Fonte das fotos e do texto: Portal Entretextos |
Paróquia de Barras-PI: oração de
lançamento
Dílson Lages Monteiro (*)
Senhores e senhoras,
Livros, frequentemente, são como
mensagens em uma garrafa atirada ao mar. Muitas vezes, somente o tempo poderá
dizer do seu significado. Às vezes, voltam à areia da praia ou jamais serão
descobertas, vivendo apenas na efemeridade de seu fôlego curto. Mas há livros
que já nascem para ficar. Livros que não esperarão a chancela do tempo e do
sistema literário para serem eternos. É o caso de Paróquia de Nossa Senhora da
Conceição das Barras do Marathaoan, de Antenor Rêgo Filho. Um livro que já
nasce duradouro. Sua permanência está no significado social para esta cidade.
Senhores e senhoras,
Desde sempre, esta casa de Deus
ocupou um lugar privilegiado em cada um de nós. Um lugar para além do
significado material como estrutura física em torno da qual surgiram casas,
organizam-se ruas. Este templo e sua simbologia, ao centro, como ligação nossa
com os mistérios da existência e o nexo
com a energia espiritual que sustenta a essência de que somos feitos.
Desde sempre, esta casa é o coração e a alma desta cidade, e o nosso coração, a
nossa alma.
Desde sempre, esta casa de Deus
reverberou em nós a noção mais clara de comunidade. Ensina o filósofo Zygmunt
Bauman que essa palavra “sugere uma coisa boa: o que quer que ‘comunidade’
signifique, é bom ‘ter uma comunidade’, ‘estar em comunidade’. Se alguém se
afasta do caminho certo, frequentemente explicamos sua conduta reprovável
dizendo que ‘anda em má companhia’. Se alguém se sente miserável, sofre muito e
se vê persistentemente privado de uma
vida digna, logo acusamos a sociedade – o modo como está organizada e como
funciona. As companhias ou a sociedade podem ser más, mas não a comunidade.
Comunidade, sentimos, é sempre uma coisa boa” (p.7). Em nós, barrenses,
comunidade é a igreja de Nossa Senhora da Conceição.
“Paróquia de Nossa senhora da
Conceição das Barras do Marathaoan” (Editora e Livraria Nova Aliança), de
Antenor Rêgo Filho, reanima em nós o sentido da vida comunitária, porque uma
comunidade é feita de sua história e de seu patrimônio local, que concedem a
ele a e nós identidade. Desde sempre, esta casa de Deus consiste em fator de relevo
de nossa formação identitária. Ao resgatar a história da igreja de Barras,
Antenor Rêgo Filho preenche uma lacuna há muito sentida pelos barrenses
interessados no conhecimento da história de Barras e, principalmente, contribui
decisivamente para a preservação de nossas características e tradições.
Em notas de apresentação ao livro, Dom
Juarez Sousa e Silva, bispo de Parnaíba e estudioso da história da Igreja
católica no Piauí, afirma: “A obra proporciona uma leitura agradável, que nos
faz voltar no tempo, sem ficar para trás. Permite olhar para o retrato desta
porção do povo de Deus que aqui esteve e ora está estampado em palavras e
ilustrações, talentosa e brilhantemente catalogadas pelo seu artífice, com
riqueza de informações e detalhes”. Segundo Dom Juarez, nenhum barrense
escreveu sobre a história da paróquia, que coincide com a história da cidade.
“O Tena preenche, agora, esta lacuna, ao fazer, e nos presentear, o resgate da
memória da cidade”, enfatiza.
Senhores e senhoras,
A fazenda e a igreja foram os
sustentáculos dos assentamentos humanos na grande maioria das antigas cidades
Brasil afora, principalmente no período colonial. Barras do Marataoã surgiria a
partir da fazenda Buritizinho, que hoje compreende o perímetro central da urbe,
e de capela edificada em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. Toda essa
história remonta ao século XVIII, com o estabelecimento de Miguel Carvalho de
Aguiar na supracitada fazenda. Ali, lançaria as bases de uma capela, cujo
projeto seria levado adiante pelos que o sucederam na posse ou administração
das terras.
Manuel da Cunha Carvalho, Manoel
José da Cunha, Francisco Borges Leal Castelo Branco (século XVIII), José
Carvalho de Almeida (século XIX), sucedaneamente, como administradores de
Buritizinho, com lugares sociais demarcados a partir de laços de parentesco
diretos ou indiretos, teriam papel de relevo nos primórdios da vida religiosa
de Barras. Sobretudo Carvalho de Almeida, segundo escreveu uma das testemunhas
oculares da vida de Barras Vila, Davi Caldas, que registrou nas páginas de seu
jornal O Amigo do Povo, em 1871, os esforços de Carvalho de Almeida para
assegurar a construção da antiga Matriz (então capela) de Nossa Senhora da
Conceição das Barras do Marataoã, esforços em que se empenhou, segundo Caldas,
por mais de trinta anos.
