sábado, 28 de outubro de 2017

Dom Francisco de Castelo Branco


Dom Francisco de Castelo Branco

Reginaldo Miranda *

Foi um militar português com larga folha de serviços prestados nas cidades de Lisboa, Paraíba, hoje João Pessoa e São Luís do Maranhão. Ao contrário do que anotou Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, seu descendente direto e primeiro biógrafo, não morou no Piauí nem assentou fazendas na freguesia de Santo Antônio do Surubim de Campo Maior; também, não assinava com o nome de Francisco da Cunha Castelo Branco, mas simplesmente Francisco de Castelo Branco, melhor dizendo, sempre antecedido do título de Dom, assim, Dom Francisco de Castelo Branco. Era este o seu nome e assim fora tratado por toda a vida, em alusão às origens nobres, pois era Moço Fidalgo da Casa Real.

Durante a sua vida e em todos os requerimentos que fizera, ao menos os que compulsamos, todos citados no presente ensaio biográfico, nunca fizera menção à Casa dos Condes de Pombeiro. Ao que se depreende, se a ela pertencia, como acreditamos, devia nutrir algum ressentimento de seus ilustrados parentes reinóis. No entanto, a partir de seus netos são fartas as referências àquela casa senhorial portuguesa, sempre fundamentando seus pleitos com a informação de que o avô era de fato, irmão do Conde de Pombeiro, que àquela época era D. Pedro de Castelo Branco e Cunha.

Assim, com base nessas informações, pode-se dizer que Dom Francisco de Castelo Branco, nasceu no Palácio Pombeiro, freguesia dos Anjos, em Lisboa, cerca de 1660, filho de Dom Antônio de Castelo Branco e Cunha, Conde de Pombeiro, natural do mesmo lugar, e de sua esposa Maria da Silva, natural da freguesia da Sé, em Lisboa.

Viveu a primeira fase de sua vida em Lisboa, onde fez seus estudos regulares e desfrutou os despreocupados anos da infância e juventude, no velho solar paterno. No entanto, dado o sistema de morgado em que apenas o filho primogênito herdava e administrava o indiviso patrimônio familiar, o que recaía na pessoa de seu irmão mais velho, Dom Pedro de Castelo Branco e Cunha, cedo teve de buscar seu rumo longe da família.

Em 1681, na cidade de Lisboa, segundo Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, convola núpcias com a distinta senhora Maria Eugênia de Mesquita, também oriunda de família nobre, porém, sem herdar grande patrimônio.

E para sustentar sua família, segundo a citada fonte, inicia vida pública no cargo de Tesoureiro do Tesouro Real (CASTELO BRANCO, Miguel de Sousa Borges Leal. Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí. 2ª Edição. Coleção Centenário III. Teresina: APL, 2012)

No entanto, nos primeiros dias do ano de 1687, Dom Francisco de Castelo Branco deixa esse emprego e segue carreira militar, sentando praça de soldado de cavalo da Companhia do Comissário Geral Dom Manoel de Azevedo, da guarnição da Corte na cidade de Lisboa, onde serviu por mais de oito anos(AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529).

Depois dessa fase, vai nomeado para o posto de soldado raso no presídio da cidade da Paraíba, hoje João Pessoa, que então pertencia à praça de Pernambuco, sentando praça em 15 de março de 1695, dia em que saiu de Lisboa embarcando com destino ao seu novo quartel, depois passando ao posto de sargento, ao todo por espaço de quatro anos, nove meses e onze dias servindo nesta praça, havendo-se em tudo com mui honrado procedimento, o que largamente consta de suas certidões(AHU. ACL. CU 009. Cx 011. Doc. 1169).

Por esse tempo, em face de desinteligência de Portugal com a França, que ameaçava reconquistar o Maranhão, por carta de 28 de novembro de 1699 do Conselho Ultramarino, foi autorizado a Dom Fernando Martins Mascarenhas de Lencastro, governador e capitão geral de Pernambuco e mais capitanias anexas, a criar e remeter para o Maranhão duas companhias com a lotação de cem homens cada uma, totalizando duzentos. Também, a criar os postos dos dois capitães, dois alferes e quatro sargentos, escolhendo os sujeitos mais capazes e de maior disposição para os encarregar dos ditos postos. Então, dada a sua experiência e bom procedimento, recaiu o comando de uma dessas companhias, aquela que reunira a gente mais lustrosa, na pessoa de Dom Francisco de Castelo Branco, que então fora nomeado capitão de infantaria, por ato daquele governador de 20 de março de 1700, percebendo o mesmo soldo e farda que venciam os seus pares dos terços de Pernambuco, enquanto se não embarcou para o Maranhão, quando passou a perceber os que foram fixados por Sua Majestade, assim como os mais capitães daquela praça(AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529).

