terça-feira, 7 de janeiro de 2020

A poética alma de Alcenor Candeira Filho (*)





                 Nos últimos 23 anos, ou seja, pouco mais da metade da minha vida, eu ouço falar, seja da boca de professores, colegas e amigos, do grande escritor parnaibano Alcenor Candeira Filho, nascido em 10 de fevereiro de 1947, que, para muitos (e me incluo), é um dos poetas mais talentosos e produtivos de nosso estado. Em razão de minha admiração por sua escrita, sigo numa busca incansável para encontrar os livros que ainda me restam de sua vasta coleção, tanto de obras de sua autoria, como de coletâneas que participou. A minha coleção teve inicio desde que o conheci pessoalmente, em 2005, após meu retorno à Parnaíba após os estudos de graduação em terras sobralenses. De lá pra cá, tive o prazer de reencontrá-lo em diversos eventos, especialmente os que envolvem literatura, além da honra do seu apoio e participação nestes 12 anos de O Piaguí.

            Das conversas que tive com Alcenor, eu pude perceber o seu grande intelecto... Através de suas obras, eu consegui enxergar o seu coração... Mas confesso que foi nesta entrevista, gentilmente concedida por ele em sua residência, que pude visualizar, ou melhor, sentir a sua alma... Quando com o brilho no olhar, e depois de uma rápida viagem ao passado, ele passou a mostrar, a rica e bem organizada coleção de livros, principalmente de autores do Piauí, e como ele bem falou: Ano após ano, durante décadas, fui adquirindo, por isso tenho essa quantidade.

            Durante as lembranças do passado, ele discorreu sobre uma infância repleta de momentos maravilhosos, eu nasci e me criei numa casa grande, ali, na Avenida Presidente Vargas... Eu tive uma infância muito feliz, até porque a garotada, ali vizinha, terminava se reunindo no quintal lá de casa para jogar uma pelada, jogar isso ou aquilo... Alcenor também comenta o seu feliz inicio de contato com a literatura: Dei a sorte de nascer e crescer em uma casa que tinha vários livros, que eram do meu pai e da minha mãe, e desde muito jovem, eu passei a gostar de livros... Dostoievski, Machado de Assis, Hemingway, Euclides da Cunha, José de Alencar e muitos outros. Até hoje eu tenho uma paixão por leitura... É difícil o dia que vá dormir sem ter lido algo, preferencialmente literatura, história e política.


            O Escritor Alcenor só viria surgir em meados da década de 60, quando da sua estadia no Rio de Janeiro (por ocasião dos estudos de direito), porém o Poeta já despertava bem mais cedo, ainda nos tempos de escola: eu lembro dos primeiros poemas que declamei na vida, ainda no curso primário numa festinha da escola Santa Maria Gorete, dirigido pelas professores Assunção Freitas e Helena Freitas, dois poemas de um escritor romântico cearense, chamado Juvenal Galeno... Ainda me lembro dos versos iniciais de cada um destes poemas:

Minha jangada de vela,
Que vento queres levar?
Tu queres vento de terra,
Ou queres vento do mar?

Cajueiro pequenino, 
Carregadinho de flor, 
À sombra das tuas folhas 
Venho cantar meu amor,
Acompanhado somente
Da brisa pelo rumor,
Cajueiro pequenino,
Carregadinho de flor. 

            Porém, aos 12 anos, o seu universo de brincadeiras, jogos e livros foi estupidamente perturbado em razão da trágica morte do pai, assassinado em 11 de outubro de 1959: a partir daí, começaram os problemas existenciais, que persistem até hoje, porque é um trauma, que por mais que você esteja aberto ao perdão, como é o meu caso e de minha família... Estão todos perdoados... Mas o trauma fica... A pessoa morre com isso!

            Em meio à dor e ao luto, a vida teve que seguir, mesmo que de forma mais amarga, porém a sua capacidade resiliência, acrescida da força da literatura (sempre presente em sua vida) o fez terminar os estudos e ter uma brilhante atuação acadêmica e profissional.

