quinta-feira, 31 de maio de 2018

O VELHO DO RESTELO

Fonte: Google


O VELHO DO RESTELO

Valério Chaves
Des. inativo TJPI

            Um dia desses, como costumeiramente faço nas horas vagas, quando procurava sintonizar uma emissora de rádio, ouvir um apresentador de programa noturno perguntar para um ouvinte se ele sabia responder o que era experiência.

            Depois de algumas respostas aleatórias não condizentes com a pergunta formulada no ar, o próprio perguntador respondeu dizendo que experiência era tudo aquilo que a gente pensa que sabe com base na quantidade de vezes que errou na vida.

            Do alto de toda essa sabedoria contida na resposta daquele locutor de rádio, pude compreender que o tempo vivido faz a gente olhar para trás, examinar as atitudes certas que tomou, e talvez, decepcionado com o que errou ou deixou de fazer, vê que realmente o tempo ajuda a aprimorar a convivência social, familiar e todas as etapas futuras da vida.

            À medida que os anos vão passando (envelhecendo), parece que mais razão a gente vai dando a Camões quando ele fala, no célebre episódio do Velho do Castelo (canto IV, estrofes 94-104), de um velho que através de um discurso veemente, condenando a aventura insana de Vasco da Gama iniciando viagem às índias, no momento em que este se despedia do porto de Belém, em 1492.

            Em “Os Lusíadas”, Camões diz em verso que o próprio Vasco da Gama falou do episódio ao rei de Melinde (África) no relato que fez de sua viagem:

            94 - (O Velho do Restelo)
            Mas um velho d’aspecto venerando
            Que ficava nas praias, entre a gente,
            Postos em nós os olhos, meneando
            Três vezes a cabeça, descontente,
            A voz pesada um pouco alevantando
            Que nós no mar ouvimos claramente,
            C’um saber só de experiência feito,
            Tais palavras tirou do experto peito.

            Como se pode extrair das estrofes seguintes desse poema camoniano, o discurso do Velho, que representava a opinião conservadora da época, não era inteiramente rejeitado por Camões, pois não obstante sua empolgação com a aventura da viagem ultramarina, impelida pelo desejo de riqueza e fama, representava também a expressão de suas ideias divididas entre o Humanismo pacifista e os ideais da Cavalaria e das Cruzadas organizadas por nobres europeus, com notáveis consequências políticas e religiosas.

            Ao lado dos perigos e das inconveniências da viagem de Vasco da Gama, inclui o que em grego se chamava skhetliasmós, ou seja, uma reclamação visando condenar a viagem ou a persuadir o viajante a desistir de fazê-la.

            Portanto, mirando-se em assuntos ou pessoas dos tempos atuais, poder-se-ia dizer que Vasco da Gama à luz do pensamento do Velho do Restelo, representa hoje aqueles que, por vaidade, cobiça de riqueza ou prestígio político, se lançam às aventuras e aos interesses pessoais despreocupados com o futuro da Pátria e bem-estar da sociedade.   

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