terça-feira, 16 de junho de 2020

O GOLPE DOS GENERAIS




O GOLPE DOS GENERAIS

Antônio Francisco Sousa
Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)     

                 Tinha a nítida sensação de que algo queimava; senão, de onde viria aquele odor de fumaça? Como sempre onde há fumaça, há fogo, fui examinar: na casa do vizinho, nada; na minha, idem. Estranho. Quis acordar a mulher...

                Nem precisou: o despertador, que sempre coloco para uma hora antes de me mandar para o trabalho, acabara de tocar. Como a patroa perdera, no par ou ímpar, o direito de fazer a toalete antes de mim, ficaria se atualizando nas redes sociais, enquanto me aguardava. A campainha do porteiro eletrônico anunciava que nossa secretária doméstica chegara e que, portanto, já se lhe poderia abrir a porta. Do banheiro, quis perguntar quem estava lá fora. Não o fiz porque, invariavelmente, pela manhã, na hora do desjejum, nossa funcionária era assunto da patroa. Mas consultei a esposa se ela havia sentido um cheirinho de fumaça. Não, foi sua resposta; seguida de: que loucura, homem!

                Ao sair do banheiro, toca meu celular: do chefe, e ele que era um poço de tranquilidade, parecia afobado: queria saber se eu já estava a caminho da repartição ou não. Ainda não, respondi-lhe. Pois venha com cuidado – como se falasse protegendo a boca para a voz não ir muito longe -, evite as vias conhecidas e, ah! não esquecesse a carteira de identificação funcional. Estranhos conselhos, complementados por um: melhor pedir um táxi e deixar o carro em casa. Aqui conversaremos. Queremos fazer uma reunião com todos para decidirmos sobre nossas próximas ações. Quis tentar que me adiantasse alguma coisa, mas ele disse, conclusivamente: melhor não, paredes e celulares têm ouvido. Até mais!

                Ir de táxi, não levar nem os documentos do carro? Decidi, então, também não levar minha pasta, apenas o token e a chave do armário. Não falei nada à mulher, que tampouco estranhou o fato de estar pedindo táxi. É que, quando fico sem carro, ela costuma me levar no dela. Mas tudo bem.

                Desci do táxi no local onde sempre fico quando vou em um. Nunca vira tanto militar por ali e nas imediações. Com um ou outro conhecido, ao longo do trajeto, fui impedido de puxar conversas por meganhas, que sinalizavam para seguir em frente. Só faltava aquilo! Já começava a me irritar. Não sei por que razão decidi esconder a identidade funcional.

                Nas entradas da repartição, soldados a balde, pesadamente armados, inspecionam todos que queriam entrar. Documentos, pediram-me. Apresentei-lhe minha identidade civil e o crachá, mas já injuriado com o inusitado da situação. E a identidade funcional, cadê? Um deles questionou. Ficou em casa, esqueci. Algum problema? O sujeito me olhou de esguelha. Não fez nada, talvez em respeito às minhas cãs. Deveria haver trazido.... Eu sempre trago, cidadão... Caso para entrar tenha que ir pegá-la, vou. Demorarei um pouco, porque vim com minha senhora e ela já se foi... Se me permitir que fale com o chefe, que deve estar me esperando para uma reunião, em seguida, volto à minha casa e trago o documento. Suba, se precisar, alguém lá em cima decidirá o que fazer. Pelo crachá, percebeu que poderia usar arma e me perguntou se estava armado. Disse-lhe que não. Mais uma pergunta idiota dele e eu, certamente, seria preso por desacato.

                Na porta de minha sala, um oficial coberto de insígnias, gemas e estrelas, autorizava ou não a entrada. Dois colegas estavam do lado de fora, mas não pude saber o motivo de estarem ali e não dentro dela. Entrei.

                Todos os companheiros em seus locais de trabalho, mas com os PCs desligados. O chefe, sem mais nada acrescentar, falou-me que estavam aguardando a chegada do coronel fulano de tal, que seria quem nos diria o que faríamos. Estranhou o fato de dois colegas ainda não haverem chegado. Não saberia dizer por que, mas baixinho, disse-lhe que eles estavam lá fora. O chefe coçou e baixou a cabeça, pediu-me que sentasse e se calou. 

                Dali a pouco o oficial que cuidava da porta da sala entrou e disse para todos, juntos, subirmos até o auditório do edifício. Na saída, não vi mais os colegas que haviam ficado do lado de fora. Mas... se era para irmos juntos...?

                No auditório, muito bem guardado e vigiado, talvez fosse um general, mandava a todos que chegavam sentarem-se e permanecerem em silêncio. Confesso que já não aguentava tanto nhenhenhém. O sujeito parecia ter lido meus pensamentos, porque, usando a palavra, declarou: senhores e senhoras, fiquem tranquilos que nada lhes acontecerá. Curto e grosso, afirmou: o governo caiu, estamos agora, as forças armadas, no comando. Logo teremos notícias mais atualizadas para lhes dar. O general que responderá pelo poder executivo no estado está, neste momento – olhando o relógio -, conversando com o governante e seu staff, também com o prefeito da capital, para avisá-los das providências subsequentes. Vocês ficarão neste recinto até que ordens superiores cheguem até aqui. Sem perguntas, estamos entendidos? Claro que não, cidadão!

 Foram as quatro palavras de que me lembro haver dito, antes que o despertador me acordasse de fato. Estivera sonhando? Que loucura! Então, relembrei das últimas notícias lidas na noite anterior: a primeira dava conta de que as especulações e diatribes do presidente da república, poderiam esconder intenções escusas e mancomunadas com os generais, visando darem um golpe militar; outra fora que o filósofo guru do governo, horas antes, mandara ele e sua raça para o inferno e, quanto às comendas que lhe concedera, aconselhou-o que as colocasse no orifício que se localiza no final do cóccix. E disse mais o ex-mentor: que poderia derrubá-lo do governo. Estava, pois, explicado o pesadelo. Ainda bem. 

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