Nessas circunstâncias, embarcou com a esposa e suas três filhas menores no navio Santo ... e São Caetano, que seguia com a tropa de que era comandante, com destino a São Luís do Maranhão. No entanto, “chegando à Barra deste porto foi Deus servido que se perdesse o navio em que vinham, por cuja causa morreram afogadas quarenta e tantas pessoas, entre as quais morreu também sua mulher, e ficou com três filhas fêmeas sem remédio algum, porquanto se perdeu todo o seu cabedal que trazia em o dito naufrágio”, disse Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, governador e capitão general do Estado do Maranhão, em 27 de abril de 1701(AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529).

Nesse mesmo sentido foi a certidão emitida em 10 de setembro de 1701, por Fernão Carrilho, tenente-general da praça da cidade de São Luiz do Maranhão, com quem serviu Castelo Branco:

“Certifica que por ordem do dito Senhor, vinham duas companhias de cem homens cada uma, de socorro para esta praça, da Capitania e Estado de Pernambuco, em uma das quais veio por capitão Dom Francisco de Castelo Branco, com toda a sua casa e família; e porque foi Deus servido que o navio que os conduziu se perdeu em a Barra deste porto, donde morreram trinta e tantas pessoas, e nesse conflito morreu também a mulher do sobredito capitão, e me consta que perdeu juntamente toda quanta fazenda e cabedal trazia, e ficou só com três filhas fêmeas, sem cousa alguma de seu e obrigado da lastimosa miséria e pobreza em que se viu o obrigou a se casar nesta terra, e tendo nela suas roças, que são as quintas dessas partes, até o dia presente não saiu fora desta praça” (AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529).

Ele mesmo rememoraria mais tarde, em 1716, que “embarcara no ano de 1700 no navio Santo ... e São Caetano com mulher e filhas e toda a sua fazenda para o dito Estado, e chegando ao boqueirão da barra da cidade de São Luís do Maranhão se fez em pedaços o dito navio em um recife de pedras em que salvou a vida e a de três filhas, perdendo mulher e toda a fazenda que trazia, ficando .... sem ter com que se sustentar, por serem os soldos limitados ....” (AHU. ACL. CU 009. Cx 011. Doc. 1169).

Então, provado está que ao chegar ao Maranhão, perdeu a esposa, ficando viúvo e com três filhas menores, e não duas como mais recentemente vêm divulgando alguns pesquisadores de nossa história. Entretanto, não demorou a viuvez porque em 10 de setembro do ano seguinte ao naufrágio, já havia contraído novo matrimônio com ilustrada jovem maranhense, conforme certidão supra.

Nessas circunstancias, com o coração cheio de dor toma posse na cidade de São Luiz do Maranhão, em 11 de outubro de 1700, poucos dias depois do naufrágio, percebendo o soldo estipulado aos oficiais desta praça, servindo por 1 ano, 11 meses e 3 dias. No entanto, passou a sargento-mor do Estado em 15 de maio de 1702, por patente do tenente-general Fernão Carrilho, que estava vago por falecimento de Lucas da Silva Serrão. Porém, não demorou no exercício desse posto, pois teve baixa nos soldos por ato do governador e capitão-general do Estado, Dom Manoel Rolim de Moura, até segunda ordem de Sua Majestade, retornando, assim, ao posto anterior(AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529).

Dessa forma, permanece por largos anos no exercício do posto de capitão de infantaria paga da guarnição do Maranhão. Por essa razão, em 23 de julho de 1726, declara que está exercitando com satisfação esse posto há quase trinta anos, pouco mais ou menos, pedindo ser provido no posto de capitão-mor do Ceará ou da cidade de Belém do Grão Pará ou da cidade de São Luiz do Maranhão; e, outrossim, lhe faça mercê do soldo que se concedeu ao tenente-general Fernão Carrilho, e no caso de não ter efeito o que pede lhe conceda ao menos o posto de sargento-mor desta praça de São Luiz do Maranhão com o mesmo soldo que tinha o defunto Custódio Pereira, sargento-mor que foi deste presídio e seus anexos. Porém, esses pleitos não foram deferidos, permanecendo no referido posto de capitão de infantaria do Maranhão(AHU. ACL. CU 009. Cx 015. Doc. 1529).

