segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

JOVITA FEITOSA - AS GLÓRIAS E OS INFORTÚNIOS DE UMA HEROÍNA

Fonte: Google


JOVITA FEITOSA - AS GLÓRIAS E OS INFORTÚNIOS DE UMA HEROÍNA

Chico Acoram Araújo*

A orfandade

                A cearense Antônia Alves Feitosa, morando em terras piauienses, tornou-se uma das figuras mais importante e emblemáticas que o Brasil já conheceu. Ficou conhecida nacionalmente como Jovita Alves Feitosa, a heroína da Guerra do Paraguai, tendo inclusive seu nome inscrito, por força da Lei nº 13.423/2017, no Livro dos Heróis da Pátria, que se encontra exposto no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, em Brasília.

Narremos, então, a vida e morte de Jovita Alves Feitosa que se tornou célebre em todo o Brasil, no ano de 1865, ao se alistar como voluntária da Pátria na Guerra do Paraguai, causando perplexidade e admiração de todos os brasileiros. Foi aclamada heroína da Pátria.

                Em Inhamuns, hoje Tauá-CE, um surto de cólera grassava implacavelmente nos anos de 1862 a 1864. O Ceará foi um dos estados do Nordeste mais castigados por essa terrível doença. Na época, Inhamuns tinha uma população de 14.060 habitantes. Do total da população, 510 pessoas foram infectadas, e dessas, 216 vieram a óbito.

Na localidade chamada Brejo Seco, nos confins de Inhamuns, uma família que ali residia chorava a perda de um ente muito querido, uma das 216 vítimas do surto de cólera. Morria d. Maria Alves Feitosa, deixando viúvo o senhor Maximiano Bispo de Oliveira e três filhos, sendo dois homens e uma moça de idade intermediária aos dois irmãos. Seu nome de batismo era Antônia Alves Feitosa, conhecida apenas por Jovita, apelido que recebeu desde quando ainda era criança. Esta nasceu a 8 de março de 1848, no mencionado lugar. A genitora da jovem, segundo os historiadores, era pertencente ao ramo pobre da destemida família dos Feitosa, sobrenome que Jovita recebeu ao ser batizada.

A história do Ceará conta que, durante muitos anos, o sertão de Inhamuns tornou-se palco de sangrentas guerras entre famílias latifundiárias em disputa por terras, notadamente entre os Monte e Feitosa, os Araújo e Maciel, Viriato e Calango, além dos confrontos entre os Cunha e os Pataca.

Nesse ambiente de contínuos conflitos, bem como das dificuldades existentes na obtenção dos meios de sobrevivência em terras com características de semiárido, sempre atingidas por longas estiagens, conviveu Jovita até os seus 16 anos de idade.

Assim, é razoável supor que aquela jovem tenha aprendido com seu pai e os irmãos o manejo adestrado com as armas de fogo com a finalidade defender a família e também sua pequena propriedade, uma vez que na região onde residiam verificavam-se, como foi dito acima, constantes brigas pela posse de terras.

O piauiense Fernando Lopes Sobrinho, jornalista, jurista e poeta, em uma sua crônica intitulada de “JOVITA ALVES FEITOSA, A HEROÍNA FRUSTRADA” (publicado na Revista PANÓPLIA Nº 6, de setembro de 1955, órgão oficial da Associação Profissional dos Jornalistas do Piauí) nos relata que aos 16 anos de idade, falecendo sua mãe, Jovita deixa seu lar, no Brejo Seco. Com as bênçãos do pai, a filha foi residir na cidade piauiense de Jaicós, distante 48 léguas, em companhia de um tio, Rogério Alves Feitosa, conceituado professor de música, que desde muitos anos residia daquela cidade do Sudeste piauiense. Dias antes, o Senhor Rogério chegara a Brejo Seco para uma visita aos parentes. Na ocasião, o pai, em comum acordo, decidiu que Jovita fosse morar com o tio em Jaicós.

No livro 10 MULHERES ANTES DA HORA, organizado pelo conceituado jornalista Fenelon Rocha, a jovem de Inhamuns é reverenciada no capítulo JOVITA FEITOSA -  a guerreira esquecida. Nesse capítulo, em coautoria com a jornalista Katya D’Angelles, Fenelon destaca que, em Jaicós, o professor Rogério Feitosa e sua esposa, sem herdeiros, fazem de Jovita uma verdadeira filha. Do tio, recebeu os ensinamentos da alfabetização e das notas musicais, e até mesmo alguns incentivos no manejo das armas. Com a tia, aprendeu a costurar e passou a ganhar algum dinheiro advindo dos serviços com costuras de camisas, vestidos e outras utilidades domésticas.