            A escrita poética teve inicio ainda no Rio, mas depois continuei a fazer um poema aqui, outro acolá, sem muita pressa, porque eu nunca provoquei o poema, o poema é que me provoca... Não é que eu acredite muito em inspiração, eu acredito no trabalho, na expiração, como dizia João Cabral de Melo Neto... Mas o ideal mesmo é juntar as duas coisas: um pouco de inspiração, a motivação de escrever sobre aquele tema, e o trabalho, pois a poesia dá muito trabalho! Pelo menos para mim... A fim de alcançar os efeitos estéticos, estilísticos, que são indispensáveis para conferir aos versos a dignidade verdadeira... E sem nenhuma pretensão, eu busco alcançar esse objetivo.

            Alcenor retorna para Parnaíba, em 71, terra de onde nunca mais saiu, e por poucas vezes esteve longe, como me relatou, e a partir de então passou a atuar em campanhas políticas e em jornais e livros lançados na cidade e em nível de Piauí, seja à frente ou como participante, e dentre os jornais, cabe ressaltar o “Linguinha”: na passagem de 71 para 72, nós fizemos aqui, com uns amigos, um jornalzinho chamado Linguinha, jornal alternativo... E esse jornal, que não tinha pretensão nenhuma, e nem foi importante, mas de qualquer maneira está nos registros da história piauiense, como o primeiro jornal marginal ou alternativo do Piauí...

            Em 1977 surge o jornal Inovação (que teve 15 anos de circulação e recentemente um retorno em edição especial), Alcenor comenta: sem dúvida, o grande jornal da década de 70, o Inovação, que desempenhou, no meu entender, um papel muito importante na área politica, social, cultural, educacional... Era um jornal que focalizava todos esses assuntos de interesse da comunidade. Os grandes líderes deste jornal foram Reginaldo Costa e Franzé Ribeiro, e outros que se juntaram a estes grandes idealistas, Elmar Carvalho, Canindé Correia, Olavo Rebelo, esses nomes foram os que participaram comigo destas lutas sociais e politicas.

Claucio Ciarlini e Alcenor Candeira Filho

            O poeta, advogado e professor comentou sobre o cenário político da época, de censuras, ameaças e perseguição, mas ressaltou que não se deixou esmorecer no que condiz aos seus ideais: Eu sempre procuro votar segundo minhas convicções, sem nunca ter me considerado “dono da verdade”, mas sou dono dos meus princípios, eu não abro mão deles. Politicamente eu sigo mais uma linha de esquerda, do que de centro, e principalmente do que de direita... Sempre mantive essa postura, embora nunca tenha sido comunista ou filiado ao partido comunista... Também nunca fui filiado ao PT, e sim ao PTB, partido trabalhista brasileiro, que era o partido de que meu pai fazia parte, até quando foi assassinado. Mas tenho amigos que são do PT, e temos uma boa convivência, sem problema algum.

            Ainda na década de 70, Alcenor lembra do triste acontecimento que foi a destruição da Praça da Graça: evento que marcou muito, não só minha geração, mas a Parnaíba como um todo... foi um ato muito doido... infeliz mesmo, do Batista Silva (prefeito na época), e até hoje nós pagamos por isso e vamos pagar o resto da vida... pois não há como reestabelecer a Praça anterior.

            Sobre os dias atuais, a Parnaíba tem investido muito na área de serviços de educação e saúde e isso foi muito bom, porque se ela não recuperou, o prestigio que tinha na área industrial e comercial, ela avançou bastante na saúde e educação... Haja vista, esses setores são hoje referências do estado e cidades circunvizinhas.

            Sobre as gerações literárias: sempre surgem e surgirão os representantes da cultura, que representam a esperança da cultura em nossa cidade, foi assim na minha geração, a de 70, também foi assim em 80, em 90 e agora 2000, que veio você e o pessoal que você reuniu em torno da coletânea Versania.

            O amor de Alcenor Candeira Filho por Parnaíba é notório, tanto na sua atuação todas essas décadas em prol da cidade, em várias esferas, e principalmente visível em suas obras, “Parnaiba, meu Universo e o Crime da Praça da Graça”: fora isso, eu tenho um livro inédito, Estudos de literatura parnaibana, que um dia será publicado, se Deus quiser!

            E foi com o espirito enriquecido de literatura e esperança, que me despedi deste grande escritor, cuja amizade muito me honra e de quem pude aprender bastante, não só através de sua inspirada literatura, mas de sua alma de leitor e colecionador... Um ser humano que ama sua terra, um poeta ainda vivo, mas que já alcançou a eternidade, através de sua criatividade e talento sem limites.

(*) Texto publicado originalmente no jornal O Piaguí.

Claucio Ciarlini (2019)   

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