Diz o combatente jornalista barrense, um
dos primeiros a registrar a geografia e a história de sua cidade natal, que
Carvalho de Almeida esteve “satisfatoriamente” envolvido na missão a partir de
1819 e que “a capela do Santíssimo Sacramento da matriz da vila de Barras foi
edificada à custa de José Carvalho de Almeida”. Do século XVIII até cá, a fé e
a devoção dos barrenses à sua padroeira revigoram-se com o fervor com o qual
são praticadas, simbolizando o desejo imorredouro da supremacia do bem, da
verdade e da justiça social, abençoados pelo manto de Nossa Senhora; ideais
fortalecidos pela ânsia renovada de ver frutificar o bem comum e os laços de
convivência comunitária.
Historiadores que se debruçaram sobre o Piauí
do século XIX (Miguel de Sousa Borges
Leal, Pereira da Costa, Pereira de Alencastre, Odilon Nunes, Monsenhor
Chaves) citam, alguns de maneira
detalhada, a atuação de José Carvalho de Almeida, de quem descende a grande
maioria das famílias-comuns do centro da cidade, na liderança na vida
religiosa, social e política da Vila de Barras do Marataoã.
Desconheço, talvez por ignorância mesmo,
se há alguma referência à sua memória, sob a forma de homenagem, em algum
espaço desta cidade. Até o início da década de 1960, conta Afonso Ligório Pires
de Carvalho, em Terra do Gado, que, no interior da antiga Matriz de Nossa
Senhora da Conceição, para onde transportaram os restos mortais de Carvalho de
Almeida, havia uma lousa com referência à sua memória. Infelizmente, essa lousa
teve paradeiro desconhecido após a demolição do antigo templo.
Independente do reconhecimento ou
não se preste aqui a ele, a história não o esqueceu e seus esforços encontraram
eco em outros braços, outras mentes e outros corações conterrâneos, ainda que,
lamentavelmente, o templo do passado não seja, sob o ponto de vista
arquitetônico, o de hoje. É a mesma a fé. A mesma devoção.
Os registros sobre a vida
religiosa de Barras em livros estavam restritos, pois, a breves citações sobre
nomes e referências geográficas do século XVIII, e, sobretudo, às anotações
sobre Carvalho de Almeida. Antenor Rêgo Fiho, porém, foi além. Inquieto e
perspicaz, enveredou na busca de uma maior gama de elementos anteriores a José
Carvalho de Almeida, encontrando novas referências que esclarecessem um pedaço
da vida religiosa da comunidade e o assentamento humano nas ribeiras do
Marataoã, no século XVIII, além de estimular novas pesquisas sobre o período.
Busca Rêgo Filho, em parte considerável do livro, principalmente, recompor uma
linha temporal que reúna informações valiosas sobre o século XVIII. Trabalho
que seria complementado, hoje, com um estudo das sesmarias ou fazendas do
período, na região.
Assim é que encontra no ano de 1713 as
referências à existência da capela na Povoação das Barras. Para fundamentar-se,
instrumentaliza-se em Dagoberto Carvalho e sua História Episcopal do Piauí, em
Cláudio Melo e sua Fé e Civilização, em Pe. Miguel de Carvalho e sua Descrição
do sertão do Piauí, além do exame de documentos clericais, a fim de fornecer
subsídios que reforcem a existência do fervor religioso já no século XVIII. A
esse propósito, escreve Antenor Rêgo Filho:
“Tem-se notícia de que a capela
descrita, e objeto de nosso estudo, foi moradia de padres, que residiram ali de
1713 a 1723, atesta Pe. Cláudio Melo, em sua obra Fé e civilização.
O Pe. Francisco Vieira de Lima,
falecido em novembro de 1753, foi sepultado na capela e já vivia na povoação há
alguns anos.
Em 1753, o capelão José Alves
Cabral foi substituído por Frei Manoel Inocêncio, mercedário do Convento de São Luiz do Maranhão.
Em 1763, era capelão o Pe. Feliciano de
Melo e Silva. Ali residiu por três anos” (p.45).
Pois bem. A história da Igreja Católica em Barras – por meio,
notadamente, de seus símbolos, seus clérigos e colaboradores e dos passos de
cada um de nós, comunidade, em prol da
causa cristã — ganha agora um estudo essencial para se entender um dos
elementos mais preciosos da identidade de Barras: a fé em Nossa Senhora da
Conceição. Seu autor, Antenor Rêgo Filho, antes de ser um apaixonado pelo
berço-natal, é um vocacionado para o resgate de fatos e memórias do torrão. Sua
atuação como historiador e memorialista, em livros como “Barras — histórias e
saudades” — tem retirado do limbo do esquecimento os acontecimentos e
transformações que a ação do tempo legou para antigas e novas gerações. Sua
contribuição ímpar se torna mais fundamental, porque movida pela paixão por
tudo que diz respeito à cidade e para a qual vem devotando suas energias em
favor da preservação da memória do passado e do presente para o conhecimento
das gerações de hoje e de amanhã.