A Voluntária da Pátria

 Por cerca de um ano Jovita morou em Jaicós até que, em meado do ano de 1865, tomou uma decisão que viria mudar radicalmente sua vida. Perto de completar seus 18 anos de idade, a jovem resolveu se alistar como voluntária do exército brasileiro para lutar na Guerra do Paraguai. Sobre esse inusitado e nobre gesto patriótico, um jornal maranhense da época publicou uma crônica com o título Jovita Feitosa:

“Jovita Alves Feitosa é um exemplo que mais honra a história heroica dos filhos do império de Santa Cruz. Frágil pelo sexo mas forte e invencível pelo patriotismo, sentio também bater-lhe no coração o apelo da pátria, convocando seous filhos a defendel-a e honral-a.

Lopes Sobrinho enfatiza em sua crônica acima já mencionada que Jovita Alves Feitosa se sente muito entusiasmada ante à notícia de que o Tenente-Coronel José Lustosa da Cunha estaria recrutando homens residentes na vila de Santa Filomena para comporem o 2º corpo de Voluntários da Pátria, com destino à campanha do Paraguai. O maior desejo de Jovita era de participar nas frentes dos combates uma vez que manejava bem as armas de fogo. O jornalista diz ainda que certa noite, às escondidas, a jovem cearense, em companhia de um grupo de rapazes de Jaicós, foge da casa do tio rumo à Teresina, trajando roupas masculinas, cabelos cortados rente, os seios disfarçados com bandagens, e um chapéu de vaqueiro na cabeça. Era 20 de junho de 1865.

                Fenelon Rocha lembra também que, após uma longa e exaustiva viagem de 72 léguas, travestida domo um jovem rapaz, Jovita chega em Teresina no dia 9 de julho de 1865, onde se alista na circunscrição militar do 2º corpo de Voluntários da Pátria, sob o comando do Tenente-Coronel José Lustosa da Cunha, recebendo o registro de combatente com o nome Antônio Alves Feitosa.

Muito feliz por ter sido admitida na corporação, Jovita e outros alistados tiveram a ideia de visitar alguns lugares da nova capital da província do Piauí, fundada no ano de 1852 por Conselheiro Saraiva, então presidente da Província do Piauí. Foram conhecer o mercado da cidade, e quando o cortejo chegou à então Casa da Feira, uma senhora de olhar atento, que por ali estava a fazer compras, observou que um dos soldados era diferente dos demais. Desconfiada, a curiosa mulher aproximou-se um pouco mais daquele militar. Observou que o rapaz tinha altura média, pele morena, de feições indígena, o peitoral um pouco empinado, gestos calmos, e olhos negros brilhantes; de um olhar algo feminino.

Os traços fisionômicos daquele jovem soldado seriam semelhantes aos descritos no livro “Traços Biográficos da Heroína Brasileira Jovita Alves Feitosa”, de autoria do escritor e jornalista José Visconti Coaracy, publicado em setembro de 1965. Fenelon destaca ainda que esse escritor entrevistou Jovita, em 9 de setembro de 1965, quando do seu desembarque no Rio de Janeiro, vinda do Norte a bordo do vapor Tocantins. Nesse livro biográfico, o escritor fluminense descreve a jovem cearense como uma figura de “estatura mediana, maneiras simples e sem afetação”.

O ilustre escritor do Rio de Janeiro acrescenta ainda a respeito da jovem heroína brasileira: “seus olhos negros, cheios de luz, a tornam simpática; seus lábios fechados com alguma graça ocultam dentes alvos, limados e pontiagudos”. Finalizando a descrição biográfica da jovem sertaneja cearense, o escritor destaca: “Uma serenidade d’alma estende-se pelo seu todo, e mesmo lhe assegura uma confiança que a tranquiliza”.

Oportuno lembrar que a José Visconti Coaracy é atribuída também a autoria do livro romance-histórico com o título “JOVITA, A VOLUNTÁRIA DA MORTE”, que narra a vida e a morte trágica de Jovita Alves Feitosa, a grande heroína nacional. Quando foi publicado no ano 1967, o livro apresentava apenas as iniciais J.C. como autor.

