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O LADO BOM DA
SOLIDÃO
Antônio Francisco Sousa – Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Articulista e cronista
Sandoval me
contou, na última quarta-feira de cinzas, com esgares de entristecido e
deprimido, que aproveitara o período carnavalesco - para a maioria das pessoas,
de muita animação, mas para ele, pelo menos, atualmente, uma época como outras
no curso de mais um ano - para fazer um desmanche, um desmonte, um apanhado nas
quinquilharias, roupas, sapatos, meias que há muito vinha acumulando e que lhe
pareciam demasiados, eis que já quase enchiam e entulhavam despensa, armários,
gaveteiros, criados-mudos. Outros fins, talvez o lixo, mereceriam tais bens sem
utilização prática.
Escolhe daqui,
separa dali; volta atrás, tenta guardar aquele par de sapatos que tanto gostara
de usar com o jogo de camisa e calça, em vias de ser descartado; melhor deixar ficar:
estavam em tão bom estado. Nada disso! A missão a que se propusera era esvaziar
espaços, desnecessariamente, ocupados por tanta bugiganga. Metodicamente – não
sem algumas recaídas, ímpetos de esconder ou tornar a guardar alguns -, foi separando
em sacolas plásticas individuais, calças, camisas, camisetas, meias, sapatos,
sandálias. Finda a coleta, enormes pacotes empilhavam-se pelos recintos da casa,
prontos para serem desovados, jogados fora, mesmo destruídos. Não! Sua mulher
decidira que não haveria destruição, a princípio, seriam apenas colocados longe
dos olhos do ex-dono: sempre há quem precisa mais do que a gente; por que não,
doar a essas pessoas, ou a instituições que pudessem fazer isso? Comentou
Sandoval, que ainda tentou ponderar que não gostava de distribuir aquilo que,
para ele, se tornara imprestável; lixo não de dava a ninguém. A palavra final
ficou com a esposa, e não falaram mais naquele assunto. Na, então, enorme e tão
espaçosa despensa, ficaria, temporariamente, todo o apanhado.
Meteu-se Sandoval,
após essa primeira operação, a arrumar, nos vários lugares que restaram após o
desmanche generalizado, o que ficara, aquilo que fora considerado bom,
aproveitável, necessário, em matéria de vestuário, sapatos e artigos outros. Encerrados
os trabalhos de rearrumação, de tão cansado, adormecera. Sono curto, que
culminou em barulhento pesadelo, capaz de fazer com que a patroa, que se
encontrava lá na sala, entre lendo e batendo papo no WhatsApp, tivesse que
quase correr para saber o que o fizera gritar tão alto. Nada não, disse-lhe o esposo:
apenas sonhara que estava sendo roubado, que levavam suas roupas, sapatos, e o
carro, com tudo dentro. A mulher, inteligente, gentil e atenciosa, como são
todas as boas mulheres, aproveitara a situação para perguntar-lhe se não
aceitava um cafezinho bem fresco. Como não?
Antes de ir à
cozinha, onde sua “velha” lhe preparava o café, deu uma boa olhada no
guarda-roupa, no sapateiro, nas gavetas de meias, nos nichos do criado-mudo que
utilizava para colocar pequenos trecos, um imenso vazio o entristecera deveras.
Será que agira bem? Não iria sentir falta de bens ou objetos que, logo, logo, estariam
fora de seu alcance?
Pediu à mulher que
lhe fizesse companhia, enquanto tomava seu café, por sinal, bom demais. Contou-lhe
que estava sentindo doer vazio tão denso; mas, também lhe segredou, parecia que
tal sensação não resultara tão somente do desfazimento que acabara de acontecer,
um conjunto de situações anteriores e que veio à tona naquele momento, reforçara
sua conclusão. Há muito, os filhos haviam ficado adultos, tinham suas próprias
residências, seus afazeres; a casa, se não se mostrara pequena e solitária,
ainda que com tantas quinquilharias nela acumuladas, agora, parecia comportar o
mundo todo. E ele estava triste, reiterou à esposa. Pesava-lhe no peito um
sentimento para o qual imaginava estar preparado; sempre se policiara, era o
que pensava, para a chegada dos momentos de solidão, causados por situações
inevitáveis, como a independência e afastamento dos filhos para cuidarem dos
lares que constituiriam.
Os bens e objetos desprezados conscientizaram-no de que tanta
preparação não surtira efeito, fora vã. Estaria, realmente, ficando velho,
amolecido, sentimental demais? Disse à esposa, naquele momento, que precisava
sair, espraiar, caminhar. Sua mulher que, geralmente, preferia ficar em casa,
resolvera acompanhá-lo; possivelmente, suas palavras a fizeram compreender que
ele poderia estar certo: eles eram agora, na maioria do tempo, apenas os dois e,
como sempre, precisavam um do outro, ser parceiros. De mãos dadas, a mim
revelou um Sandoval emocionado, saíram a passear. Quem sabe por onde andassem
deixasse por lá toda a tristeza que lhe sufocava, e, ao voltarem para casa,
pudesse vê-la como, de fato, era: o melhor o lugar do mundo, pois fora nela que
tudo começou para o casal. Talvez até se desse conta de que um pouco de solidão,
vez em quando, faz-se necessário para permitir que aflorem ou se reavivem
sentimentos que o tempo camuflou, mimetizou, escondeu ou substituiu: o
companheirismo, a cordialidade, a camaradagem, a solidariedade, a confiança.
Logo chegaria o
final de semana, filhos e netos iriam encher, novamente, a casa com sua
presença. Certamente, nem sentiriam que o espaço aumentara; sem problema:
agora, poderiam correr, pular, cair e levantar, muito mais que antes. E,
depois, voltariam para seus lares, felizes como haviam chegado.
Se me houvesse pedido um conselho Sandoval, dir-lhe-ia:
amigo, importante é que a vida continue e a alegria nunca possa ser menor que a
tristeza.
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