quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS E SUA OBRA MONUMENTAL

Membros da Academia Piauiense de Letras, vendo-se, na primeira fila, da esquerda para a direita: Homero Castelo Branco, Celso Barros Coelho, Antônio Fonseca Neto, Nerina Castelo Branco, Fides Angélica, Valdeci Cavalcante, Oton Lustosa, Nildomar da Silveira Soares, Francisco Miguel de Moura e Hugo Napoleão; na segunda fila, no mesmo sentido: Felipe Mendes, Cid de Castro Dias, Dílson Lages Monteiro,Humberto Guimarães, Elmar Carvalho, Plínio Macedo, Reginaldo Miranda, Itamar Abreu Costa e Nelson Nery Costa. Fonte: Blog do Professor Gallas.
Fonte: Google



A ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS E SUA OBRA MONUMENTAL

José Pedro Araújo
Romancista, contista e cronista

Tenho a impressão (e quase a certeza), de quando os imortais Jônatas Batista, Celso Pinheiro, Lucídio Freitas, Antônio Chaves, Benedito Aurélio de Freitas (Baurélio Mangabeira), Édison Cunha, Fenelon Castelo Branco, Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e João Pinheiro, posicionaram-se para a foto histórica, memorável, aí pelos idos de 1917, mais do que sentimento de vaidade por pertencerem à nata da inteligência piauiense, traziam na mente uma pergunta comum a todos eles e repleta de preocupações: o que fariam dali para a frente, logo que encerrassem-se as festividades de fundação do sodalício que criavam naquele instante? Depois que as notícias e as entrevistas para os jornais da época sumissem das mentes de seus concidadãos?

Se pensaram assim, estavam repletos de razão, afinal, como fazer diferente em uma terra em que mais da metade dos seus moradores não sabia rasurar o primeiro nome de batismo. Um estado em que as gráficas existentes mal davam conta de imprimir os blocos de notas fiscais do tesouro estadual e os poucos periódicos encarregados de socializar as notícias que iam pelo estado, pelo Brasil e pelo mundo? Como publicar algo em um estado com tantas deficiências assim? Como arrumar recursos para essas publicações?

As preocupações faziam sentido, mas a determinação daqueles homens era tão grande que nunca esmoreceram no que pese todas as dificuldades que teriam pela frente. E hoje, tenho também a impressão, ficariam eles felizes se pudessem observar o tamanho da obra encetada pela sua Academia ao completar o seu primeiro centenário de existência.

A Academia Piauiense de Letras, com sigla APL, órgão máximo das letras no Estado do Piauí (de acordo com a sua própria definição), tem trabalhado intensa e incessantemente para cumprir a sua missão de levar cultura aos mais distantes rincões do nosso território, quiçá do Brasil.

Em 1981, quando para Teresina retornei, uma das primeiras coisas que fiz foi ir à procura da APL para me inteirar de como poderia adquirir alguns livros publicados por ela. Já estava eu inteiramente contaminado pela necessidade de conduzir sempre um bom livro em minhas mãos a cada passo que dava. E fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, animado com o que ouvi.  Seria possível, sim, informou-me a distinta senhora que me atendeu naquela tarde. Seria possível não somente adquiri alguns livros a preços módicos, mas, ao mesmo tempo, poderia ficar recendo trimestralmente as publicações da academia, e por um preço que me pareceu muito convidativo. E de fato o era. O valor cobrado era tão insignificante que não pensei duas vezes em me inscrever como assinante daquela casa de cultura.

Somente algum tempo depois, tomei conhecimento de que aquela senhora tão educada e convincente, era a própria esposa do presidente da casa. Tratava-se da senhora Delci Maria Tito. Era com esse nome que ela assinava os recibos relativos ao valor que deveria pagar sempre que seu enviado me procurava para entregar os três exemplares daquela remessa, e também para receber o pagamento pela assinatura. Não restam dúvidas de que as brochuras tinham um formato muito simples, quase artesanal. Agora mesmo tenho em minhas mãos três desses livros que guardo com o maior carinho em estantes da minha humilde biblioteca. Entre estes, “Curral de Serras”, romance que muito me encantou pela sua prosa regionalista e que explorava o linguajar do povo do sertão piauiense (“O senhor se sai com cada uma... E adota certas manias, que cobram dificuldade de uma pessoa entender. O fato é que fico desinquieta em noite de lua cheia, reparando o p’ra-lá-p’ra-cá das caminhadas de vosmecê, medindo e desmedindo o tamanho do chão do terreiro”).  Li de um só fôlego, tamanha foi a empatia com o livro, cuja capa singela, mas ao mesmo tempo muito bonita, era da autoria da própria Delci Tito, como pude constatar. Aquela admirável senhora era a secretária da academia, fazia um trabalho monumental para comercializar a sua produção literária, e ainda encontrava tempo para produzir as gravuras para as capas de alguns livros.

