quinta-feira, 2 de novembro de 2017

A praça

Fonte: Google
Fonte: livro Barras - histórias e saudades

A praça

Chico Acoram Araújo*

            Dentre algumas fotografias antigas da família, uma se desconhece seu paradeiro: o retrato da minha primeira comunhão.  Recordo que essa foto, em preto e branco, é de uma alegre manhã de certo domingo do ano de 1959 ou 1960, não sei ao certo. Na época, tinha eu não mais que oito anos de idade.  A bela Praça Monsenhor Bozon, em Barras do Marataoan, foi o cenário daquela antiga foto. O evento religioso da eucaristia havia acontecido ainda há pouco instante na vetusta igreja de Nossa Senhora da Conceição (antiga capela construída pelo fundador de Barras, Cel. Miguel de Carvalho e Aguiar, em meados do século XVIII), localizada na Praça da Matriz, hoje Senador Joaquim Pires, bem próximo daquela.

 Todo vestido de branco, com calça comprida, camisa mangas longas e panos passados, sapatos engraxados e cinturão preto, apresentava-me com galhardia e compenetração ante à maravilhosa máquina fotográfica Rolleiflex. Inesquecível momento, que ficou para sempre gravado na memória do pequeno comungante. Minha querida genitora estava radiante, logo atrás do conceituado fotógrafo da cidade.  “Quando posso receber esse retrato?”, perguntou minha mãe sorrindo para o homem da máquina.

Poucos dias depois, a foto era exposta com orgulho e satisfação aos parentes e aderentes, vizinhos e amigos da minha família. Com o passar do tempo, essa arte tornou-se uma relíquia da família, não só pelo fato de registrar minha primeira eucaristia, mas também, por mostrar um dos mais bonitos cartões postais de Barras nas décadas e 1950 e 1960, a Praça Monsenhor Bozon. De fato, segundo Antenor Rêgo Filho em seu livro “Barras, Histórias e Saudades”, esse logradouro foi uma das mais belas e lindas praças das cidades do interior do Piauí. Daí a razão da escolha do local para a memorável fotografia. Era costume da época as pessoas se deslocarem para aquele logradouro para se deixarem fotografar. Famílias, casais de namorados, noivos, muita gente era comumente vista posando para registrar a eternidade de determinado momento naquele local.

            A Praça Monsenhor Bozon teve sua denominação em homenagem ao eminente educador Monsenhor Constantino Bozon, um dos primeiros Diretores do Colégio Diocesano em Teresina (1925). O religioso era piauiense, nascido em São Raimundo Nonato.

Sobre esse saudoso espaço público dos anos 60, o ilustre barrense Antenor Filho, descreve com perfeição a sua feição física que tanto o povo de Barras se orgulhava. Deste modo, o nobre escritor nos relata que a Praça Monsenhor Bozon continha no seu interior canteiros bem cuidados, com variadas espécies de flores carinhosamente cultivadas, além de diversas figueiras. Estas eram podadas em formato de animais ao longo do passeio externo da referida praça. Outras figueiras, de tamanho maior, imitavam cogumelos, e somavam na configuração de um belo conjunto. Para arrematar tudo isso, uma fonte luminosa, edificada no centro da praça, dava charme e elegância ao lugar. O mesmo autor descreve ainda que do outro lado da praça havia um bosque plantado com Canafístula, acácias, oitizeiros e bambus. Entre o bosque e a fonte luminosa lá estava o magnífico coreto de formato sextavado e piso suspenso, com grade de proteção feita de ferro fundido, e trabalhado com bonitas figuras. Era o grande palco, o lugar mais prestigiado da praça. Continuando a descrição, o escritor relembra que os bancos da praça eram de cimento, apoiados sobre pés de concreto em formato de figuras humanas. Acresce ainda que os postes de iluminação eram, alguns, de ferro trabalhado, enquanto outros eram de concreto, sendo que estes recebiam luminárias em globo de vidro. Quanto à fiação elétrica, era toda subterrânea, uma novidade em termo de engenharia civil. Conta-nos, finalmente, o autor do livro “Barras, Histórias e Saudades” que aos domingos e dias festivos, no alto do coreto, a banda de músicos de Barras fazia o espetáculo, tocando modinhas daqueles tempos. Fazia a alegria das crianças e adultos da cidade. A juventude desfilava, dando voltas no passeio. E no carnaval? A orquestra dava um show! Os blocos carnavalescos se apresentavam ali na praça com romantismo e graça.

