terça-feira, 22 de outubro de 2019

A GALLÁTICA TUTOIA


Antonio Gallas, Vítor Couto e Paulo de Tarso Mendes de Souza, na sede da Academia Parnaibana de Letras - APAL

   

A GALLÁTICA TUTOIA

Elmar Carvalho

Por ocasião da solenidade de lançamento de meu livro PoeMitos da Parnaíba, entre vários amigos, como o prefeito Zé Hamilton, os poetas Alcenor Candeira Filho e Wilton Porto, o jornalista Bernardo Silva, vários confrades da Academia, encontrei Antônio Gallas Pimentel, que conheço desde o início de minha chegada a Parnaíba, no começo da segunda metade da década de setenta. Ele era professor de inglês, jornalista e diariamente uma crônica sua era transmitida pela Rádio Educadora, a mais antiga do Piauí e, então, a única emissora da cidade, através da bela voz do locutor Gilvan Barbosa.

O professor Joaquim Furtado de Carvalho, primo de meu pai, que falava o inglês fluentemente e era um grande causeur, recomendou-me fizesse amizade com o Gallas. Um dia, vencendo a minha timidez de ainda adolescente, fui à sede do jornal Folha do Litoral perguntar se o hebdomadário aceitava colaborações literárias.

Estavam na redação o Gallas, B. Silva e o Xixinó, um grande compositor; bem entendido, compositor tipográfico. Tinha extraordinária habilidade de recolher cada tipo de sua respectiva caixa e colocá-lo no componer, na composição dos vocábulos e períodos. Gallas era professor de minhas irmãs Maria José, Josélia e Joserita. Em acidente automobilístico, em que, entre várias outras pessoas, eram passageiras minhas três irmãs, Josélia veio a falecer.

No dia do seu enterro, o diretor suspendeu as aulas para que os estudantes pudessem ir assistir à missa na catedral e acompanhar o sepultamento. Nesse dia, foi lida na Educadora uma crônica do amigo Gallas, sobre minha irmã, o que muito comoveu a nossa família.

Às vezes, na boca da noite, eu e o B. Silva íamos até a casa dele, para ouvirmos um tangos, pelo rádio, enquanto degustávamos umas três doses de boa pinga. Eram uns belos e vibrantes tangaços, como dizíamos. Um dia o Gallas me convidou a ir até sua residência ouvir uns tangos e tomar umas duas ou três talagadas de calibrina. Para me convencer, como se estivesse falando de uma raridade quase impossível disse: - Elmar, eu tenho até dinheiro!... Verdade que naqueles tempos inflacionários e de vacas magérrimas, dinheiro era um tanto difícil e arredio.

Certa feita, eu e ele fomos ao aniversário do Moreira, meu contemporâneo no Campus Reis Velloso - UFPI, hoje ocupante de importante cargo de carreira jurídica do governo federal. Fui convidado ou me autoconvidei a fazer uso da palavra. Entretanto, na empolgação do discurso terminei chamando o Moreira de Monteiro, ato falho provocado porque um meu colega de turma tinha este último nome.

A mulher do Moreira, me aparteou, e perguntou como é que eu, que me dizia amigo de seu marido, trocava o seu nome. Não me dei por achado, e respondi que o fizera de propósito, para saber se estavam prestando atenção a meu discurso, e, ao mesmo tempo, porque Monteiro se referia a monte, e o Moreira havia atingido a culminância da cultura e do saber. As palmas espocaram e preferi encerrar o discurso nesse momento estratégico.

Já estive com o Gallas na sua bela e histórica Tutoia, outrora importante cidade portuária da região do Delta do Parnaíba. Contemplei as suas lindas praias, como a de Andreza, e a sua exuberante lagoa, ornamentada de coqueiros e outras árvores. Nessas ocasiões, tomei agradáveis banhos nos córregos e rios do percurso.

Certa época correu a notícia de que Tutoia estava prestes a ser soterrada pelas dunas; mas, pelo visto, ela continua impávida e inabalável como a conheci. Sempre que vou a Parnaíba tenho encontrado o Gallas. E sempre na condição de bom amigo, e de mestre de sábias libações.


1º de abril de 2010

6 comentários:

  1. Caro poeta Elmar.As coisas boas da vida jamais saem de nossa memória, como como aqueles "tangos à média luz" que começava exatamente à meia noite na Rádio Globo do Rio de Janeiro, e que ouvíamos na calçada da residência na rua Vera Cruz degustando um bom vinho ou uma deliciosa Mangueira Fabricada em Castelo desse nosso Piauí. Nosso amigo Moreira, hoje aposentado como Procurador Autárquico reside na "Ilha Rebelde", Luis do Maranhão. Fala fluentemente sete idiomas e com destaque para Alemão e Inglês. Taí, onde o discípulo superou o mestre hahaha!

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    1. Caro Gallas,
      Pois aí você demonstrou que foi um excelente professor... Para mim o bom mestre é o que possibilita que o discípulo possa superá-lo, como você declarou que o nosso bravo Moreira o fez.
      Assim, chego à conclusão de que eu estava certo: o Moreira é um Monteiro, um outeiro, um monte, ou mesmo uma montanha de cultura.
      Abraço,
      Elmar

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  2. Prezado amigo Elmar,
    Graças à presente crônica, transportei-me aos anos 70, quando ouvia diariamente pela Rádio Educadora, a exemplo de você, a "Crônica da Cidade", tão bem escritas pelo Prof. Gallas.
    Cordialmente,
    Ben-Hur Sampaio

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  3. Ah! ia esquecendo: as belas crônicas eram acompanhadas de excelente trilha sonora - Moonlight Serenade (Glenn Miller), o que formava um quadro perfeito para deleite dos ouvintes da Rádio Educadora.

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  4. Caro Ben-Hur,
    Você trouxe novo e excelente condimento à minha crônica, com a lembrança do chamado "prefixo musical". Talvez por isso, comprei o LP La Paloma, de Billy Vaughn, na Discolândia do saudoso Jairo Medeiros.
    Abraço,
    Elmar

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