O segundo livro é a segunda edição do “Canto da Terra Mártires”, de Martins Vieira. Um soco no estômago que me levou às alturas com poemas como A Fome (Ó provação – a fome!... Ó caos tormentoso zumbido e doudejar de entranhas!... Timpanoso, o ventre constipado, o fígado disforme e aquela sonolência incrível que não dorme?).  Poema que atinge todos os nossos sentidos vitais com suas palavras de fogo, ardentes, fazendo-nos culpados até mesmo pelos erros que não cometemos, o que dirá das nossas próprias idiossincrasias.

Por fim, “Um Manicaca – Documento de uma época”, livro de autoria do eterno presidente da agremiação, Arimatéia Tito Filho, com capa também de Delci Tito. Livrinho interessante que mergulha de cabeça na obra de autoria de Abdias Neves; história ambientada em Teresina, e que retrata usos e costumes do final do século XIX, bem como os efeitos devastadores da chamada Grande Seca iniciada em 1877. No pequeno livro, A. Tito Filho se propõe a descrever a Teresina daquela época, seus usos e costumes, como já informamos, mas também os termos, as gírias mais em voga naquele tempo, além, é claro, de fazer uma descrição completa dos serviços públicos oferecidos à coletividade, como acontece quando trata, logo no primeiro capítulo sobre O Acendedor de Lampiões – “A primeira iluminação pública de Teresina verificou-se em 1867. Limitada à praça da Constituição (hoje Deodoro), onde se achavam o Palácio do Governo, a igreja matriz de N.S. do Amparo, e outros edifícios públicos. Sete combustores de querosene sobre colunas de madeira... O serviço tinha um arrematante, e competia a este contratar o acendedor dos lampiões, que, diariamente, realizava o trabalho, servindo-se de escada”). Todos os verbetes descritos por A. Tito Filho foram extraídos do romance de A. Neves.

Os três livros aqui descritos tinham ainda algo em comum: a responsabilidade de suas impressões era da COMEPI, a gráfica e editora do Estado, cuja qualidade, para os padrões de hoje, eram por demais sofríveis, apesar de já possuirmos gráficas e editoras no país que produziam com extrema qualidade.  A gráfica do estado não fazia colagens, mas sim grampeamento das páginas, e hoje esses grampos estão enferrujados oxidam e apodrecem as páginas dos livros editados.  Entretanto, com toda essa dificuldade, a APL produzia já seus livros, em pequenas tiragens, é bem verdade, e fazia a distribuição aos seus poucos leitores.

Antes desse período ao qual me refiro (início dos anos 80), na primeira metade da década de 70, o governo Alberto Silva, tendo como ideólogo do projeto A. Tito Filho (me parece), andou patrocinando a publicação de umas poucas dezenas de livros. E para isso formalizou contrato com a Editora Artenova, de propriedade do empresário piauiense, cuja sede ficava no Rio de Janeiro, Álvaro Pacheco. Foram relançadas obras da maior importância para a história e a literatura piauiense como, por exemplo, “Cronologia Histórica do Estado do Piauí, de F. A. Pereira da Costa; Roteiro do Piauí, de Carlos Eugênio Porto, e Introdução à Revolução de 1964, de Carlos Castelo Branco. Cito apenas esses três, entre duas dezenas de livros publicados, pelo menos. A qualidade da impressão e do papel já era bem melhor, contudo, o problema da colagem persistiu. Tive que mandar reencadernar todos os exemplares que possuo.

Para não me estender muito no texto, afirmo que anos depois apareceu o grande incentivador da cultura piauiense, poeta e principal cronista da terra ainda a respirar pelas ruas da cidade que tanto ama, professor Cinéas Santos e sua trupe. Criaram a editora Corisco. Com a força das suas ideias revolucionárias e a fé de um beato do saber, resgatou e publicou inúmeras obras que já haviam caído no esquecimento, além de outras de autores novos que começavam a despontar no horizonte das letras. Foi um feito grandioso, sem dúvidas. Já trabalhava com edições de excepcional qualidade. Pelo que sei, ainda está na faina com a sua Oficina da Palavra, e continua responsável por algumas publicações que dignificam a cultura da terra.