Ainda sobre os traços da fisionomia de Jovita Feitosa, o Jornal do Comércio do Rio de Janeiro de 10 de setembro de 1865, publica uma carta particular de um remetente de São Salvador, de 5 setembro daquele mesmo mês, onde em um dos seus parágrafos descreve a nossa heroína assim:

“A sargenta Jovita não é uma beleza, nem a conquistar esse título, mais próprio das pretenções femininas, se distina a sua expedição voluntária para os arraiaes do deus Marte; é porém um typo dessas sympathias raras que se recommendão pela idéa, sem desmerecer pela forma.”

  Mas retornemos então ao incidente ocorrido na Casa da Feira de Teresina. De acordo com a narrativa de Fenelon Rocha, a astuta senhora que bisbilhotava a nossa personagem verificou também que esta tinha as orelhas furadas.  Foi o estopim de uma grande confusão. Apalpando de forma audaciosa os seios do suposto soldado, a indistinta senhora gritou bem alto, dizendo: “esse aqui nunca foi homem; é uma mulher!” Num instante, em torno da acusadora com seu dedo-duro apontando para a acusada, uma multidão se formou. Sobre esse episódio, o notório jornalista complementa:

“A confusão cresceu e dois soldados receberam ordem para levarem Jovita até a polícia, onde chegou acompanhada por uma multidão – mas “livre de ferros sem coação, conforme registrou a imprensa teresinense da época. Foi recebida pelo próprio chefe de polícia, José Manoel de Freitas. O Dr. Freitas convocou o escrivão Raymundo Dias de Macedo para tomar o depoimento do soldado – isto é, da soldado. ”

Chorando copiosamente, a pobre sertaneja declarou que, na verdade, seu nome era Antônia Alves Feitosa. Falou que decidiu vestir-se de homem para ingressar, como soldado, no corpo de Voluntários da Pátria, e lutar nos confrontos da guerra do Paraguai, uma vez que sabia atirar com arma de fogo. Disse ainda, que não queria exercer funções apropriadas às mulheres, como por exemplo no atendimento aos feridos no Hospital do Sangue.

Vendo o seu iminente e sumário desligamento da corporação em razão da sua condição de mulher, Jovita recorre ao então Presidente do Piauí, Dr. Franklin Américo de Menezes Dória - depois Barão de Loreto - que governou a Província do Piauí de 28 de maio de 1864 até 3 de agosto de 1866, suplicando-lhe que a mantivesse como soldado do corpo de Voluntários da Pátria. Sobre esse pedido, o jornalista Fernando Lopes Sobrinho nos conta em sua mencionada crônica:

“A ele, Jovita pede para alistar-se como voluntária da Pátria, dizendo, segundo nos conta Pereira da Costa, na sua “Cronologia Histórica do Estado do Piauí”, “ser o seu maior desejo bater-se com os monstros, que tantas ofensas tinham feito ás suas irmãs de Mato Grosso, e vingar-lhes injúrias ou morrer nas mãos desses tigres sedentos”.”

O Presidente Franklin Dória, muito sensibilizado com as súplicas daquela jovem sertaneja, percebeu que esta poderia, como a primeira mulher a entrar em uma corporação militar no Brasil, servir de exemplo de patriotismo na defesa do país contra os ataques covardes de Solano Lopes, o ditador do Paraguai. Com essa estratégia, Franklin Dória imaginou que Jovita poderia servir como uma espécie de garota propaganda de uma campanha de motivação para aumentar o contingente de voluntários da pátria da Província do Piauí. Sabe-se que na época, ao contrário daquela jovem mulher, muitos rapazes fugiam do alistamento militar, assim como o diabo foge da cruz.

O Presidente Dória não teve dúvidas. Além de autorizar a reintegração de Jovita Alves Feitosa no 2º Corpo de Voluntários, ainda lhe concedeu as divisas de 2º Sargento daquela corporação.

O futuro mostraria que Franklin Dória tinha razão em alistar pela primeira vez uma mulher na corporação militar piauiense. Jovita Feitosa, em pouco tempo, tornou-se célebre em todos os lugares aos quais passava, recebendo manifestações de louvores e admirações. Os jornais de todo o país não paravam de publicar matéria sobre essa valente guerreira, com destacadas manchetes. Os fotógrafos esmeravam-se para conseguir reproduzir a imagem da jovem soldado, e ganhar algum dinheiro com a venda das suas fotos.

