Gérson, meu filho
Carlos Rubem
Há exatos 28 anos, veio ao mundo o meu filho Gérson, na Maternidade Evangelina Rosa, em Teresina. Assisti e fotografei o seu nascimento. Estive o tempo todo no centro cirúrgico. Momentos de tensão nervosa. Logo que o colocaram num pequeno leito com a cabeça declinada para baixo, ao me aproximar para lamber a cria, ela fez uma boa comigo: mijou tão forte que atingiu o meu rosto. Moleque danado, exclamei!
Gérson Oeirense Lopes Reis. O seu prenome foi dado em homenagem ao meu inesquecível tio Gerson Campos, poeta, falecido no dia 11.02.73, aos 39 anos incompletos, vítima de ataque cardíaco, após o gol da virada (2X1) do time de Oeiras (técnico) em cima do selecionado de Floriano pelo campeonato intermunicipal de futebol, cujo estádio que leva, hoje, o seu nome.
Na porta do apartamento em que ficou internada a parturiente (Dirce) e o nosso rebento, coloquei à mostra “Operação Cesariana”, poema de autoria do meu estimado padrinho José Expedito Rêgo, médico e escritor. Visitantes, médicos, enfermeiros, enfim, todos que se interessaram, tiveram a oportunidade de lê-la. Muitos me comentaram sobre a aludida mensagem literária.
No dia em que deixamos aquela casa de saúde, achei por bem retirá-la da porta. Neste momento, eis que me aparece uma linda jovem, gente humilde, que havia dado à luz uma criança, uma interna de enfermaria, pedindo-me referido poema, no que lhe atendi prontamente. Agradeceu-me com um largo sorriso. Usando um transparente vestido, seios prenhes de leite, saiu lendo-o corredor afora. Foi uma cena impactante! Desci os degraus da maternidade tendo a certeza de que uma obra artística pertence mesmo a quem dela necessita. Não me perdôo: deveria ter levantado informação daquela mãe que ficou embevecida com a leitura de “Operação Cesariana”
Fazendo o registro deste fragmento, parabenizo o aniversariante, a desconhecida mãe, a memória do meu tio NORGES (seu anagrama que usava), e do autor daquele belo poema adiante transcrito:
Desliza o bisturi sobre a pele macia...
Gotas rubras rorejam na deiscência branca.
Uma pinça hemostática estala metálica
e estanca o sangue.
Prossegue a operação, metódica, pausada.
No silêncio da sala
manchas de som retinem do aço do instrumental.
Gritos de sangue vivo partem das compressas.
Há no ambiente uma seriedade
igual à que antecede
o ato de amor.
Os olhos do cirurgião não desviam
do campo operatório.
Suas mãos emitem ordens
em silêncio atendidas.
Quando o útero é rompido, a natureza revolta-se.
É uma agressão às suas leis.
Ao mesmo tempo sente-se orgulhosa
por ter criado o cérebro do Homem
que repara suas falhas...
E da vida que brota, entre pinças e gazes,
parte o primeiro choro – é um grito de espanto
de quem, logo ao nascer, vê o mundo primeiro
através de uma névoa do sangue
da própria mãe.
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