Mais recentemente tivemos a academia outra vez na vanguarda das publicações, trazendo ao sol excelentes edições em parceria com a Fundac e o Detran. Já fazia uso de ótima qualidade de impressão, além do costumeiro conteúdo, presidia a Casa, o piracuruquense Manfredi Cerqueira. A Fundação Monsenhor Chaves, por sua vez, também editou excelentes páginas da literatura piauiense, em especial expondo ao público coletâneas de autores consagrados como Odilon Nunes e Monsenhor Chaves, em edições volumosas e de ótimo acabamento.

Por fim, a própria Universidade Federal do Piauí, através da sua editora própria, tem nos presenteado com obras valiosíssimas de autores da terra que são um achado para quem sai à procura de livros que falam sobre a história, os costumes e o modo de vida dos piauienses de todos os quadrantes do nosso território. Melhoramos extraordinariamente nesse quesito. Hoje, podemos dizer que o parque gráfico que temos, mas, sobretudo as instituições voltadas para a cultura de um modo geral, têm feito um papel grandioso no campo das letras e das artes, se consideramos o que vai pelo país.

Contudo, é a Academia Piauiense de Letras, aquela que tem feito um trabalho ciclópico nesse campo. Não vejo ninguém nesse instante laborando nessa seara com tanto afinco e destemor. Obras há muito tempo longe dos catálogos foram ressuscitadas em edições primorosas e postas à disposição dos leitores em quantidades impressionantes. Esse trabalho que assombra até mesmo quem nos observa lá do sul-sudeste rico deste país, e ficam extasiados pela magnitude do seu tamanho, mas, em especial, pela qualidade literária e editorial dos livros lançados às centenas, deve ficar se perguntando como que de um estado tão pobre em recursos financeiro nasceu obra tão gigantesca. Afinal, são aproximadamente duas centenas de livros lançado desde 2012 quando o protejo do centenário da academia foi deflagrado. Coleção Centenário e Coleção Século XXI trazendo o que há de mais significativo já publicado no Estado. Começando o projeto na gestão do acadêmico Reginaldo Miranda, ganhou este musculatura com Nelson Nery e sua diretoria composta pelos arrojados Herculano Moraes, recentemente falecido, Zózimo Tavares, Elmar Carvalho, Humberto Guimarães, Wilson Brandão, e pela comissão editorial composta pelo já citado Reginaldo Miranda, Fonseca Neto e Divaneide Carvalho. Foram produzidos livros à mãos cheias.

Não há, de fato, explicação para tanto arrojo, para tanta dedicação, a não ser pela força de vontade e dedicação dos membros da APL. É como se esses homens se reunissem, aos sábados, não para tomar chá, mas para construir pontes sobre o mar de dificuldades que nos cerca. E acredito que seja isso mesmo. Afinal, não temos o hábito de tomar chá por estas brenhas mesmo. Aqui, nos reunimos para achar soluções para as nossas enormes carências e pô-las em prática em marcha acelerada. Somos um estado pequeno, talvez um dos mais pobres do país, mas não somos Lilliputianos. O exemplo acima prova que não. 

Pelo que parece, só temos concorrentes nesse campo na Edusp, editora da USP, cuja parceria com a Editora Itatiaia, lançou a Coleção Reconquista do Brasil; e na Editora do Senado Federal. Duas instituições que trabalham com dinheiro público nos seus orçamentos. Não consegui saber se alguma Academia de Letras de algum dos estados deste Brasil rivaliza com a nossa APL. No próximo dia 30.12, já serão 102 anos de um trabalho que muito nos orgulha!   

2 comentários:

  1. Dr. Araújo, parabéns pelo excelente. Uma justíssima homenagem aos imortais da ACP. Se o amigo não se opor, vou sugerir que o acadêmico Elmar Carvalho leia esse texto no próximo lançamento de livros que vier acontecer naquele Sodalicio.

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  2. Dr. Araújo, parabéns pelo excelente. Uma justíssima homenagem aos imortais da ACP. Se o amigo não se opor, vou sugerir que o acadêmico Elmar Carvalho leia esse texto no próximo lançamento de livros que vier acontecer naquele Sodalicio.

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