quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

As Minhas Copas do Mundo de Futebol (4)



As Minhas Copas do Mundo de Futebol (4)

José Pedro Araújo
Romancista, cronista e historiador

Fomos à França em 1998 defender o nosso título, ganho nos estados unidos em 1994. Não precisamos jogar as eliminatórias, uma vez que o campeão do mundo já está automaticamente classificado para a copa seguinte, ele e o país anfitrião, e isso nunca é bom porque a seleção se prepara para o duro embate apenas jogando amistosos. Portanto, não sabíamos como chegaríamos às disputas por pontos no curto torneio que é uma copa do mundo. Sem o nosso talismã da copa anterior, Romário, cortado quando a seleção já se encontrava na França para a disputa, depositamos as nossas fichas num jovem atacante que tinha ido à copa dos EUA apenas como coadjuvante: Ronaldo, o fenômeno. E ele fez bonito na sua primeira competição mundial como ídolo de uma nação louca por futebol. Isso, apesar de contarmos com um camisa dez de respeito, Rivaldo, o craque de pernas tortas, quase tão envergadas como a de Garrincha, e também com o nosso camisa sete da copa anterior, Bebeto.

Ganhamos os dois primeiros jogos contra Escócia e Marrocos, e perdemos o terceiro para a Noruega. Classificamo-nos em primeiro do grupo, mas ficamos com aquela dúvida se o time teria forças suficientes para chegar a mais um título. Fomos para as oitavas-de-final e despachamos o Chile com uma goleada por 4x1 e seguimos em frente. E nas quartas-de-final foi a vez da Dinamarca pegar o voo de volta para casa, 3x2. Melhoramos bastante durante a competição e o melhor do mundo, Ronaldo, vinha fazendo o seu papel muito bem. Na semifinal encaramos a Holanda, adversária que estava ficando comum em todas as copas do mundo. E foi o que se viu: um jogo difícil, amarrado e perigoso, decidido somente nos pênaltis. 1x1 no tempo normal, 4x2 nos pênaltis, estávamos na final mais uma vez.

Assistíamos aos jogos no sítio que tínhamos em sociedade com a minha irmã, e a festa que começara com poucas pessoas, ia engrossando a plateia jogo a jogo até chegarmos a grande final, quando a torcida já era enorme.  A comemoração terminava sempre do mesmo jeito: dentro da piscina. Estávamos no melhor dos mundos. Tomávamos todas ao ponto de a borda da piscina ficar cheia de copos e garrafas de cerveja, serviço extra para o caseiro. Enquanto isto, no seu entorno, amarradas em árvores, bandeiras e faixas alusivas ao Brasil tremulavam e davam um aspecto festivo ao ambiente.

Duas tevês haviam sido instaladas, uma na sala e outra no alpendre, para que todos pudessem assistir aos jogos sem atropelos. Muito diferente dos tempos em que ouvíamos o locutor se esgoelar pelo rádio, ou víamos os jogos em aparelhos que só nos mostrava a bola de tempos em tempos, tal era a qualidade ruim da imagem ofertada.

Mas ai veio a final, e, quando já nos encontrávamos à postos e bem acomodados para assistirmos mais uma final da nossa seleção, veio a notícia arrasadora: o nosso principal jogador, Ronaldo, havia sofrido uma convulsão no dia do jogo e, provavelmente não jogaria. Foi uma ducha de água fria. Enquanto isso, do lado do nosso adversário na final, a dona da casa, a França, uma franco-argelino, Zinedine Zidane, vinha assombrando com um futebol de altíssimo nível.

Já estávamos certos de que o Brasil jogaria sem o seu principal jogador, quando eis que Ronaldo aparece no gramado. Cabisbaixo, sem demonstrar aquela força e agilidade que o caracterizava, veio para o jogo meia-bomba, como dizem no jargão futebolista. As mulheres, pouco afeitas ao metiê, até se assanharam quando o careca entrou em campo. Mas nós, um pouco mais entendidos das coisas do futebol, ficamos em suspense o jogo inteiro. Não deu outra: perdemos a final para os donos da casa por largos 3x0. A tristeza foi geral. Já estávamos acostumados às grandes comemorações, e fomos chorar dentro da piscina, onde as nossas lágrimas não poderiam ser vistas por se confundirem com a azul e límpida, uma vez que era trocada a cada jogo.

Dava pena ver a criançada em total desespero, afinal, o futebol passou a ser um alento para as nossas mazelas, e derrotas em outros campos da vida, há muito tempo. E o nosso país, tão cheio de fraquezas e notícias diárias ruins, tem no seu futebol uma válvula de escape para os nossos tormentos, as nossas fraquezas.

Quatro anos depois estávamos novamente com o bloco na rua. Com Ronaldo Fenômeno no auge da sua forma, após passar por um grave problema em um dos joelhos, partimos para o Japão/Coréia do Sul, com uma seleção muito desacreditada, depois de jogar as eliminatórias de forma muito defensiva, e se classificar em terceiro lugar, atrás de Argentina( que ficou a anos luz da gente), e Equador. Mas, enfim, estávamos lá, e isso aqui no país é motivo para muita festa, apesar de os jogos terem sido disputados em horários impróprios, sempre de madrugada. Passarmos bem pela primeira fase, em primeiro lugar do grupo, após passar fácil por Costa Rica, China e Turquia. E nas oitavas batemos a Bélgica com certa facilidade e pegamos a Inglaterra nas quartas-de-final. Este sim, foi um jogo duríssimo contra os inventores do futebol. Ganhamos por 2x1, com um gol de Ronaldinho Gaúcho no melhor estilo espírita. Não deu para saber até hoje se ele teve a intenção de cruzar a bola na área ou se bateu mesmo para o gol.

As comemorações, confesso, eram meio frias, sem aquele estilo carnavalesco das outras copas. Tudo porque os jogos eram realizados nas madrugadas, como já falei, e íamos dormir para acordar próximo à hora do jogo. A torcida também era muito reduzida, pois a insegurança quer já começava a assombrar o país nos mantinha em casa. Foi a copa do mundo em que a cerveja sobrou na geladeira por falta de consumidor. Por outro lado, ainda assistíamos aos jogos na velha TV Sharp adquirida duas copas antes. Imagem, contudo, perfeita, para os padrões de então. Na semifinal ganhamos pelo magro placar de 1x0 de uma seleção pouco assídua em copas do mundo até então, a Turquia. Jogo chato, difícil para um time que se acostumou a depender do trio Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e, principalmente, Ronaldo Fenômeno. E nesse jogo estávamos sem o nosso poderoso camisa dez, expulso na partida anterior contra a Inglaterra.

Enervado e com a pressão nas alturas, fomos para mais uma final, contra a temível seleção da Alemanha. Nesse dia precisei mais do que nunca do amparo da cerveja para controlar os nervos. Não dormi a noite inteira, antes fiquei assistindo a tudo o que era programa esportivo até a hora da grande final. Foi pior. Deveria ter ido dormir, pois os nervos estavam à flor da pele quando o jogo começou. Completo outra vez, o time brasileiro emparedou a Alemanha e fez um jogo memorável. Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, e o Fenômeno estavam demais da conta e o Brasil venceu a forte retranca adversária com dois gols de Ronaldo. Estávamos nos acostumando a ganhar copas do mundo outra vez. Em três disputadas, ganhamos duas e fomos finalistas na terceira. Nada mal. E a ainda vimos a Argentina ficar logo na primeira fase. O que poderíamos querer de melhor? Quanto aos meus nervos, até que estavam no lugar, tal o futebol que jogamos contra os nossos temíveis adversários.   

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