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A ACADEMIA PIAUIENSE DE LETRAS E
SUA OBRA MONUMENTAL
José Pedro Araújo
Romancista, contista e cronista
Tenho a impressão (e quase a
certeza), de quando os imortais Jônatas Batista, Celso Pinheiro, Lucídio
Freitas, Antônio Chaves, Benedito Aurélio de Freitas (Baurélio Mangabeira),
Édison Cunha, Fenelon Castelo Branco, Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e João Pinheiro,
posicionaram-se para a foto histórica, memorável, aí pelos idos de 1917, mais
do que sentimento de vaidade por pertencerem à nata da inteligência piauiense,
traziam na mente uma pergunta comum a todos eles e repleta de preocupações: o
que fariam dali para a frente, logo que encerrassem-se as festividades de
fundação do sodalício que criavam naquele instante? Depois que as notícias e as
entrevistas para os jornais da época sumissem das mentes de seus concidadãos?
Se pensaram assim, estavam
repletos de razão, afinal, como fazer diferente em uma terra em que mais da
metade dos seus moradores não sabia rasurar o primeiro nome de batismo. Um
estado em que as gráficas existentes mal davam conta de imprimir os blocos de
notas fiscais do tesouro estadual e os poucos periódicos encarregados de
socializar as notícias que iam pelo estado, pelo Brasil e pelo mundo? Como
publicar algo em um estado com tantas deficiências assim? Como arrumar recursos
para essas publicações?
As preocupações faziam sentido,
mas a determinação daqueles homens era tão grande que nunca esmoreceram no que
pese todas as dificuldades que teriam pela frente. E hoje, tenho também a
impressão, ficariam eles felizes se pudessem observar o tamanho da obra
encetada pela sua Academia ao completar o seu primeiro centenário de
existência.
A Academia Piauiense de Letras,
com sigla APL, órgão máximo das letras no Estado do Piauí (de acordo com a sua
própria definição), tem trabalhado intensa e incessantemente para cumprir a sua
missão de levar cultura aos mais distantes rincões do nosso território, quiçá
do Brasil.
Em 1981, quando para Teresina
retornei, uma das primeiras coisas que fiz foi ir à procura da APL para me
inteirar de como poderia adquirir alguns livros publicados por ela. Já estava
eu inteiramente contaminado pela necessidade de conduzir sempre um bom livro em
minhas mãos a cada passo que dava. E fiquei surpreso e, ao mesmo tempo, animado
com o que ouvi. Seria possível, sim,
informou-me a distinta senhora que me atendeu naquela tarde. Seria possível não
somente adquiri alguns livros a preços módicos, mas, ao mesmo tempo, poderia
ficar recendo trimestralmente as publicações da academia, e por um preço que me
pareceu muito convidativo. E de fato o era. O valor cobrado era tão
insignificante que não pensei duas vezes em me inscrever como assinante daquela
casa de cultura.
Somente algum tempo depois, tomei
conhecimento de que aquela senhora tão educada e convincente, era a própria
esposa do presidente da casa. Tratava-se da senhora Delci Maria Tito. Era com
esse nome que ela assinava os recibos relativos ao valor que deveria pagar
sempre que seu enviado me procurava para entregar os três exemplares daquela
remessa, e também para receber o pagamento pela assinatura. Não restam dúvidas
de que as brochuras tinham um formato muito simples, quase artesanal. Agora
mesmo tenho em minhas mãos três desses livros que guardo com o maior carinho em
estantes da minha humilde biblioteca. Entre estes, “Curral de Serras”, romance
que muito me encantou pela sua prosa regionalista e que explorava o linguajar
do povo do sertão piauiense (“O senhor se sai com cada uma... E adota certas
manias, que cobram dificuldade de uma pessoa entender. O fato é que fico
desinquieta em noite de lua cheia, reparando o p’ra-lá-p’ra-cá das caminhadas
de vosmecê, medindo e desmedindo o tamanho do chão do terreiro”). Li de um só fôlego, tamanha foi a empatia com
o livro, cuja capa singela, mas ao mesmo tempo muito bonita, era da autoria da
própria Delci Tito, como pude constatar. Aquela admirável senhora era a
secretária da academia, fazia um trabalho monumental para comercializar a sua
produção literária, e ainda encontrava tempo para produzir as gravuras para as
capas de alguns livros.
