sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Gérson, meu filho



Gérson, meu filho 

Carlos Rubem 

Há exatos 28 anos, veio ao mundo o meu filho Gérson, na Maternidade Evangelina Rosa, em Teresina. Assisti  e fotografei o seu nascimento. Estive o tempo todo no centro cirúrgico. Momentos de tensão nervosa. Logo que o colocaram num pequeno leito com a cabeça declinada para baixo, ao me aproximar para lamber a cria, ela fez uma boa comigo: mijou tão forte que atingiu o meu rosto. Moleque danado, exclamei!


Gérson Oeirense Lopes Reis. O seu prenome foi dado em homenagem ao meu inesquecível tio Gerson Campos, poeta, falecido no dia 11.02.73, aos 39 anos incompletos, vítima de ataque cardíaco, após o gol da virada (2X1) do time de Oeiras (técnico) em cima do selecionado de Floriano pelo campeonato intermunicipal de futebol, cujo estádio que leva, hoje, o seu nome.


Na porta do apartamento em que ficou internada a parturiente (Dirce) e o nosso rebento, coloquei à mostra “Operação Cesariana”, poema de autoria do meu estimado padrinho José Expedito Rêgo, médico e escritor. Visitantes, médicos, enfermeiros, enfim, todos que se interessaram, tiveram a oportunidade de lê-la. Muitos me comentaram sobre a aludida mensagem literária.


No dia em que deixamos aquela casa de saúde, achei por bem retirá-la da porta. Neste momento, eis que me aparece uma linda jovem, gente humilde, que havia dado à luz uma criança, uma interna de enfermaria, pedindo-me referido poema, no que lhe atendi prontamente. Agradeceu-me com um largo sorriso. Usando um transparente vestido, seios prenhes de leite, saiu lendo-o corredor afora. Foi uma cena impactante! Desci os degraus da maternidade tendo a certeza de que uma obra artística pertence mesmo a quem dela necessita. Não me perdôo: deveria ter levantado informação daquela mãe que ficou embevecida com a leitura de “Operação Cesariana”


Fazendo o registro deste fragmento, parabenizo o aniversariante, a desconhecida mãe, a memória do meu tio NORGES (seu anagrama que usava), e do autor daquele belo poema adiante transcrito:


Desliza o bisturi sobre a pele macia...

Gotas rubras rorejam na deiscência branca.

Uma pinça hemostática estala metálica

e estanca o sangue.


Prossegue a operação, metódica, pausada.

No silêncio da sala

manchas de som retinem do aço do instrumental.

Gritos de sangue vivo partem das compressas.


Há no ambiente uma seriedade

igual à que antecede

o ato de amor.


Os olhos do cirurgião não desviam

do campo operatório.

Suas mãos emitem ordens

em silêncio atendidas.


Quando o útero é rompido, a natureza revolta-se.

É uma agressão às suas leis.

Ao mesmo tempo sente-se orgulhosa

por ter criado o cérebro do Homem

que repara suas falhas...


E da vida que brota, entre pinças e gazes,

parte o primeiro choro – é um grito de espanto

de quem, logo ao nascer, vê o mundo primeiro

através de uma névoa do sangue

da própria mãe.    

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