No exercício desse posto militar, em 27 de julho do mencionado ano de 1726, envia ofício ao secretário do Conselho Ultramarino, André Lopes de Lavre, dizendo que sua saúde “é de presente muito pouca, porquanto fico de cama, sangrado e purgado, com pouca esperança de melhora pelos exemplos que vejo nesta pobre cidade de São Luís do Maranhão, em a qual tem morrido muita gente de catarro, porquanto é com o ânimo de peste, de que Deus nos livre e a todos os fiéis cristãos. Ora meu Senhor, V. Sa., pelas chagas de Jesus Cristo, me valha com o seu amparo e paroanio tendo de mim piedade, misericórdia e compaixão, e a melhor ocasião que me parece para esta concessão é a das endoenças e de dia de Reis. V. Sa., me perdoe pelo amor de Deus, essa demasiada confiança que são ditícios da doença, e Deus guarde a V. Sa., muitos anos e a todos esses meus senhores para lhe fazerem grandes serviços, e a este seu criado muitas mais honras  e esmolas. Cidade de São Luís do Maranhão, 27 de julho de 1726” (AHU.ACL. CU 009. Cx. 15. Doc. 1531).

Em 16 de maio de 1730, o governador e capitão-general do Maranhão, Alexandre da Costa Freire, informa ao Conselho Ultramarino que Dom Francisco de Castelo Branco e Francisco da Silva, capitães de infantaria paga da capitania de São Luís, se acham incapazes de continuar no serviço de Sua Majestade, “o primeiro por ser velho e entrevado, o segundo por ser decrépito em razão da muita idade que tem”, tendo o Conselho decidido em 28 de junho do ano seguinte “conceder-lhes o seu intertenimento, pois  não será razão que tendo-se empregado no serviço de Vossa Majestade, deixem agora de ter com que se possam alimentar os últimos anos da sua vida”. Fora este ato uma espécie de aposentadoria, sendo, assim, afastado do serviço militar ativo em 28 de junho de 1731, depois de mais de 44 anos de serviço militar (AHU.ACL. CU 009. Cx. 18. Doc. 1916).

Dom Francisco de Castelo Branco, foi também um homem extremamente católico, muito temente a Deus Nosso Senhor, sendo irmão da Santa Casa de Misericórdia; da Congregação de Nossa Senhora da Boa Morte do Colégio dos Reverendos Padres da Companhia de Jesus; e Irmão Terceiro, ainda que indigno e professo da Ordem Terceira do Seráfico São Francisco das Chagas e de Nossa Senhora da Conceição dos Reverendos padres capuchos do convento de Santo Antônio(AHU-ACL-CU 009- Cx. 15 – D. 1529).

Outro aspecto que abordamos no início desse ensaio e que desejamos enfatizar porque é muito divulgado, é que Dom Francisco de Castelo Branco não morou no Piauí nem situou fazendas no termo da freguesia de São Antônio do Surubim ou dos Alongases, hoje cidade de Campo Maior. Essa assertiva é muito segura porque em 1726, já era um homem “velho e carregado de achaques” que sempre servira em São Luís do Maranhão, entrando e saindo no seu quartel todos os dias. Também, não possuía fazendas vivendo em estado de comiseração e extrema pobreza, ajudado pelo governador e pelas ordens pias de que participava, embora digno e muito honrado, conforme se vê:

“Certifico em como Dom Francisco de Castelo Branco, Moço Fidalgo da Casa de Sua Majestade, que Deus guarde, está há muitos anos servindo o posto de Capitão de Infantaria” – Antonio de Sousa Sá, Ajudante Reformado, em 30.7.1726.

“... ele suplicante e toda a sua família viviam de esmolas que lhe faziam os reverendos padres da companhia desta cidade e com que lhe fazem algumas vezes todos os mais conventos que há nesta referida cidade, e principalmente lhe assiste o senhor governador João da Maya da Gama, com o necessário com muita grandeza, porquanto o seu soldo lhe não chega para se vestirem e calçarem, pelo excessivo preço que cá costumam vender, e outrossim em como o suplicante é um homem já velho e achacado, porém muito digno, e capaz nos parece ser de toda a mercê e honra que Sua Majestade que Deus guarde for servido fazer-lhe”. Essa certidão foi emitida pelo Frei José da Anunciação, confessor e guardião do Convento de Santo Antônio da cidade de São Luís do Maranhão, em 10.6.1726. Também, o vigário-geral Ignácio Ferreira de Lemos, certificou no mesmo sentido.

“Sendo homem pacífico e muito cortês perante todos geralmente e me consta padecer hoje com sua família muita pobreza por falta de bens”, certifica Manoel Lopes de Souza, cidadão da cidade de São Luís, e nela Curador da Coroa e Fazenda Real, em 24.6.1726.