O segundo livro é a segunda
edição do “Canto da Terra Mártires”, de Martins Vieira. Um soco no estômago que
me levou às alturas com poemas como A Fome (Ó provação – a fome!... Ó caos
tormentoso zumbido e doudejar de entranhas!... Timpanoso, o ventre constipado,
o fígado disforme e aquela sonolência incrível que não dorme?). Poema que atinge todos os nossos sentidos
vitais com suas palavras de fogo, ardentes, fazendo-nos culpados até mesmo
pelos erros que não cometemos, o que dirá das nossas próprias idiossincrasias.
Por fim, “Um Manicaca – Documento
de uma época”, livro de autoria do eterno presidente da agremiação, Arimatéia
Tito Filho, com capa também de Delci Tito. Livrinho interessante que mergulha
de cabeça na obra de autoria de Abdias Neves; história ambientada em Teresina,
e que retrata usos e costumes do final do século XIX, bem como os efeitos
devastadores da chamada Grande Seca iniciada em 1877. No pequeno livro, A. Tito
Filho se propõe a descrever a Teresina daquela época, seus usos e costumes,
como já informamos, mas também os termos, as gírias mais em voga naquele tempo,
além, é claro, de fazer uma descrição completa dos serviços públicos oferecidos
à coletividade, como acontece quando trata, logo no primeiro capítulo sobre O
Acendedor de Lampiões – “A primeira iluminação pública de Teresina verificou-se
em 1867. Limitada à praça da Constituição (hoje Deodoro), onde se achavam o
Palácio do Governo, a igreja matriz de N.S. do Amparo, e outros edifícios
públicos. Sete combustores de querosene sobre colunas de madeira... O serviço
tinha um arrematante, e competia a este contratar o acendedor dos lampiões,
que, diariamente, realizava o trabalho, servindo-se de escada”). Todos os
verbetes descritos por A. Tito Filho foram extraídos do romance de A. Neves.
Os três livros aqui descritos
tinham ainda algo em comum: a responsabilidade de suas impressões era da
COMEPI, a gráfica e editora do Estado, cuja qualidade, para os padrões de hoje,
eram por demais sofríveis, apesar de já possuirmos gráficas e editoras no país
que produziam com extrema qualidade. A gráfica
do estado não fazia colagens, mas sim grampeamento das páginas, e hoje esses
grampos estão enferrujados oxidam e apodrecem as páginas dos livros
editados. Entretanto, com toda essa
dificuldade, a APL produzia já seus livros, em pequenas tiragens, é bem
verdade, e fazia a distribuição aos seus poucos leitores.
Antes desse período ao qual me
refiro (início dos anos 80), na primeira metade da década de 70, o governo
Alberto Silva, tendo como ideólogo do projeto A. Tito Filho (me parece), andou
patrocinando a publicação de umas poucas dezenas de livros. E para isso
formalizou contrato com a Editora Artenova, de propriedade do empresário
piauiense, cuja sede ficava no Rio de Janeiro, Álvaro Pacheco. Foram relançadas
obras da maior importância para a história e a literatura piauiense como, por
exemplo, “Cronologia Histórica do Estado do Piauí, de F. A. Pereira da Costa;
Roteiro do Piauí, de Carlos Eugênio Porto, e Introdução à Revolução de 1964, de
Carlos Castelo Branco. Cito apenas esses três, entre duas dezenas de livros
publicados, pelo menos. A qualidade da impressão e do papel já era bem melhor,
contudo, o problema da colagem persistiu. Tive que mandar reencadernar todos os
exemplares que possuo.
Para não me estender muito no
texto, afirmo que anos depois apareceu o grande incentivador da cultura
piauiense, poeta e principal cronista da terra ainda a respirar pelas ruas da
cidade que tanto ama, professor Cinéas Santos e sua trupe. Criaram a editora
Corisco. Com a força das suas ideias revolucionárias e a fé de um beato do
saber, resgatou e publicou inúmeras obras que já haviam caído no esquecimento,
além de outras de autores novos que começavam a despontar no horizonte das
letras. Foi um feito grandioso, sem dúvidas. Já trabalhava com edições de
excepcional qualidade. Pelo que sei, ainda está na faina com a sua Oficina da
Palavra, e continua responsável por algumas publicações que dignificam a
cultura da terra.
