sábado, 4 de agosto de 2018

Francisco de Canindé Correia: cidadão parnaibano de visão terceiro-mundista

Canindé Correia (ao centro), Depaula (plano superior), e Reginaldo Costa (primeiro plano, à esquerda), em entrevista a Vilmar Klein Ferreira

Francisco de Canindé Correia: cidadão parnaibano de visão terceiro-mundista

Reginaldo Costa (*)

No inicio da década de 70, quando oportunizei a condição de morador da cidade do Rio de Janeiro, vivi a plenitude dos primeiros sonhos, embevecido pela imponência daquela arquitetura e os benefícios proporcionados pelo poder da natureza, em que a imensidão do Oceano Atlântico, aconchegando-se em sua orla, desenha, caprichosamente, os contornos da exuberante Baía de Guanabara.

Andar sem compromisso pelo centro e bairros banhados pelo mar, visualizando o conjunto de belezas planetárias inconfundíveis, enchia-me os olhos de encantamento. Tanto que, recortes de imagens inesquecíveis conduzem à recordações nostálgicas da cidade e das pessoas, na época em que a vida era harmonizada pelo caráter solidário dos relacionamentos, a consolidar a identidade de um povo alegre, trabalhador, solidário, amante da liberdade. Referência universal do samba e da bossa nova, a Cidade Maravilhosa foi o berço onde nasceram alguns expoentes da música brasileira, entre eles, Cartola, Noel Rosa, Pixinguinha e Vinicius de Moraes.

Nesse cenário de beleza, vivia-se o inconformismo e as incertezas de um Brasil governado por militares, em que a ditadura mantinha a imprensa amordaçada. Dessa maneira, não se podia tomar conhecimento das prisões, torturas, e assassinatos de ativistas de esquerda. Diferente dos porões, nas rádios, os Novos Baianos dominavam as paradas com “Tinindo Trincando”, “Besta é Tu”, “Preta Pretinha” e “Brasil Pandeiro”, todas do vinil Acabou Chorare, considerado obra-prima da música brasileira, cujo exemplar ainda guardo, com imensa alegria.

Enquanto as estatísticas registravam o aumento da concentração de renda e da desigualdade social, como também, da promoção do sofrimento humano, em grande escala, o parnaibano João Paulo dos Reis Veloso, dos maiores entusiastas do regime de exceção e um dos sócios assíduos do clube dos generais, ocuparia a pasta do planejamento, nas gestões de João Baptista Figueiredo e Ernesto Geisel, contribuindo diretamente para a consolidação do tristemente afamado “milagre econômico”.

Embora sob a vigência de um regime que suprimia direitos constitucionais, entre outros malefícios à sociedade civil, nada abalaria a sensação de liberdade e descontração próprias do carioca, características incorporadas à rotina diária da casa-república, localizada à rua Barão de Pirassununga, nº 55/6, há poucos passos da Praça Saens Peña, no tradicional e simpaticíssimo bairro da Tijuca, onde eu me juntara aos conterrâneos Luís Costa, Umberto Tito Lima, José Alberto Ripardo e Carlos Petrônio de França Rego.

O local, favorecido pelo clima agradável, acolhia vasta quantidade de aves de diferentes espécies que se manifestavam todas as manhãs, pelas janelas da antiga construção, anunciando o novo alvorecer, em panorama semelhante aos longínquos rincões nordestinos, aflorando a saudade das nossas raízes.

Nessa estação de cores e harmonia, vivendo no auge dos primeiros sonhos, foi que conheci Canindé Correia. Na lembrança, o domingo de sol abrasador, daqueles de lotar as praias, coloridas de mulheres exuberantes, sensualizando por amplas passarelas de areia ao frescor das águas oceânicas, enquanto outras, mais ousadas, se expunham ao sol, sem qualquer modéstia, a refletir o brilho dos corpos bronzeados, desproporcionalmente amparados por diminutas tangas, acessório revolucionário de libertação feminina, lançado naquele verão tropical.

Na manhã de um dia recompensado pela sequência do que viria, a colônia parnaibana houvera iniciado as atividades domésticas, contando piadas, conversando qualquer coisa, interagindo de maneira agradável com os ponteiros do relógio, a completar o ciclo diário de transportar para o futuro sensações de momentos indescritíveis.

Seguindo a velocidade do pingue-pongue verbal, audível da sala a área de serviço, alguém sugere feijoada para o cardápio. Repentinamente, uma voz projetada de outro compartimento da casa, propõe uma rodada de caipirinha, certamente na intenção do grupo filtrar as emoções de mais uma semana de compromissos com a vida. Entretanto, da teoria à prática, caberia uma questão de ordem, sobretudo, onde não sobra cascalho. Nesse caso, nada mais eficaz que uma vaquinha, o que foi prontamente realizado.