Em razão disso, a adesão dos piauienses no corpo de voluntários da Pátria foi bastante significativa, chegando a mais de 400 militares. Destes, cerca de 200 advieram da vila de Parnaguá, no Sul do Estado, transportados para Teresina em várias balsas de buriti e um velho bote de madeira; os demais eram oriundos de diversas localidades piauienses.

Sobre isso, dois anos depois, o próprio Franklin Dória confirma a importância que Jovita Alves Feitosa teve, como grande incentivadora, no êxito do processo de recrutamento dos voluntários da Pátria no Piauí.

 “(...). Tolerei, é verdade, que ella usasse das insígnias de 2.º sargento; o que alias, acedendo o enthusiasmo publico onde quer que ella se apresentou, contribuiu para facilitar a aquisição de muitos voluntários.”

O trecho supra consta da carta que Franklin Dória dirigiu aos piauienses, divulgada no jornal “A IMPRENSA”, no ano de 1869, em resposta a um discurso maledicente proferido pelo Deputado piauiense Coelho Rodrigues na Câmara do Deputados, no Rio de Janeiro, e publicado no Jornal do Comércio (RJ), onde este parlamentar manifestava dúvidas sobre as despesas realizadas, em 1865, com o 2º corpo de voluntários do Piauí, bem como a respeito da nomeação da Jovita Alves Feitosa como 2º Sargento, quando Dória ainda era presidente daquela província.

Heroína, celebridade e glórias

No dia 10 de agosto do ano de 1865 esses bravos guerreiros seguiram rumo ao Rio de Janeiro. Descendo pelo rio Grande dos Tapuias, o nosso Parnaíba, o 2º corpo de voluntários do Piauí chega ao litoral, onde embarcaram no vapor Gurupy. Da Parnaíba o batalhão segue para São Luís, onde o mesmo é recepcionado com muita alegria e satisfação. Jovita Feitosa foi a mais festejada. No grande teatro São Luiz lhe foi preparado um espetáculo de honra e foi lhe oferecido um camarote especial enfeitado com a bandeira nacional. Ali, a heroína recebeu as maiores ovações e ramalhetes de flores, além de um grosso cordão e crucifixo de ouro. Sobre a estadia de Jovita na capital maranhense, um jornal local publica a seguinte notícia:

“Traja calça e saiote,com  fardeta e boné, e o cabelo cortado a escovinha.”

“Os maranhenses tem prestado á heroina todo o apreço e consideração de que ella é credora. A Exm.ª família do Sr. tenente Campos ajudante de ordens da presidencia, em cuja casa se hospedou, tem dado á heroína distincto agasalho, e ahi tem sido a mesma comprimentada por innumeras pessoas. ”

Em São Luís, a tropa piauiense embarcou no vapor Tocantins, embarcação de grande porte, com destino ao Rio de Janeiro, fazendo escalas nos portos de Recife e Salvador, além de outras cidades do Nordeste. Em Recife, o presidente da Província de Pernambuco, o piauiense, Conselheiro João Lustosa da Cunha Paranaguá, recepciona em Palácio do Governo seu irmão e comandante do 2º corpo de Voluntários do Piauí, o tenente-coronel José Lustosa da Cunha, acompanhado da oficialidade do corpo de voluntários e também da 2º sargento Jovita Alves Feitosa, que recebeu todas as considerações de apreço e respeito. Na ocasião, a jovem militar foi muito festejada por uma multidão que ali a esperava. Em Salvador e Paraíba, também não foi muito diferente de São Luís e Recife.  O povo recebeu Jovita com muito entusiasmo e aplausos. Na Paraíba, segundo Fernando Sobrinho, uma comissão de senhores foi a bordo do vapor Tocantins para prestar homenagens à voluntária vinda do Piauí, presenteando-lhe com um rico anel de brilhantes. 

No dia 9 de setembro de 1865, após um mês viagem desde que partiu de Teresina, o 2º corpo de Voluntários do Piauí, a bordo do vapor Tocantins, chega finalmente ao Rio de Janeiro, a então capital do Brasil. Por esse tempo, Jovita já se tornara célebre em todo o país. No cais do porto, uma multidão aguardava a jovem militar. A curiosidade era enorme. Com o desembarque da tropa, muitas pessoas, acotovelando-se, corriam em sua direção para conhecer e cumprimentar a famosa heroína da Guerra do Paraguai. 