Mais recentemente tivemos a
academia outra vez na vanguarda das publicações, trazendo ao sol excelentes
edições em parceria com a Fundac e o Detran. Já fazia uso de ótima qualidade de
impressão, além do costumeiro conteúdo, presidia a Casa, o piracuruquense
Manfredi Cerqueira. A Fundação Monsenhor Chaves, por sua vez, também editou
excelentes páginas da literatura piauiense, em especial expondo ao público
coletâneas de autores consagrados como Odilon Nunes e Monsenhor Chaves, em
edições volumosas e de ótimo acabamento.
Por fim, a própria Universidade
Federal do Piauí, através da sua editora própria, tem nos presenteado com obras
valiosíssimas de autores da terra que são um achado para quem sai à procura de
livros que falam sobre a história, os costumes e o modo de vida dos piauienses
de todos os quadrantes do nosso território. Melhoramos extraordinariamente
nesse quesito. Hoje, podemos dizer que o parque gráfico que temos, mas,
sobretudo as instituições voltadas para a cultura de um modo geral, têm feito
um papel grandioso no campo das letras e das artes, se consideramos o que vai
pelo país.
Contudo, é a Academia Piauiense
de Letras, aquela que tem feito um trabalho ciclópico nesse campo. Não vejo
ninguém nesse instante laborando nessa seara com tanto afinco e destemor. Obras
há muito tempo longe dos catálogos foram ressuscitadas em edições primorosas e postas
à disposição dos leitores em quantidades impressionantes. Esse trabalho que
assombra até mesmo quem nos observa lá do sul-sudeste rico deste país, e ficam
extasiados pela magnitude do seu tamanho, mas, em especial, pela qualidade
literária e editorial dos livros lançados às centenas, deve ficar se
perguntando como que de um estado tão pobre em recursos financeiro nasceu obra
tão gigantesca. Afinal, são aproximadamente duas centenas de livros lançado
desde 2012 quando o protejo do centenário da academia foi deflagrado. Coleção
Centenário e Coleção Século XXI trazendo o que há de mais significativo já
publicado no Estado. Começando o projeto na gestão do acadêmico Reginaldo
Miranda, ganhou este musculatura com Nelson Nery e sua diretoria composta pelos
arrojados Herculano Moraes, recentemente falecido, Zózimo Tavares, Elmar
Carvalho, Humberto Guimarães, Wilson Brandão, e pela comissão editorial
composta pelo já citado Reginaldo Miranda, Fonseca Neto e Divaneide Carvalho.
Foram produzidos livros à mãos cheias.
Não há, de fato, explicação para
tanto arrojo, para tanta dedicação, a não ser pela força de vontade e dedicação
dos membros da APL. É como se esses homens se reunissem, aos sábados, não para
tomar chá, mas para construir pontes sobre o mar de dificuldades que nos cerca.
E acredito que seja isso mesmo. Afinal, não temos o hábito de tomar chá por
estas brenhas mesmo. Aqui, nos reunimos para achar soluções para as nossas
enormes carências e pô-las em prática em marcha acelerada. Somos um estado
pequeno, talvez um dos mais pobres do país, mas não somos Lilliputianos. O
exemplo acima prova que não.
Pelo que parece, só temos
concorrentes nesse campo na Edusp, editora da USP, cuja parceria com a Editora
Itatiaia, lançou a Coleção Reconquista do Brasil; e na Editora do Senado
Federal. Duas instituições que trabalham com dinheiro público nos seus
orçamentos. Não consegui saber se alguma Academia de Letras de algum dos
estados deste Brasil rivaliza com a nossa APL. No próximo dia 30.12, já serão
102 anos de um trabalho que muito nos orgulha!
Dr. Araújo, parabéns pelo excelente. Uma justíssima homenagem aos imortais da ACP. Se o amigo não se opor, vou sugerir que o acadêmico Elmar Carvalho leia esse texto no próximo lançamento de livros que vier acontecer naquele Sodalicio.
ResponderExcluirDr. Araújo, parabéns pelo excelente. Uma justíssima homenagem aos imortais da ACP. Se o amigo não se opor, vou sugerir que o acadêmico Elmar Carvalho leia esse texto no próximo lançamento de livros que vier acontecer naquele Sodalicio.
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