Em “Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marataoã”, Antenor Rêgo Filho, especialmente a partir da
tradição oral e de fontes primárias até então não exploradas por outros
pesquisadores, reconstrói os passos de uma das mais antigas paróquias no Norte
piauiense. Reúne também informações esparsas de diversos historiadores sobre os
primórdios de formação da identidade religiosa do lugarejo, cuja sistematização
somente é dada a quem, com calma e rigor, a partir da percepção das lacunas e
relações do discurso histórico, debruça-se em construir novos olhares e
desdobramentos para a história.
Seu olhar é o do memorialista. Vai além do
registro dos episódios mais marcantes do catolicismo em Barras: concentra-se,
ainda, em relacionar fatos e nomes aos costumes e à vida social, numa evidente
preocupação com a memória imaterial da Paróquia de Barras, detalhadamente
descrita em hábitos, imagens e objetos de seu acervo. De sua leitura,
compreende-se a ativa colaboração da igreja católica no crescimento do
lugarejo, especialmente na educação, por meio de figuras como Pe. Lindolfo
Uchôa, que teve destacado papel na fundação do Ginásio Nossa Senhora da
Conceição e na criação do Patronato Monsenhor Boson, dirigido pelas Irmãs
Mercedárias, com relevantes serviços prestados à região. A atuação beneficente
de Pe. Raul Formiga é reverenciada. De seu trabalho social, beneficiaram-se
centenas de mulheres com dificuldades de parto na zona rural ou jovens
auxiliados pelo religioso em seus estudos. Reverencia-se, de maneira especial,
a primazia da igreja católica na instrução da juventude por meio de Frei
Antônio do Coração de Jesus Maria Freire, em cuja escola estudou, no século
XIX, vindo de Campo Maior, uma das grande figuras do cenário político e
cultural do Piauí, Lívio Lopes Castelo Branco e Silva.
Destaca Antenor Rêgo Filho o pioneirismo de barrenses devotados ao
exercício da atividade religiosa. Em sua escrita memorial-afetiva, impõem-se
nomes do passado e do presente. Impõem-se Marcelino do Rêgo Castello Branco e
seu primo Simpliciano Barbosa Ferreira, oriundos da antiga fazenda Peixão, hoje
Nossa Senhora dos Remédios, descendentes do patriarcas dos Rego Castelo Branco
de Barras, Manuel Tomaz Ferreira (primeiro no nome), pioneiros entre os
barrenses ordenados padres. Impõem-se, entre os citados, os barrenses Dom
Juarez Sousa da Silva, bispo diocesano de Parnaíba; Pe. Jonilson Torres
Resende, com destacada atividade na formação religiosa de novos padres; a
missionária Francisquinha Reis, há décadas, devotada a servir incondicionalmente
à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, cuja lembrança, para muitos
conterrâneos, confude-se com sua figura carismática a etoar o hino da padroeira
ou a puxar em coro cânticos outros ou orações. Impõe-se a colaboração de todos
os que têm a sua história devotada à causa religiosa católica nesta comunidade.
Para coroar o êxito da obra, seu autor realizou coletânea de textos de
matizes diversos (crônicas, artigo de opinião, capitulos de romance e lendas),
além de rico acervo fotográfico. Ambos aguçam o interesse não apenas em
descobrir parte do cotidiano do passado, hábitos e costumes, mas também em
arrebatar a nossa curiosidade para o grau de satisfação de pertencermos, cada
um de nós, a este chão abençoado por Nossa Senhora da Conceição.
Com esta obra, Antenor Rêgo Filho recompõe um pedaço precioso da
história de Barras do Marataoã, mergulhando, mais uma vez, na alma de sua
gente. O lugar de que fala Antenor é o de quem busca, mais que contar memórias
e episódios, destacar um dos traços identitários que mais bem faz com que os
barrenses sintam-se integrados ao local em que nasceram ou vivem. Desde sempre,
esta casa é o nosso coração, a nossa alma. “Salve a Estrela da Manhã!/ Salve a
Padroeira de Barras do Marataoã!”
(*) Dílson Lages Monteiro é romancista
e membro da Academia Piauiense de Letras.
Oração proferida por ocasião do
lançamento do livro Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Barras do
Marathaoan, em Barras do Marataoã-PI, na Igreja Matriz, na histórica manhã de
21 de janeiro de 2018.
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