Espontaneamente, o evento ganharia forma e estilo próprios, incluindo a acomodação em círculo, no aconchegante piso assoalhado da sala, onde todos deveriam compartilhar do cachimbo da paz, na verdade, uma cuia, joia rara, disponibilizada não me lembro por quem, abastecida com a bebida deliciosa. De boca em boca, todos saciariam a sede, instante em que, adentra ao recinto, os visitantes da hora, Canindé Correia e Milton Cherman, este, ex-morador daquele cafofo.

A partir de então, as conversas seriam favorecidas por conteúdo divertidíssimo. Em cena, o piadista nato, Umberto, escrito com “u”, sobressaindo-se na maneira de expor ao ridículo, figuras consideradas folclóricas da vida parnaibana. E não escapavam à lembrança, políticos, jornalistas, animadores culturais, gente do mundo de fantasias das socialites. Para temperar a mistura, não poderia faltar a essência especial do humor parnaibano, na figura do lendário Pacamão, com suas tiradas engraçadíssimas.

Aquele endereço, simples e acolhedor, adequado à visita de gente com energia favorável à harmonia entre as pessoas, tinha como uma de suas referências o cidadão que atendia pelo nome José do Egito da Costa (in memorian), parnaibano que se destacou pela inteligência, bom humor e desprendimento, nitidamente ligado a tudo que é sincero. Dessa maneira, rememorar aprendizagens marcantes nos remete a recordações construtivas do amigo cujas maiores riquezas, a humildade e o companheirismo, o tornam inesquecível. Esses detalhes, invisíveis aos olhos dos que consagram o glamour dos reconhecimentos, muitas vezes circunstanciais, dispensam estátua ou placa de bronze.

Após o encontro agradável, no Rio, voltaria a conversar com Canindé Correia, somente em Parnaíba, no momento em que procurava parcerias para o Jornal Inovação, quando fui visitá-lo no SESI, onde exercia cargo relevante. Entre cordialidades, apresentei-lhe a 3ª edição do nanico, acolhendo em suas mãos com surpreendente entusiasmo. Identificando-se com o conteúdo, assumiu, inicialmente, a condição de assinante. Não demorou, o movimento social ganharia um novo aliado nas lutas por conquista de cidadania, protagonizando uma história diferente das elites conservadoras cultural, social, política e economicamente excludentes; e eu, um amigo inseparável, a compartilhar de inúmeras experiências, dinamizadas por convivência testemunha do respeito e da decência, pautada por interesses exclusivos ao campo das ideias.                    

Convencido de que o sangue a percorrer em nossas veias carregava o DNA da indignação contra o moralismo castrador e no recôndito dos nossos corações, sentíamos o mesmo desejo por mudanças, em março de 1978, se integra, definitivamente, ao Grupo INOVAÇÃO, quando me entrega um manuscrito protegido por capa improvisada em papel almaço, para ser publicado na 5ª edição do jornal. Meticuloso, solicita minha atenção para a leitura do texto.

Pertinaz, sobretudo, na defesa da implantação do Distrito Industrial de Parnaíba, um dos cavalos de batalhas de sua militância no jornalismo, direciona sua produção intelectual para convocar a população e entidades de classe a se envolverem nas discussões pertinentes àquele empreendimento que, aliado à interligação rodoviária do norte do Piauí-Maranhão-Ceará e a definitiva construção do Porto de Luís Correia, consolidaria o desenvolvimento econômico da região norte do Estado do Piauí, assuntos incorporados por INOVAÇÃO, considerando o presente de incertezas e a necessidade de conter o atraso, portanto, reivindicações consideradas de cunho popular, e não de grupos historicamente vinculados à concepção individualista de sociedade, que através de iniciativas burocratizadas se arvoram da autoria de iniciativas mais sem o poder de articulação, para transformar sonhos em realidade.

Contribuindo com o processo de conscientização, Canindé Correia mexia com os brios do leitor, alertando para a necessidade de reflexão sobre a inadiável necessidade de recuperação do poder de influência da cidade como núcleo empreendedor, considerando inoportuno, alimentar a discussão, sustentada pela nostalgia dos tempos em que o apito do trem despertava as comunidades que usufruíam da ferrovia como meio de transporte de cargas e de passageiros ou dos navios que zarpavam do Porto Salgado rumo a Europa, sob o rótulo “Parnahyba Norte do Brasil”.

