segunda-feira, 18 de março de 2019

TRADUÇÃO DE UM CONTO DE OSCAR WILDE (1854-1900)

Fonte: Google


TRADUÇÃO DE UM CONTO DE OSCAR WILDE (1854-1900)
  
O GIGANTE EGOÍSTA(1)

Cunha e Silva Filho
Articulista, cronista e memorialista

       Toda tarde, enquanto  vinham da escola,  as crianças costumavam ir brincar no jardim do Gigante  egoísta.
       Era um  belo e amplo jardim, com macio e verde relvado. Aqui e ali, havia, sobre  a relva, lindas  flores  semelhantes a estrelas, e havia doces pessegueiros que,   na primavera,  brotavam delicadas   folhas de cores  rosa e pérola,  as  quais, no outono,  davam  ricos frutos. Os pássaros pousavam  nas árvores e cantavam tão docemente  que as crianças paravam de jogar  a fim de poder acompanhar-lhes  o canto.
     Certa vez, o Gigante regressou. Havia ido visitar um amigo,  o Ogre Cornualês. Ao chegar,  viu as crianças brincando  no jardim.
   “O que estão fazendo aqui?” – gritou com uma  voz  ríspida. As crianças  dali sumiram.
    “O meu  jardim só  a mim pertence, disse o  Gigante, “qualquer um sabe disso. E não permitirei que ninguém aqui  brinque  exceto eu próprio. ”Dito isto,  construiu  um muro alto e colocou uma tabuleta – “INVASORES  SERÃO PROCESSADOS.
   Era um Gigante muito egoísta; As pobres crianças agora não tinham  aonde ir  brincar. Tentaram divertir-se na estrada, porém esta  era muito  poeirenta e cheia de pedras duras. Não gostaram dessa experiência. Habituaram-se,  no entanto,   a vaguear em torno  do muro alto  após as lições da escola e a conversar sobre o  lindo  jardim lá dentro.   “Quão felizes éramos!” –  exclamavam   umas para as outras.
  Veio, depois, a primavera  e, por toda  parte,  não se viam quase flores nem  pássaros. Somente no  jardim  do Gigante egoísta o inverno  ainda persistia. Os pássaros não mais desejavam  ali trinar, porquanto  não havia  mais crianças e as árvores  deixaram de  brotar. “Não posso entender por que razão ela  está demorando tanto a  chegar,”   acrescentou o Gigante,    enquanto  sentava-se  diante da janela e olhava para fora  vendo seu jardim  frio e branco. “Espero  que o tempo  mude.”
  A primavera nada de chegar., nem o verão. O outono trouxe  áureos frutos  a todos os jardins,. Somente no jardim  do Gigante o tempo permanecia  imutável.
  Certa manhã,  o Gigante,  encontrando-se  na cama  acordado, ouviu  uma música  maravilhosa. Parecia-lhe  tão  suave aos ouvidos que julgara estarem passando lá fora os músicos do Rei. Mas,  aquela música não era senão o canto de um pintarroxo  do lado de fora da janela. Contudo, fazia tanto tempo que não ouvia mais uma  pássaro cantando  no jardim que lhe pareceu ser a mais bela música do mundo.  Em seguida,  da janela aberta recendia  um  delicioso  perfume. “Creio que a primavera chegou  finamente,”  afirmou   o Gigante que,  então,  saltou  da cama e olhou pra fora.
   Visão mais  encantadora jamais   descortinara. Por um buraquinho do muro, as crianças  haviam passado furtivamente para dentro  do jardim e já se encontravam  sentadas nos ramos das árvores. Em cada árvore ele pôde ver  uma criancinha. E as árvores ficaram   tão alegres com a   chegada novamente  das crianças que desabrocharam e ainda agitavam suavemente  os ramos   por cima das suas  cabecinhas. Os pássaros adejavam e gorjeavam deliciosamente.  As flores, com risos, olhavam por sobre o verde  relvado. Que cena  encantadora! Apenas num canto  do jardim ainda  era inverno e nele havia um garotinho  em pé. Era tão pequeno  que não podia  alcançar  os ramos das  árvore. Gritava em desespero.
   Foi então que o coração Gigante começou a amolecer à medida que olhava para fora; “Como fui  egoísta!” –concluiu; “Agora sei por que a primavera não queria voltar aqui. No  topo da árvore, vou pôr aquele garotinho. Em seguida,   derrubarei o muro, e meu jardim  há de ser o pátio de recreio   para todo o sempre!”
    Seu lamento  por tudo que fizera  de mal era verdadeiro .Desta forma,  descera de onde estava e abriu a porta de frente  com muita  delicadeza e ,  dirigiu-se ao jardim. Entretanto, ao vê-lo, as crianças ficaram  tão amedrontadas  que  saíram todas  correndo. O jardim, outra vez,  voltou  ao tempo de inverno. Somente o garotinho  não correu, pois os olhos estavam tão cheios  de lágrimas  que não  viram  a aproximação do Gigante. O Gigante  subiu furtivamente até ele por detrás,  colocou-o  gentilmente na mão e  o levou até à árvore. Rapidamente em flores  desabrochou a árvore e os pássaros nela  cantar vieram. Logo depois, o garotinho  estendeu os dois  bracinhos enlaçando o pescoço do gigante e o cobriu de beijos. As outras crianças, vendo que o Gigante não lhes parecia  mais  um bicho papão,  vieram correndo  de volta ao jardim e com elas  chegava a primavera.
“ Este jardim  é vosso,  minhas crianças", arrematou  o Gigante e, segurando  um grande machado,  botou abaixo  o muro.  Quando  pessoas estavam indo  ao mercado às doze horas,  encontraram  o Gigante junto das criancinhas no mais belo jardim   que jamais   haviam  visto.

                                               (TRAD.. DE CUNHA E SILVA  FILHO)

NOTA: (1) Apud CAMPOS, JR.J. L. Springtime. 2nd. revised  edition. São Paulo: Companhia Editora Nacional,  1940, p. 158-161.   

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