Alguns dias depois da chegada à Corte, convicta de que iria para o front de batalhas combater os inimigos paraguaios, Jovita teve uma grande e dolorosa desilusão. O Ministro da Guerra encaminha uma correspondência, datada de 16 de setembro de 1865, ao tenente-coronel José Lustosa da Cunha, comandante do 2º Corpo de Voluntários do Piauí determinando que Jovita Alves Feitosa não acompanhasse seus companheiros rumo às regiões onde ocorriam os confrontos armados, por entender não existir nas leis e regulamentos militares disposições que permitissem as mulheres sentarem praça nos Corpos do exército, e tampouco na Guarda Nacional, ou de Voluntários da Pátria.
 Entretanto, a citada carta permitia que Jovita embarcasse com as tropas para prestar serviços compatíveis com a natureza do seu sexo, como por exemplo, nas atividades de enfermarias, no apoio aos doentes feridos em combates, “cuja importância podem tornar a referida voluntária tão digna de consideração, como de louvores o tem sido pelo seu patriótico oferecimento”, finaliza o Ministro.

Sobre o alistamento de Jovita no Corpo de Voluntários, o Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro, publica em setembro de 1865 um texto com o “A heroína brasileira” de autoria de um cidadão que assina apenas com iniciais J.M.C., onde faz severas críticas ao Presidente da Província do Piaui, Dr. Franklin Dória, exigindo-lhe que dissesse “em que se firmou para fazer semelhante aceitação e conferir-lhe o posto que lhe mencionamos” [2º sargento]. Complementa ainda o texto apócrifo:

“Nos exércitos em campanha, muitas mulheres, quer de soldados ou não, acompanhão e prestão reunidas á eles, serviços uteis como sejão, lavar, cozinhar e engomar a roupa dos praças. (...); mas não poderá jamais lançar mão de um sabre e bater-se quando se apresentão as ocasiões. ”

Apesar do tom conciliatório da correspondência do Ministro da Guerra, a brava sertaneja cearense não aceita a proposta de atuar como enfermeira junto ao Corpo de Voluntários, e sim pegar das armas e combater os inimigos na Guerra do Paraguai. Jovita não desistiu do seu objetivo.  Por mais de uma vez, solicitou ao Ministro da Guerra que reconsiderasse tal decisão. Não logrou êxito. Com o seu afastamento da corporação militar do Piauí e a perda da sua insígnia de 2º sargento, sem o devido amparo do Governo, a pobre moça se viu completamente abandonada em terras estranhas. O mundo desabou aos seus pés. Seus sonhos e ideais, tudo acabado. Desiludida, Jovita decidiu voltar para o Piauí. Mas retornar como, se não tinha dinheiro para comprar suas passagens de volta?

Vendo o estado de desolação e penúria em que se encontrava Jovita Feitosa, um grupo de admiradores da valente nordestina, e com o apoio de empresários do setor de teatro do Rio de Janeiro, consegue realizar alguns dramas e espetáculos com a finalidade de arrecadar fundos para ajudar a incompreendida voluntária da Pátria na aquisição de passagem e outras despesas no navio que a levaria de volta para província do Piauí.

A decadência

Em meados de outubro de 1865, Jovita Feitosa, tendo recebido o dinheiro arrecadado por aquela generosa gente, retorna para o Piauí a bordo de um vapor que partia com destino aos portos do Norte. Nos primeiros dias de outubro, Jovita desembarca em São Luís para, em seguida, embarcar no vapor Camossim rumo à cidade de Parnaíba no Piauí. Por motivo ignorado, a ex-voluntária não pode tomar aquela embarcação, tendo a mesma que viajar por terra para o Piauí. Sobre esse acontecido, o jornal PUBLICADOR MARANHENSE, de 16 de novembro, publica um expediente do Governo da província do Maranhão, datado do dia 13 do mesmo mês, com os seguintes termos:

“ – Ao Exm. Presidente da província do Piauhy. – Comunico a V.Exc. que Jovita Alves Feitosa, de que trata o meu officio de 9 do corrente não poude seguir no vapor Camossim para a Parnahiba, com destino a essa capital. Segue porem para Caxias, afim de transportar se d’aquella cidade para essa.”