O que outrora alimentava egos, na atualidade, em razão da mudança radical do perfil da economia brasileira, enriquecia bibliografias específicas de pesquisa, por meio das quais, acadêmicos e pesquisadores poderiam detectar a falta de visão das elites parnaibanas, no que diz respeito aos novos rumos da economia, a partir do momento em que o presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961), consolidou as estradas como elemento prioritário para o desenvolvimento nacional, em detrimento do transporte fluvial e ferroviário, incorporados à história como “símbolos do passado”.

Nitidamente contrastando com os que consolidam o conhecimento no egoísmo, Canindé Correia acompanhava a dinâmica dos fatos no âmbito do Jornal INOVAÇÃO, com ousadia. Entusiasta do desenvolvimento econômico e social mantinha o tom elevado do discurso para denunciar as estatísticas preocupantes da miséria, comentando entre amigos que houvera chegado a hora de mudar o perfil da sociedade, cabendo ao movimento popular encaminhar as alternativas de discussão coletiva com a participação popular, as classes dirigentes, e por que não, da Associação Comercial de Parnaíba e da Federação das Indústrias do Estado do Piauí, com sede em Parnaíba, desde a sua criação em 1954, embora a FIEPI, à época, dominada por grupos retrógrados e de onde prosperaria o projeto de desmembramento dos Morros da Mariana do município de Parnaíba, iniciativa que o jornal se insurgiu.

Entretanto, o apelo jornalístico jamais seria digerido no âmbito dessas e de outras entidades, muito provavelmente porque, naquelas circunstâncias, não alcançaram a dimensão das novas fronteiras que poderiam ser alcançadas a partir de campanhas de valorização da autoestima, tendo em vista a superação da incômoda imagem de “cidade do já teve”, lamentável condição em que Parnaíba, nas trevas da ignorância feudal dos líderes políticos, estava inserida.

Com a convivência passei a chamá-lo de “chefe”, em referência ao cargo que ocupava no Serviço Social da Indústria. Por princípios comuns, discordávamos do amor livre e do uso de drogas. Também não morríamos de amores pelo rock’n’roll. Entretanto, a Bossa Nova, através das batidas de Badem Powel, Carlos Lyra e João Gilberto, combinou com nossa personalidade e temperamento. Com o amigo com quem tive relação muito pessoal, convivendo como sujeitos ativos da história, caminhamos e cantamos, seguindo a canção de Vandré, buscando compreender as dores do mundo na expectativa de uma sociedade solidária, alimentando utopias compatíveis à esperança de quem visualizava um Planeta onde seria possível a todos viver em condições de igualdade.  

Espírito eminentemente anticapitalista, Canindé Correia discordava da tendência humana ao consumismo exacerbado, considerando a fragilidade das conquistas relacionadas ao prazer e à felicidade, um reflexo do sistema politico e econômico que se apodera das vontades, utilizando-se da mídia para estimular a cultura do descartável, inclusive, os relacionamentos.

Atendo às necessidades de evolução do movimento social, colocou o único transporte de sua propriedade – uma moto Honda 125 – para servir de suporte às varias atividades do Grupo. No auge da amizade, quando já circulava de automóvel, me visitava em casa todas as manhãs. No silêncio do alvorecer das quatro estações, sua chegada era anunciada ao acionar o freio de mão do seu Corcel II.  Coautores de notinhas, títulos e textos, fidelizávamos agilidade em formular ideias com a habilidade de coordenar e encaixar as palavras nos períodos. Chegar ao consenso, na busca de manchete atraente, compatível ao que gostaríamos, era motivo de alegria.

Politicamente integrado à dinâmica do tempo, Canindé Correia sabia analisar com conteúdo convincente questões eleitorais em nível local, nacional e internacional, nutrindo paixão especial pelos números estatísticos, aos quais se apegava como referência para avaliações que superavam a visão contraditória dos pseudocientistas sociais. Sem reivindicar o título de profeta, construía situações favoráveis para fomentar a avaliação da realidade parnaibana, traçando parâmetros de comparação determinantes das circunstâncias do atraso entre esta e outras cidades com as mesmas características, e que, entretanto, apresentavam desenvolvimento econômico e social satisfatórios.

Pela forma de ver os acontecimentos à sua volta, intuído pela conduta humana irretocável, adotava, como critério de avaliação, valores diferentes do comportamento habitual em que bens materiais são colocados na balança como objeto de valorização do indivíduo. Cauteloso ao escolher amigos, orgulhava-se dos poucos que desfrutavam do seu círculo, preferindo qualidade à quantidade, afirmando gostar de se relacionar com gente inteligente e de caráter. Por herança da genética paterna, preferia a postura de mergulhar na boa leitura, a compartilhar de relações sociais sustentadas pelas aparências.                       

