ONDE ESTÃO OS QUE SE FORAM?
Cunha e Silva Filho
É esta a pergunta que me faço. Porém,
mesmo eu, que enfrento esse novo
texto, não sei ao certo responder
plena e satisfatoriamente a esta
pergunta. Foram-se para sempre de nós?
Foram-se porque não mais a nossa pessoa
os interessasse? Tampouco saberei
com segurança responder a esta
outra indagação. Não saberei
jamais porque se foram e nos
deixaram no meio do caminho onde nem havia a célebre “pedra “ do famoso
verso drummondiano. Simplesmente se
foram e talvez não mais voltarão.
Esse é o busílis da história. O nó cego, que, aliás, é um título de um romance de Geraldo França
de Lima (1914-2003)) aquele
ficcionista de Serras Azuis (1961), cujo
exemplar me foi ofertado pelo
autor quando me lecionou literatura brasileira na Faculdade de Letras UFRJ.,
nos anos 70 do século passado.
Foram-se outros por razões as mais diversas e as mais intrigantes já que não houve nenhuma
rixa ou
arranhão na esfera da amizade para que partissem do meu convívio. Foram-se os que já me vieram
com a alegria bem-vinda de suas
chegadas. Outro também se foram porque mudaram de endereço ou por morarem
longe, sem omitir o fato de que
a grande cidade, em vez de
unir, separa.
Resta indagar um coisa: foram–se por minha causa ou
porque, como uma mulher que
depositava confiança no homem
amado, se decepcionou com ele e, segundo a palavra que gosta de usar, se desencantou e o desencanto de uma mulher é coisa séria, pois vem
acompanhado de decepção, certa raiva,
humilhação sofrida e
indiferença, esquecendo tudo o que havia dito ao
amado durante os momentos
mais encantadores do convívio com ele. A mulher desencantada dificilmente voltará, visto que, ao se desencantar, tudo que era belo e bom foi apagado
da parte mais sensível dela: o sentimento amoroso.
Foram-se
aqueles que para eles nos tornamos inúteis, sem interesse, esquecendo tudo que havíamos feito de bom. Feriram-nos por serem ingratos
conosco. O que foi feito por
bondade e amizade desinteressada foi
também por água abaixo. Ao passarmos por eles, nos viram a cara ou fingem que nunca tivemos um
contato amigável e promissor.
Mas existem os que se foram contra a nossa vontade e nos deixaram só lembranças
queridas e indeléveis. Não
podemos culpá-los por nos deixarem, uma
vez que
nos deixaram para viverem numa outra dimensão e jamais nos voltarão ao convívio agradável
de uma amizade perene ainda que na brevidade da vida.
Ah, com sinto por esse grupo que me deixou
a contragosto um vazio de
mistura contraditoriamente com a alegria
do tempo em que estavam comigo em diversos lugares da mesma atividade!
Sei que alguns ainda estão entre nós, mas será difícil
encontrá-los na imensidão da metrópole, pois
cada uma tomou seu rumo e os
contatos foram-se, pouco a pouco, se
diluindo até se perderam na multidão.
Há ainda os que se foram, mas ao mesmo tempo permanecem. Sabemos onde estão. Contudo, o diálogo se vai rareando por vários motivos.
Saúde, distância, falta
de motivação, a idade avançada, entre outros fatores dissuasivos.
Por outro lado, a amizade se mantém
intacta. Bataria acionar um
pouco de nossa inciativa para novamente vir à tona com cansaço, claro, mas com uma alegria que ainda
restou para sempre nos nossos corações saudosos.
Não há como retroagir a fases passadas
na travessia avassaladora no
tempo e no espaço da vida de cada um de
nós. Onde estão os que se foram?
Amigo Cunha,
ResponderExcluirNo momento em que me preparo, neste melancólico Dia de Finados, para visitar o túmulo de meus pais em Campo Maior, e me minha mulher mais uma vez me adverte sobre o horário de nossa saída, é que fui ler sua bela e excelente crônica com vagar e atenção.
Nela perpassa certa filosofia reflexiva, algumas indagações e questionamentos, que, creio, nunca saberemos responder em plenitude, e o comovente lirismo da mulher "desencantada" com o homem que ela amava. Talvez o desencanto se deva a um excesso de confiança, esperança e espera de reciprocidade que nele a mulher depositou. Quando não esperamos muito de uma pessoa, pouco ou nada nos decepcionaremos.
De qualquer sorte, o seu penúltimo parágrafo explica muita coisa, sobretudo nos dias apressados e estressantes de hoje.
Crônica para ser lida, relida e meditada. Parabéns.
Abraço,
Elmar
Este comentário foi removido pelo autor.
ExcluirEstimado Elmar:
ResponderExcluirV., com lírico que é, na maior parte de sua obra poética, tem o sentimento à flor da pele e por isso sabe ver de longe os sentidos múltiplos do texto, no caso específico, a crônica em questão. Eu a escrevi num momento de profunda melancolia, momento que traz ao texto não somente a imaginação das ideias e pensamentos nele imbricados, mas também uma parte ponderável da realidade empírica mascarada pela linguagem literária, que é, por natureza, transgressão, surpresa, opacidade, ambiguidade e outras formas de "deformar" (no sentido aristotélico) a realidade para a tornar literária. É bem verdade que, no texto, há um viés confessional, o qual, a meu ver, é um traço da minha crônica, ao lado de outro, que é o componente memorialístico. Tratando do tema da amizade, o texto vai tomando direções situacionais múltiplas que levam à meditação do leitor e até o fazer repensar a sua própria visão sobre o tema, ou seja, talvez quisesse eu provocar uma discussão ampla sobre o papel da amizade, da sua durabilidade ou do seu fracasso ou ruptura. Seu comentário, com a grandeza de sua argúcia, já seria uma das respostas desejadas pelo autor da crônica. Muito obrigado pelo seu estímulo, me caro amigo.
Receba o abraço do conterrâneo
amª e admor de sempre.
Cunha
Amigo Cunha,
ResponderExcluirAcrescentaria que a vida, em sua dinâmica e sincronizações, ajunta e afasta, e promove encontros e desencontros, sem que ninguém seja culpado de nada. Diria, evocando O. G. Rego de Carvalho, que somos todos inocentes no carrossel da vida.
A própria velhice, com os seus achaques e fraquezas, também concorre para esses isolamentos e ostracismos voluntários.
Abraço,
Elmar
Poeta Elmar Carvalho:
ResponderExcluirSua resposta ao meu comentário é um complemento e uma espécie de conclusão alusiva ao meu texto em que eu e V. nos damos as mãos nessa ciranda que é a vida. Um belo complemento. por sinal. Um grande amplexo do sempre amigo
Cunha
Valeu, caro Cunha.
ResponderExcluirAproveito para lhe comunicar que farei parte de um debate em sua bela Amarante, em que serão estudados seu pai, o saudoso Cunha e Silva, Da Costa e Silva e Clóvis Moura, três importantes intelectuais e escritores amarantinos. Minha participação e do confrade Reginaldo Miranda será no dia 28, às 14 horas.
Abraço,
Elmar