QUANDO FIZ SESSENTA ANOS AGORA QUE JÁ COMPLETEI SETENTA E
QUARO ANOS
Fragmentos de memórias
Cunha e Silva filho
A meus filhos Francisco Neto e Alexandre
Queridos amigos e amigas!
Certas datas
de aniversário são importantes, como o primeiro aniversário de uma criancinha,
a data dos quinze anos(sobretudo para as debutantes ), dos cinquenta, dos
sessenta. Paro aqui porque ainda espero outras etapas. Completo sessenta, na
realidade, já os completei no dia 7 deste mês de dezembro. No entanto, o que
vale é a ação, a intenção, o valor simbólico demarcado.
Vou seguir um
conselho de minha esposa. Se cheguei a esta idade deve ter sido por vontade
divina. Descobri, nesta nova fase de vida, que a Arte, sem o viver é
incompleta. Vou, pois, completar-me com a Arte (especialmente com a arte
literária, com a Literatura). Tenho amigos e conhecidos que não gostam de dizer
a sua idade verdadeira. Eu não me importo com isso . A Arte, em todas as suas
manifestações, equivale a viver com júbilo, emoção, plenitude, dignidade.
Meu pai,
Cunha e Silva (1905-1990) em carta, me confessou que aos sessenta se viu
chamado pela musa Calíope. Segundo ele, poesia nele brotou diante da “amarguras
da vida. Eu, ainda que com amarguras, não vou me tornar poeta, não obstante
tenha, de forma bissexta, incursionado pelo terreno poético com alguns poucos
poemas de menor “voltagem, ” poemas circunstanciais, diria melhor, presunção de
jovens que pensam fazer tudo no campo literário. Vou, porém, continuar meus
estudos literários aliando o prazer da análise ao julgamento estético.
No mundo a
criação artística, o ponto final só se dá com a nossa passagem do domínio
terreno para o da dimensão do espírito. Claro que sentimos o fluir dos dias,
meses, anos, décadas e séculos;Por outro lado, a temporalidade é pejada de
subjetividade. Eis por que, no nosso particular mundo interior, não nos
percebemos velhos e descartáveis.
A nossa
velhice está nos outros através dos rótulos e das discriminações .Uma vez minha
mãe Ivone, uma bela mulher, me falou que, à altura dos setenta anos, não se
sentia idosa. Sentia-se sempre plenamente remoçada. Meu pai, por sinal também,
nunca deixou escapar qualquer resquício de sentimento negativo com a vida de
idos, mesmo ao chegar aos oitenta anos. Por que essa atitude? Porque ele e
mamãe amavam a vida e tinham ainda sonhos e esperança em dias melhores.
Gilberto Freyre
(1900-1987), notável sociólogo brasileiro, certa vez formulou a ideia de um
tempo tríbio - um tempo que para ele somaria o passado, o presente e o futuro
numa espécie de fusão de temporalidades, nas quais a sensação resultaria num
eterno presente, como forma de não nos apegarmos tão-somente, ao meu juízo, com
a preocupação das apreensões do futuro. Tal sensação, ou melhor, percepção
desse eterno presente, seria uma maneira de nos sentirmos dentro da
contemporaneidade. Não vejo, assim, coisa mais saudável ao espírito para
regressarmos ao passado com saudades e aproveitar o presente da melhor forma
possível.
Um texto
límpido e fascinante do psiquiatria Augusto Cury, numa abertura a um capítulo
do livro Pais brilhantes, Professores fascinantes 7 ed.( Rio de Janeiro:
Sextante, 2003,p. 103) há o seguinte pensamento: “Se o tempo envelheceu o seu
corpo mas não envelheceu a sua emoção, você será sempre feliz.”
Essa emoção não
a quero perder visto, porquanto não entendo a vida sem a emoção, como não a
entendo sem o choro, a sensibilidade, a solidariedade e a dor do outro. Isso
não é pieguismo inócuo, porém demonstração inequívoca de que alguém se toca
diante de fatos e acontecimentos que nos fazem vibrar de alegria, chorar de
emoção ou chorar pela tristeza alheia. Por isso, a arte da comédia, a arte do
drama e da tragédia têm seus fundamentos derivados do riso, do ridículo e da
catarse.
Reunindo vocês
aqui, amigos queridos e diletos de longa data, amigos mais novos, de coração
lhes agradeço pelo carinho de suas presenças no playground do meu prédio. Aqui
tenho amigos, cujos laços cada vez mais se estreitaram ao longo do tempo, como
da mesma forma tenho nesse recinto outros amigos mais recentes que tive o grato
prazer de com eles travar amizade sincera.
Para concluir,
espero que se sintam como se estivessem em suas casas. Tenho dito.
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