Por suas convicções, a ligação quase umbilical com o movimento popular não comprometeu o vínculo consanguíneo de família tradicional. Em oposição aos laços familiares culturalmente conservadores, revelou-se um parnaibano de visão terceiro-mundista, identificando-se com as nações empobrecidas do Planeta, defendendo, categoricamente, esses redutos de exploração do capital sobre o trabalho, com comentários cortantes, principalmente, contra a grande mídia, em que alguns articulistas direcionavam a notícia, desvirtuando a realidade sobre o enfrentamento dos povos contra a burguesia, nas lutas por alternativas de poder e, difundindo informações distorcidas sobre o acirramento das lutas por liberdade.

Alvo de sua inquietude, as nações que apresentavam os mais baixos índices de expectativa de vida, o fazia vasculhar os catálogos das editoras. Sentindo a necessidade de estar informado sobre o desenrolar dos movimentos de libertação nacional, especialmente na Nicarágua, dos Sandinistas; em Cuba, de Fidel; em Moçambique, de Samora Machel; em Zâmbia, de Kenneth Kaunda; e na África do Sul, de Nelson Mandela, solicitava livros, revistas, assinava jornais, enfim, sabia alcançar o mundo à sua frente.

Imbuído do propósito de plantar as sementes que germinariam a essência do seu discurso humanitário, certa ocasião, foi a meu encontro com uma edição dos “Cadernos do Terceiro Mundo”, uma das melhores publicações editadas no Brasil, fundada em setembro de 1974, por Neiva Moreira, Beatriz Bissio e Pablo Biacentini.

Na opinião de Canindé Correia, o INOVAÇÃO deveria assumir a publicação de textos em solidariedade aos povos do Terceiro Mundo, numa “época em que se vivia uma História em movimento e uma confrontação permanente de pensamentos antagônicos”, assim, o fizemos, embora os conteúdos “comprometedores”, alimentassem a fúria dos opositores do jornal.             

De formação humanitária absolutamente afinada com a evolução do homem, a partir da concepção de novas mentalidades, Canindé Correia absorvia a leitura das obras de Alceu de Amoroso Lima, Carlos Drummond de Andrade, Celso Furtado, Darcy Ribeiro, Frei Beto, Joel Silveira, Nelson Werneck Sodré, Fidel Castro, Dom Pedro Casaldáliga, dos quais compartilhava as ideias, queimando pestanas em horas incessantes de leitura e reflexão. Navegando pelas fronteiras do conhecimento, repassava com entusiasmo, o conteúdo do que lia, analisando de modo breve.

Não há como fugir da lembrança o entardecer do dia em que, embalados por espiritualidade saudável, fomos espairecer na beira-Rio, onde nos acomodamos no “Veleiro”. Chamariz de boêmios, o bar estimulava prolongar a jornada, atravessando tardes e noites vadias. Prazerosamente sentados, aquela brisa agradável na pele, o pôr do sol refletindo seu encanto sobre as água do Igaraçú, e o violão, bem ali, colado ao peito de Edson Rocha, que nos alegrava com a leveza de sua agradável companhia, a deslizar os dedos sobre as cordas do instrumento, emitindo sons que preencheram o ambiente de musicalidade envolvente.

Como num toque de magia, nos entreolhamos, erguemos as taças, brindamos e consumimos de um gole só, a primeira rodada de cerveja. Simultaneamente, o amigo violonista sinalizou com a batida no violão para que eu o acompanhasse, fazendo vibrar o tom da música “O amor em paz”, de Antonio Carlos Jobim e Vinícius de Moraes. E eu cantei, com alma, coração e muita vibração. Ao ouvir a sentença “o amor é a coisa mais triste quando se desfaz” Canindé Correia, fascinado com a melodia a penetrar-lhe n’alma, tremeu nas bases. Arrebatado emocionalmente para outras dimensões, levanta-se da cadeira, estufa o peito, abre os braços, gesticula para enfatizar o estado de euforia e pronuncia: – Isso é muito lindo! Isso é muito lindo! O pensamento circular desconectou o amigo consciencioso, sobretudo pela apurada sensibilidade de ver as coisas, o mundo e as pessoas. Como diria o poetinha, em “Tomara”, das músicas que compôs sozinho, a coisa mais divina desse mundo é viver cada segundo como nunca mais. É bom lembrar que em nenhuma daquelas ocasiões desperdiçávamos o tempo com conversa miúda ou particularidades inerentes à vida alheia. Os assuntos convergiam, predominantemente, para troca de palavras no âmbito da conjuntura social, politica e econômica. Enfim, a pujança de confraternizações daquela natureza era uma maravilha: o entardecer, a cerveja gelada, o violão, a conversa aflorando descontraída e envolvente.