Por fim, testemunha o ilustre escritor barrense, “romances eternizaram-se, ilusões desmoronaram-se, casamentos iniciaram-se e nasceram dos encontros realizados na praça Monsenhor Bozon. Era a juventude exuberante, sadia em suas confraternizações domingueiras”. Atualmente, a Praça Monsenhor Bozon não tem as mesmas características e o charme dos anos 60; perdeu a graça e o romantismo daquela bela época.

No livro Galápagos – Poesias de degredo, de autoria do jovem barrense Joaquim Ferreira Neto, um poema com o título “O Coreto”, cai como uma luva nessa crônica que ora escrevo. E por esta razão, passo a transcrever a seguir, na íntegra, os versos do mencionado poeta:

“O CORETO”

Passos da banda Lira Barrense,
trazem os sonhos de menino,
a desovar nas canções e cantigas.
A inocência de menino busca o sopro,
vista pelo predador trombone,
No entanto o sangue ferve.
Tece o sopro musical feito à brisa de outubro,
reincide o sax de som tão efêmero.
No entanto arrastando as marchinhas,
o canto a bordo das crianças,
dos idosos e do povão.
A canção afunda os ouvidos nas rachaduras,
Da vida de um passado local,
O que é nostalgia,
vira lembranças,
e o que é viagem,
vira esperanças.
O coreto de cimento
é o trilho do vagão das canções líricas!
No sopro vivo da linda, monsenhor Bozon.

 Em 1970, o então prefeito decidiu, inexplicavelmente, reformar a praça, modificando totalmente sua fascinante estrutura arquitetônica, mantendo, porém, a sua denominação antiga: “Praça Monsenhor Bozon”. Hoje, “a praça não tem graça”, poder-se-iam dizer assim os mais antigos moradores da cidade.

Quanto à destruição da Praça Monsenhor Bozon, abaixo transcrevo o protesto contundente do ilustre e exaustivamente citado autor de “Barras, Histórias e Saudades”.

“Infelizmente, por desconhecimento de governantes, ignorantes a respeito da conservação de monumentos e de memórias dos povos, não se soube preservar para as futuras gerações esses marcos erguidos pelos nossos antepassados com muitos sacrifícios. Nossa praça foi demolida, sem nenhuma razão, em 1970, pelo prefeito da época, (...).”


 (*) Chico Acoram Araújo é funcionário público federal, articulista e cronista.

6 comentários:

  1. Nosso amigo Acoram tem nos surpreendido com suas crônicas cada vez mais interessantes ao transitar entre Teresina e Barras com muita desenvoltura. Aos poucos vamos nos inteirando de assuntos interessantes que, pelo menos no meu caso, me eram desconhecidos.

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    1. Sinal que a velhice está chegando. Vou tentar lembrar outras histórias. Obrigado mais uma vez por publicar essa minha crônica. Um abraço.

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    2. ... essa minha crônica no seu blog Folhas Avulsas.

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  2. Meu caro Chico Acoram,
    Sua terra é quase minha terra, porque é a terra de meu pai e de vários de nossos ancestrais.
    Na meninice e na adolescência, nela estive várias vezes.
    Ainda guardo vagas lembranças da velha igreja, em cujo cimo do frontispício ficava o Cristo Redentor, de braços bem abertos, a formar uma cruz, e como a dar as boas vindas aos que chegavam.
    Tomei banho algumas vezes no histórico Marataoã, de muitas barras, de onde veio o nome da cidade e do município. Acariciado por suas águas tépidas, contemplava a Ilha dos Amores e as suas belas margens verdejantes. Contornada pelo Marataoã e cortada pelos outros rios, a cidade é quase uma ilha encantada e bucólica.
    No início de minha maturidade, indo fazer a apresentação de um dos preciosos livros do Dr. Wilson Carvalho Gonçalves, meu amigo e velho amigo de meu pai, cometi o poema Barras das sete barras, que recitei, emocionado, na ocasião.
    Ó Barras de tantas e tão saudosas recordações...
    Abraço,
    Elmar Carvalho

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    1. Barras do Marataoan, no olhar do do grande poeta Elmar Carvalho, fica mais bonita e mais romântica. Obrigado, Dr. Elmar. Um abraço.

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    2. Que nada, amigo Acoram!
      Você é que já se tornou o grande cronista e aquarelista barrense.

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