O
GOLPE DOS GENERAIS
Antônio Francisco Sousa
Auditor Fiscal (afcsousa01@hotmail.com)
Tinha a nítida sensação de que algo queimava;
senão, de onde viria aquele odor de fumaça? Como sempre onde há fumaça, há
fogo, fui examinar: na casa do vizinho, nada; na minha, idem. Estranho. Quis
acordar a mulher...
Nem
precisou: o despertador, que sempre coloco para uma hora antes de me mandar
para o trabalho, acabara de tocar. Como a patroa perdera, no par ou ímpar, o
direito de fazer a toalete antes de mim, ficaria se atualizando nas redes
sociais, enquanto me aguardava. A campainha do porteiro eletrônico anunciava
que nossa secretária doméstica chegara e que, portanto, já se lhe poderia abrir
a porta. Do banheiro, quis perguntar quem estava lá fora. Não o fiz porque,
invariavelmente, pela manhã, na hora do desjejum, nossa funcionária era assunto
da patroa. Mas consultei a esposa se ela havia sentido um cheirinho de fumaça.
Não, foi sua resposta; seguida de: que loucura, homem!
Ao
sair do banheiro, toca meu celular: do chefe, e ele que era um poço de
tranquilidade, parecia afobado: queria saber se eu já estava a caminho da
repartição ou não. Ainda não, respondi-lhe. Pois venha com cuidado – como se
falasse protegendo a boca para a voz não ir muito longe -, evite as vias
conhecidas e, ah! não esquecesse a carteira de identificação funcional.
Estranhos conselhos, complementados por um: melhor pedir um táxi e deixar o
carro em casa. Aqui conversaremos. Queremos fazer uma reunião com todos para
decidirmos sobre nossas próximas ações. Quis tentar que me adiantasse alguma
coisa, mas ele disse, conclusivamente: melhor não, paredes e celulares têm
ouvido. Até mais!
Ir
de táxi, não levar nem os documentos do carro? Decidi, então, também não levar
minha pasta, apenas o token e a chave do armário. Não falei nada à mulher, que
tampouco estranhou o fato de estar pedindo táxi. É que, quando fico sem carro,
ela costuma me levar no dela. Mas tudo bem.
Desci
do táxi no local onde sempre fico quando vou em um. Nunca vira tanto militar
por ali e nas imediações. Com um ou outro conhecido, ao longo do trajeto, fui
impedido de puxar conversas por meganhas, que sinalizavam para seguir em
frente. Só faltava aquilo! Já começava a me irritar. Não sei por que razão
decidi esconder a identidade funcional.
Nas
entradas da repartição, soldados a balde, pesadamente armados, inspecionam
todos que queriam entrar. Documentos, pediram-me. Apresentei-lhe minha identidade
civil e o crachá, mas já injuriado com o inusitado da situação. E a identidade
funcional, cadê? Um deles questionou. Ficou em casa, esqueci. Algum problema? O
sujeito me olhou de esguelha. Não fez nada, talvez em respeito às minhas cãs.
Deveria haver trazido.... Eu sempre trago, cidadão... Caso para entrar tenha
que ir pegá-la, vou. Demorarei um pouco, porque vim com minha senhora e ela já
se foi... Se me permitir que fale com o chefe, que deve estar me esperando para
uma reunião, em seguida, volto à minha casa e trago o documento. Suba, se
precisar, alguém lá em cima decidirá o que fazer. Pelo crachá, percebeu que
poderia usar arma e me perguntou se estava armado. Disse-lhe que não. Mais uma
pergunta idiota dele e eu, certamente, seria preso por desacato.
Na
porta de minha sala, um oficial coberto de insígnias, gemas e estrelas,
autorizava ou não a entrada. Dois colegas estavam do lado de fora, mas não pude
saber o motivo de estarem ali e não dentro dela. Entrei.
Todos
os companheiros em seus locais de trabalho, mas com os PCs desligados. O chefe,
sem mais nada acrescentar, falou-me que estavam aguardando a chegada do coronel
fulano de tal, que seria quem nos diria o que faríamos. Estranhou o fato de
dois colegas ainda não haverem chegado. Não saberia dizer por que, mas
baixinho, disse-lhe que eles estavam lá fora. O chefe coçou e baixou a cabeça,
pediu-me que sentasse e se calou.
Dali
a pouco o oficial que cuidava da porta da sala entrou e disse para todos,
juntos, subirmos até o auditório do edifício. Na saída, não vi mais os colegas
que haviam ficado do lado de fora. Mas... se era para irmos juntos...?
No
auditório, muito bem guardado e vigiado, talvez fosse um general, mandava a
todos que chegavam sentarem-se e permanecerem em silêncio. Confesso que já não
aguentava tanto nhenhenhém. O sujeito parecia ter lido meus pensamentos,
porque, usando a palavra, declarou: senhores e senhoras, fiquem tranquilos que
nada lhes acontecerá. Curto e grosso, afirmou: o governo caiu, estamos agora,
as forças armadas, no comando. Logo teremos notícias mais atualizadas para lhes
dar. O general que responderá pelo poder executivo no estado está, neste
momento – olhando o relógio -, conversando com o governante e seu staff, também
com o prefeito da capital, para avisá-los das providências subsequentes. Vocês
ficarão neste recinto até que ordens superiores cheguem até aqui. Sem
perguntas, estamos entendidos? Claro que não, cidadão!
Foram as quatro palavras de que me lembro
haver dito, antes que o despertador me acordasse de fato. Estivera sonhando?
Que loucura! Então, relembrei das últimas notícias lidas na noite anterior: a
primeira dava conta de que as especulações e diatribes do presidente da
república, poderiam esconder intenções escusas e mancomunadas com os generais,
visando darem um golpe militar; outra fora que o filósofo guru do governo,
horas antes, mandara ele e sua raça para o inferno e, quanto às comendas que
lhe concedera, aconselhou-o que as colocasse no orifício que se localiza no
final do cóccix. E disse mais o ex-mentor: que poderia derrubá-lo do governo.
Estava, pois, explicado o pesadelo. Ainda bem.
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