No momento de colocar em pauta algum tema para ser discutido democraticamente, Canindé Correia, formulava propostas recorrendo à comunicação argumentativa, fundamentando o assunto dialeticamente, articulando com habilidade, sem manipulações, concordando ou mesmo discordando de outras opiniões. Dono de jeito muito pessoal de ser, se habituou a conversar mutilando a substância fina e flexível das folhas de papel, pelos cantos, cujos apêndices, dobrando e desdobrando, como se fora diminutas sanfonas, eram manuseadas em câmera lenta, ao tempo em que raciocinava progressivamente. Sem qualquer constrangimento, o documento acessível sofria o crivo dos dedos habilidosos. A prática repetitiva, em que não havia a intervenção da vontade de danificar documentos, faz parte da coletânea de casos engraçados de José Ciríaco Lima, mestre na arte da imitação, que detalhava, com naturalidade, os mecanismos da atitude de natureza instintiva. Um simples olhar para a demonstração teatral acontecer, e a sensação de riso emergia.

Motorista e fiel escudeiro de outro José, o Hamílton Castelo Branco, Zéciríaco, familiarizado conosco, nos transportou para paradas inolvidáveis, quando batia à minha porta, acompanhado apenas do patrão ou de Canindé Correia, na certeza de que, independente da hora, se com o sol a pino, emergindo no horizonte; ou em plena madrugada, de lua cheia ou na escuridão das noites, o acolhimento teria a mesma afetividade.  Seguramente, no vigor de manifestações de amizade sincera, movidas a muitos brindes, sem trincar cristais, foi que se tornou possível, a saga de INOVAÇÃO. Portanto, sentimentos de natureza humana, revestidos de adjetivos que qualificam atos e ações, constituem a memória invisível, de altíssimo valor.

O tempo passou. Estávamos em 1992, quando o jornal já não existia. Entretanto, de tão importante, fazia parte das nossas histórias. Por isso, juntamente com Canindé Correia, Elmar Carvalho e Vicente de Paula Araújo, o Depaula, elaboramos uma edição extemporânea, estimulados por dois motivos: homenagear o amigo e colaborador Mário dos Santos Carvalho, desencarnado a 25 de novembro de 1991, e mostrar a importância do Distrito de Irrigação Tabuleiros Litorâneos do Piauí, na pessoa do gerente executivo, Vilmar Klein Ferreira, um dos entusiastas do projeto, em entrevista exclusiva, que, ao ser convidado, demostrou indignação com a classe política e a comunidade, por não haverem incorporado, nas suas plataformas de lutas, a permanência do Centro Nacional de Pesquisa Irrigada (CNPAI), único centro do gênero da América do Sul, instalado em Parnaíba, já que a transferência do órgão estava sendo articulada para Teresina.

Enquanto o Jornal INOVAÇÃO retorna às bancas, conservando o entusiasmo e consistência que marcaram a existência do alternativo mais duro na queda do Estado do Piauí, no comando da cidade, a mesma constelação de estrelas ilustres, sem perder a pose, mantinha-se atrelada às glórias do passado, certamente para não comprometer o sistema nervoso dos interesses que se resumiam na necessidade de manutenção do poder pela aparência fútil da vaidade.

Representante da corrente de pensamento em que as ideias avançadas devem ser discutidas construtivamente, Canindé Correia se sobressaiu pelo compromisso de conscientizar pelo poder da palavra e o comportamento ético em tudo que fazia: no trabalho, nas relações sociais e nos compromissos com a sociedade. Parceiro de tudo aquilo que não pode ser objeto de contestação, sem se arvorar de dono da verdade, nos momentos em que as discussões efervesciam, sobretudo quando o assunto fazia referência à Parnaíba, ativada a centelha da paixão pela terra natal, surpreendia pela abundância de argumentos infalivelmente construtivos, despontando, da ave dócil, de timidez proporcional à estatura, o galo de briga indomável.

Identificado com as lutas por democracia, sua contribuição para a sustentação da linha editorial do Jornal INOVAÇÃO e a consolidação do Movimento Popular, pautada pela plenitude do conhecimento, foi de construção do ser humano integrado à vida pela grandeza de seus valores e potencialidades.

(*) Professor e escritor. Fundador, juntamente com Franzé Ribeiro, do Jornal Inovação.

Fonte do texto e da fotografia: Blog do B. Silva

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