“... e ainda hoje está exercitando o mesmo posto, porém com muita miséria e pobreza, e velho e carregado de achaques e de família, que padece muitas necessidades, e se acha em estado e comiseração, piedade e misericórdia” – Certifica o governador João da Maya da Gama, em 30.6.1726.

Inobstante todas essas dificuldades  financeiras, foi um cidadão benemérito, pois em princípio do ano de 1701, ainda com as sensíveis consequências do naufrágio, quando o tenente-general Fernão Carrilho precisou combater indígenas de corso, “não tendo índios bastantes para as ditas tropas, o sobredito capitão me ofereceu os seus escravos para irem em ambas, e com efeito foram e em outras ocasiões não se achando canoas para se fazerem alguma diligência do serviço de Sua Majestade, também ofereceu e deu a sua canoa de muito boa vontade, e finalmente todo o seu maior desvelo é buscar ocasiões em que sirva ao dito Senhor com muito zelo e cuidado do Real serviço” (AHU-ACL-CU 009- Cx. 15 – D. 1529).

Porém, é interessante ressaltar que embora Dom Francisco de Castelo Branco vivesse em São Luís do Maranhão, com a segunda mulher e ao menos um filho nesse lastimável estado de pobreza, suas filhas do primeiro consórcio viviam no Piauí em estado de abastança, essas sim com diversas fazendas nos termos das freguesias de Nossa Senhora do Carmo da Piracuruca e Santo Antônio do Surubim. Pela análise da documentação percebe-se que havia desinteligência entre estas e a segunda família de seu pai, pois seria inconcebível que elas tão ricas como eram permitissem que seu pai vivesse, já velho e alquebrado, nesse estado lamentável, na dependência de terceiros. No entanto, esse fato mais se avulta porque, seguramente, seus esposos, que não eram nobres, certamente se valeram da nobreza do sogro e influência da família para ascenderem nas patentes militares e na concessão de sesmarias no Piauí, cuja descendência constitui-se na principal família do Piauí Colonial. Em todos os pleitos que fizeram, e disto temos ciência pela análise documental, sempre se valeram do nome do velho para abrir postas no reino. Foram, no mínimo, ingratas com o honrado genitor, que também nunca lhes pediu nada nem fez menção à Casa de Pombeiro, o que mais tarde seria demasiadamente feito pelos descendentes.

Conforme se disse no início dessas notas, fora Dom Francisco de Castelo Branco casado em primeiras núpcias, em Lisboa, com Maria Eugênia de Mesquita, também esta lisboeta e de origem nobre, filha de Manuel Pinheiro de Mariz e Eugênia Maria de Mesquita. Desse consórcio teve três filhas, a saber: 1. Ana Castelo Branco de Mesquita, casada com o português João Gomes do Rego Barra(primeiras núpcias deste); 2. Maria do Monte Serrate Castelo Branco, casada com o português João Gomes do Rego Barra(segundas núpcias deste). 3. Clara da Cunha e Silva Castelo Branco, casada com o português Manuel Carvalho de Almeida.

Em 1701, na cidade de São Luís do Maranhão, casou-se em segunda núpcias com Mércia de Monterroyo Siqueira, de cujo consórcio nasceu mais um filho, a saber: 4. D. Manuel Castelo Branco, natural e residente em São Luís do Maranhão, também seguiria carreira militar iniciando em 20 de agosto de 1727, na companhia de seu pai, sentando praça de soldado e passando sucessivamente aos postos de cabo de esquadra, ajudante de granadeiros, alferes de infantaria e capitão de uma das companhias da cidade de São Luís do Maranhão(AHU-ACL-CU 009 - Cx. 32. D. 3299; Cx. 39. D. 3837; Cx. 45 – D. 4386).

Dom Francisco de Castelo Branco, faleceu em 1733, com cerca de 73 anos de idade, na cidade de São Luís do Maranhão, àquele tempo já considerado velho, entrevado e doente, também paupérrimo de bens materiais, embora possuísse alguns escravos, mas vivendo sempre com muita honra e dignidade, deixando uma família numerosa e importante que seria a mais distinguida do Piauí no período colonial, senhora de vastos domínios territoriais e dos melhores cargos no Real Servido de Sua Majestade. Entre seus descendentes, muitos foram magistrados, parlamentares, profissionais liberais, escritores, presidentes de províncias, governadores de estados e até um presidente da República. Embora residente em São Luís do Maranhão, entra para a história como um dos grandes patriarcas do Piauí, onde vieram morar as suas filhas do primeiro consórcio, razão de figurar nessa galeria de piauienses notáveis. 

* REGINALDO MIRANDA é advogado, escritor, membro da Academia Piauiense de letras, do Instituto Histórico e Geográfico Piauiense e do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PI..

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