relevante praticou, pois
nada consta na certidão, sendo provável que tenha continuado administrando os
índios do arraial e suas fazendas naqueles sertões, que ainda não pertenciam ao
Piauí e sim a Pernambuco; no entanto, “no ano de 1692, fez à sua custa uma
entrada com muita gente de cavalo e de pé, ao sertão das Cajazeiras, onde
descobriu umas terras novas no Riacho da Cabeça do Tapuio, Sambito e Puty, em
que pôs gados seus e fez casas fortes com homens, armas e munições para a sua
defensa em que gastou muito de sua fazenda (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de
Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, fl. 520/520v).”.
Portanto, foi no ano de 1692 que
Bernardo de Carvalho e Aguiar fixou residência no Piauí, fundando a fazenda
Cabeça do Tapuia, que deu origem à atual cidade de São Miguel do Tapuia. Nessa
fazenda residiu por três anos, quando muda para a terra dos Alongazes.
Foi no verão de 1695, que fez ele
nova entrada “e descobriu outras terras novas que chamam os Alongazes, junto da
Serra da Guapava, levando também muita gente armada à sua custa, povoando-as de
gados e negros escravos seus, fazendo casas fortes para a defensa dos novos
moradores, dando-lhes todo o sustento, armas e munições e o mais necessário
para as habitarem e defenderem, resultando desta sua diligência grande
utilidade para os Estado da Bahia e Pernambuco pela grande abundância de gados
com que logo se povoaram aquelas terras, seguindo o seu exemplo outros muitos
moradores que logo situaram naqueles sertões mais de 40 fazendas, que sem
dúvida aumentaram muito os dízimos reais” (PT/TT/RGM/C/0008. Registo Geral de
Mercês, Mercês de D. João V, liv. 8, fl. 520/520v).
Então, conforme esse importante
documento ele descobriu terras novas no lugar dos Alongazes no ano de 1695,
depois de três anos residindo no Piauí (Fazenda Cabeça do Tapuio). Antes, nós
havíamos analisado uma certidão que nada dizia sobre a localização geográfica
de Cajazeiras e Ibiapaba, também não fazendo referência ao lugar dos Alongazes.
No entanto, o último documento bem esclarece essa situação, dando razão ao
padre Cláudio Melo, de que o conquistador viera pela fronteira cearense. No
referido documento, também havia dúvida sobre o algarismo 5 que parecia 3,
agora tudo se esclarecendo(1695).
Por outro lado, as campanhas
militares sempre iniciavam no final do inverno, entre os últimos dias do mês de
abril e o princípio do mês de maio, sendo nesse tempo que Bernardo de Carvalho
iniciou sua jornada à Terra dos Alongazes, onde chegou em meados do mês de
maio. Descobriu novas terras, como diz a certidão de seus feitos, e como
qualquer pessoa sensata foi buscar o melhor local para abrir a clareira das
primeiras rancharias e chantar a caiçara do curral, concluindo isso no final da
primeira quinzena de junho. Podemos perfeitamente presumir que ele deu por
fundada a fazenda no Dia de Santo Antônio, popular santo português, também
homenageando o nome de seu pai, Antônio Silvestre de Aguiar.
Portanto, com base na
documentação até agora estudada, ousamos afirmar que a fazenda Santo Antônio,
antiga Bitorocara, que deu origem à cidade de Campo Maior, foi fundada pelo
mestre-de-campo Bernardo de Carvalho e Aguiar, em 13 de junho de 1695. Passou a freguesia em 1711 e vila por carta
régia de 19 de junho de 1761, sendo oficialmente instalada no ano seguinte. A
localização geográfica e o ano da fundação estão baseados em documentos
irrefutáveis, sendo o dia e o mês uma boa presunção que a ninguém ofende, mas
vem prestigiar uma velha tradição portuguesa.
** Nova versão, com revisão do
autor.
* REGINALDO MIRANDA, é membro
efetivo da Academia Piauiense de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico
Piauiense e conselheiro do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI.
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