Chegando em Teresina, Jovita hospeda-se na residência do Sr. Fernando Costa Freire, inspetor da tesouraria de fazenda, em obséquio especial ao Sr. Presidente da Província do Piauí, Dr. Franklin Dória. Aí permaneceu até o dia em que recebeu uma certa quantia que estava aguardando do Rio de Janeiro, como parte do dinheiro arrecadado em campanha a seu benefício. Nesse mesmo dia, a ex-voluntária, a bordo do vapor Paranaguá, parte para o porto de São Gonçalo, hoje cidade de Amarante. De lá, Jovita Feitosa segue, por terra, até a casa de seu tio Rogério Alves Feitosa, em Jaícó-PI. 

Entretanto, a jovem sertaneja cearense não se conservou em Jaicós por muito tempo. Com seu espírito determinado para aventuras, deslumbrada ainda pelas luzes de uma cidade grande, e vendo que os seus dias, na casa do seu Tio Rogério, tornavam-se intensamente monótonos e intermináveis, observa que sua família denotava incompreensões sobre sua conduta recente. Então decide morar em definitivo na Corte. A 18 março de 1866, chega no porto do Rio de Janeiro o vapor “PARANÁ” trazendo a bordo vários passageiros, dentre os quais a nossa célebre heroína Jovita Feitosa. Ao descer do navio, Jovita observou que as poucas pessoas que estavam ali no local, apenas cumprimentavam seus próprios parentes que acabavam de desembarcar. Não houve vivas, aplausos ou louvores para aquela ex-voluntária. Sequer um olhar de curiosidade recebeu. Se recebeu, foi um olhar de indiferença. Jovita Feitosa, o mais que depressa, saiu correndo dali a procura de um lugar para ficar.

Os infortúnios e a tragédia

Daí em diante, quase nada se sabe a respeito Jovita Feitosa, com exceção de outra chegada sua ao porto do Rio de Janeiro, a bordo do vapor “Galgo”, vinda de Montevidéu, capital do Uruguai.

Segundo José Alves Visconti Coaracy, no seu livro “Jovita a Voluntária da Morte”, conta que o motivo da viagem da jovem cearense era empregar-se nos hospitais de sangue, como expiação de suas culpas. Não conseguindo o emprego nessa Capital, Jovita parte para Buenos Ayres. Lá também não obtém êxito. Bastante resignada e com tantas contrariedades, a ex-voluntária volta para o Rio de Janeiro.  Esse retorno, na realidade, ocorreu em 8 de janeiro de 1867, conforme registros de saídas e entradas dos postos da Corte, publicados na edição do dia seguinte do jornal CORREIO MERCANTIL (RJ).

Na metrópole, Jovita viveu alguns amores fortuitos, até conhecer um homem que pensava ser o grande amor de sua vida.

Sobre a vida de Jovita daí em diante, alguns jornais da época fazem graves insinuações a seu respeito. Por exemplo, há citações que Jovita “balda em recursos, sem amparo, deixou-se transviar-se”; ou “era uma das elegantes do equívoco”. Ou ainda “arremessou-se no caminho da perdição e da amargura”, como disse o historiador Pereira de Vasconcelos (Seleta Piauiense).

Entretanto, também se verifica notícias veiculadas em jornais defendendo a honra da sertaneja. Veja, por exemplo, um editorial publicado no jornal A IMPRENSA (PI), do mês de setembro de 1865, que contesta com veemência um artigo do jornal MODERAÇÃO, sob o título de “Escandalo”, onde um jornalista chama a cearense de prostituta sem, contudo, mencionar-lhe o nome. Diz o editorial da A IMPRENSA:

“O artiguista da Moderação, a quem cabe a gloria de ter-lhe substituído a consagração popular de heroína pelo apitheto afrontoso que se cospe na face da mulher perdida, não ignora que a Jovita, aqui chegando ultimamente, de volta do Rio, foi logo hospedada, em obséquio especial ao Exmo. Sr. presidente, em casa do honrado pae de família, o Sr. Fernando Costa Freire, inspector da tesouraria de fazenda”.

 O personagem-autor do já citado livro romance-histórico, o amigo e confidente da nossa heroína, narra que Jovita passou por diversos episódios e se afeiçoou muito a um amante. Na verdade, apaixona-se loucamente por um homem, mesmo sentindo da sua parte  habitual indiferença. Na vida real, o amante chamava-se William Noot, um engenheiro inglês que veio trabalhar temporariamente na companhia de esgotos do Rio de Janeiro. Nesse tempo, Jovita morava com uma amiga na rua das Mangueiras nº 36. Já o amante residia em um quarto alugado em uma casa situada na praia do Russel nº 43, não tão distante da casa de Jovita.

