terça-feira, 14 de janeiro de 2020

DEPOIS DO GINASIAL, VOO PARA FORA DO NINHO




DEPOIS DO GINASIAL, VOO PARA FORA DO NINHO

José Pedro Araújo
Cronista, contista, romancista e historiador

Já discorri aqui neste espaço sobre a minha vida estudantil no inesquecível Colégio Presidente Dutra onde cursei o meu ginasial. Mas falei muito pouco sobre o que aconteceu depois disto. Faço isto agora muito mais para que não me caia no esquecimento do que propriamente como fonte de informação que, acredito, interessar a poucas pessoas, além dos da minha família ou alguns amigos. De qualquer forma, algumas pessoas podem até mesmo relembrarem que trilharam caminho parecido ao meu e voltarem um pouco ao seu próprio passado, e nesse retroceder no tempo saírem colhendo fiapos de memória do começo de suas vidas.

Naqueles tempos, ano primeiro da década de setenta, levávamos quase um dia inteiro para vir de Presidente Dutra a Teresina, apesar de já possuirmos rodovias e veículos automotor. No começo de março, diploma do ginásio embaixo do braço, embarcamos em um velho ônibus com a carroceria de madeira com destino a Teresina. Era nesta cidade que iríamos prosseguir com os estudos. O velho misto do Galinha sacolejava em baixa velocidade pelo piso irregular da estrada poeirenta atrasando a viagem e prorrogando o tempo de sofrimento. A saudade já devidamente agasalhada no peito fazia o coração sangrar. Sabia que dificilmente retornaria para casa em definitivo outra vez. Como de fato ocorreu.

O trecho da BR 135 não era asfaltado ainda, e muito menos a parte da MA-026 que tomamos no Triângulo e que nos conduziria até o Povoado 17. Ali tínhamos contato, pela primeira vez, com o asfalto da BR 316, estrada que faz a ligação Peritoró à Teresina, fugindo da poeira terrível que nos sufocava. Viagem demorada e que levava cerca de dez horas, comendo a dita poeira e padecendo de maus-tratos dos solavancos do velho Chevrolet misto. Reclamo do desconforto, mas já era um avanço significativo. Era o que diziam as pessoas que precisavam de três dias para fazerem o mesmo trajeto somente até Caxias no lombo de um animal de sela. Nessa minha primeira viagem o velho ônibus do Galinha quebrou uma roda logo que ultrapassamos a cidade de Caxias em direção a Teresina. E nós, que havíamos embarcado no ponto inicial da viagem às cinco da matina, só chegamos à margem do Parnaíba quando a noite já era velha. Menos mal que as luzes da cidade sobre as águas do Velho Monge me encantaram para sempre.

O dia seguinte me encontrou subindo a escadaria do velho Liceu Piauiense, também conhecido como Colégio Estadual Zacarias de Góis. Ia em busca de informações sobre o material escolar que iria precisar, e do fardamento, além de outras informações pertinentes. Fiquei impressionado com a majestosa imponência do prédio que abrigava o colégio. Era ali que eu deveria passar os meus próximos dois anos de aprendizagem e isso sem conhecer vivalma. Tímido como sempre fui, confesso que fiquei um pouco amedrontado com o desafio que tinha à minha frente, pois a fama da escola era a de que possuía os melhores professores e exigia muito de seus alunos. Ali também teria contato pela primeira com matérias que nunca havia estudado, como física, química e biologia, além de me debruçar com uma matemática mais avançada, diferente mesmo de tudo o que já havia visto até então.

Some-se a isto o fato de estar saindo de casa pela primeira vez, e isso era o que me causava mais apreensão. Não foi fácil encarar tudo isso. A saudade dos meus, dos lugares que costumava frequentar, a falta dos amigos e, inicialmente, o contato com disciplinas tão desconhecidas para mim, se constituiu em um fardo de considerável peso para um jovem que ainda não havia completado os seus quinze anos. Fui um aluno apenas razoável nos dois primeiros anos, confesso. E a maior culpa disto jogo nas minhas próprias costas; não me dediquei o suficiente.

Por outro lado, o colégio havia perdido muito da qualidade que o fizera granjear tanta fama. A maioria dos bons professores que lá ensinavam, e que haviam feito o educandário chegar a um bom patamar, não estava mais em atividade, e os novos mestres tinham que conviver com baixos salários e não frequentavam muito as salas de aulas, uma vez que tinham que ministrar aulas em outros estabelecimentos para conseguirem sobreviver na profissão. Depois, ainda tínhamos as reformas processadas no ensino que o fizeram piorar em muito o que já não era tão bom. Por tudo isso, atrevo-me a dizer que sem a presença efetiva e responsável de um professor, dificilmente irão os alunos se aprofundar com a necessária responsabilidade nos livros e colher deles o que necessitam. A necessidade de bons professores ainda é uma constatação. Mas, para isto, precisam receber salários compatíveis com a sua importante função que é a de fazer com os alunos se dediquem com afinco aos livros e deles extraiam o que necessitam. Sem a presença deles em sala de aula, nada feito, tudo é utopia e discurso vazio. 

O fato é que logo me aclimatei com os novos colegas e com as novas matérias. Vivíamos um período de mudanças profundas no mundo e essas novidades meio que atrapalhavam os estudos daqueles jovens imberbes e curiosos como eu. Como se ainda fosse necessário.

Naquele tempo, por conseguinte, o velho Liceu já estava na descendente, perdia qualidade e se debatia com todas as dificuldades que fariam com que se encaminhasse para se igualar por baixo com as demais escolas públicas da cidade. No que pese isto, somente o Diocesano, o Colégio das Irmãs e a Escola Técnica possuíam melhor padrão de ensino na cidade. Ainda. Não esperei para ver para onde se encaminhava. E terminei me transferindo no terceiro ano para outro Liceu, o de São Luís. As notícias que eu tinha daquela instituição de ensino eram as melhores possíveis. Ainda não havia caído na vala comum do ensino público estadual no país. E essa mudança me trouxe muitos ganhos. Provou que eu estava certo em mudar.

De fato, o Liceu Maranhense ainda oferecia um ensino de ótima qualidade na época. Tive que correr mais que os outros colegas, é bem verdade, estudar muito mais para aprender tudo que deixara para trás nos dois primeiros anos do científico para poder acompanhar o ritmo de aprendizagem que se desenvolvia no terceiro ano. Ao custo de muito esforço terminei por conseguir. E isso foi muito bom para a minha vida futura.

Somente então, aprendi, de fato, a me dedicar aos estudos com responsabilidade e sabedoria.  Passar no vestibular, por conseguinte, foi um passo que dei com certa facilidade, apesar da concorrência não ser pequena. A UFRPE, Universidade Federal Rural de Pernambuco, foi a minha escolha. E sobre isso, acho que já falei um pouco.   

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