Esse cavalheiro da Inglaterra, tendo terminado o contrato com a companhia do Rio, partiu de imediato para a sua pátria. Quando soube da notícia que seu homem tinha retornado para Inglaterra, Jovita, muito surpresa, entrou em estado de choque e comoção; uma profunda tristeza lhe abateu, levando-a a pensar até mesmo tirar sua própria vida. Correu mais que depressa para a casa do amante. Lá chegando, por volta de 3 horas da tarde, foi informada por uma empregada que de fato o rapaz havia mesmo retornado para a pátria distante. Jovita pediu a empregada da casa para entrar no quarto que até então servira de dormitório para o amante e também para seus encontros amorosos. Jovita pede também à empregada papel e tinta. Chegando no quarto, senta-se na cama, e começa a escrever alguma coisa.

Dois dias depois, lê-se no Jornal do Comércio (de Sexta-feira, 11 de outubro de 1867) a seguinte manchete:

"Suicídio"

 “Suicidou-se ante-hontem de tarde, na casa da praia do Russel n. 43, Jovita Alves Feitosa, natural do Ceará, a mesma que viera para esta côrte com o posto de sargento de um batalhão de voluntários d’aquella província, e que tendo depois tido baixa aqui ficou residindo. ”

O Correio Mercantil (RJ) também publica matéria sobre o suicídio de Jovita Feitosa, acrescentando dentre outros detalhes, o seguinte:

“Ante-hontem pelas 6 horas da tarde, a chamado do Sr. tenente-coronel João Frederico Russel, dirigiu-se o Sr. subdelegado da freguesia da Gloria, a uma das propriedades daquelle senhor, na praia do Russel n. 43, [...] e, penentrando, acompanhado do respectivo escrivão, peritos e testemunhas, em um dos quartos da casa, que até á véspera daquelle dia servira de dormitório ao engenheiro da companhia de esgotos William Noot, o qual seguira no último paquete para a Europa, encontrou atravessada sobre uma cama de ferro, com as pernas pendentes ao chão e a face voltada sobre o lado direito, o cadáver da infeliz Jovita, tendo implantado obliquamente da esquerda para a direita e de cima para baixo, na região precordial, um canivete em forma de punhal, com cabo de madreperola.”

Diz ainda a citada matéria que no bolso do vestido de sarja preta que trajava a pobre moça foi encontrado um bilhete, duas fotografias de Noot, alguns escritos deste, entre os quais uma carta em inglês que comunicava à Jovita que estava partindo para a Inglaterra, e também várias poesias manuscritas. A carta do amante nunca foi Lida por Jovita, uma vez que esta não dominava o vernáculo inglês.

No bilhete deixado por Jovita, assim estava escrito:  “Não culpem a minha morte á pessoa alguma. Fui eu que me matei. A causa só Deus sabe”.

Sobre esse suicídio, o Jornal CORREIO MERCANTIL acrescenta em sua notícia que se não fosse a ação de um caridoso senhor de mais de 60 anos, empregado do depósito da Santa de Misericórdia do Rio de Janeiro, ganhando um irrisório salário, o corpo de Jovita Feitosa teria sido enterrado na vala comum do cemitério do Caju. Esse senhor, em cujo peito carrega uma medalha da Independência, chamava-se Francisco Mendes de Araújo, combatente da campanha da Bahia, onde foi ferido nos combates. Esse velho soldado foi quem com suas benfazejas mãos pedira a diversas pessoas uma esmola para que a infeliz ex-voluntária tivesse uma sepultura, embora humilde, mas em cova separada.

“Por mais degradante que tenha sido a existência de Jovita nos últimos tempos, a história de sua vida torna-se digna de compaixão”, finaliza a notícia do o jornal Correio da Manhã, de 11 de outubro de 1867.

Para as considerações finais sobre essa valorosa mulher que veio dos sertões de Inhamuns-CE para transformar-se em um belo exemplo de patriotismo, recorro ao conceituado jornalista e escritor oeirense Bugyja Britto que, com muita propriedade, disse a respeito da sofrida heroína cearense: “Jovita Alves Feitosa, com a sua história triste e épica, deve ser considerada com a mais alta expressão de civismo e de bravura da mulher nortista-brasileira. ”

(*) Chico Acoram é funcionário público federal, contador e cronista

Fonte: blog Folhas Avulsas   

Nenhum comentário:

Postar um comentário