Antonio Andrade Filho, Irmão Turuka. Foto cedida por Simão Pedro Andrade, filho do escritor
O CRONISTA TURUKA E A GERAÇÃO
LITERÁRIA DE 1970
Celson Chaves
Escritor, historiador e professor
O Jornal A Luta foi o principal
veículo de informação impresso de Campo Maior no século XX. Sua importância
mede-se não apenas pelo número de edições publicadas e o longevo período de
circulação, mas pela proeza de reunir um seleto grupo de escritores, uns
jovens, outros nem tanto; num movimento de divulgação da literatura local. Em
torno do periódico, formou-se uma geração literária.
O A Luta foi responsável por um
movimento literário espontâneo nunca mais repetido no jornalismo de Campo
Maior. Da poesia ao romance. Dos vários gêneros literários contemplados, a
poesia se sobressaiu pela variedade e quantidade. Muitos escritores iniciaram a
atividade literária no A Luta. Diversos talentos revelados. O poeta Elmar
Carvalho e o cronista Antonio Andrade Filho (Irmão Turuka) foram uns deles.
Dos cronistas atuantes no
periódico, vale ressaltar, Antonio Andrade Filho, José Francisco Bona, Marion
Saraiva e Teresinha de Jesus Oliveira Nascimento. Os cronistas anônimos também
fizeram presentes no jornal escondendo-se por trás de pseudônimos para
denunciar os problemas da cidade de ordem urbana e social, comportamentos
supostamente imorais e crítica às autoridades municipais.
Mesmo vivendo sob o manto da censura militar, nenhum escritor sofreu perseguição política por conta do que escreveu. Eles evitavam comentar sobre política nacional. Até certo ponto, a Geração do A Luta foi conservadora, sobretudo no aspecto político. Pouquíssimos opinavam sobre o impacto político do regime militar na vida das pessoas. Escrever era perigoso, publicar mais ainda. Muitos campo-maiorenses já tinham sido importunados pela polícia, presos ou interrogados por expressarem opinião contrária à ditadura militar. Até escritores e jornalistas mais afoitos, como Raimundo Antunes Ribeiro e Zeferino Alves Neto não ariscaram cometer tão grave erro.
Muitos dos escritores da Geração
do A Luta eram ecléticos. Escreviam um pouco de tudo. Marion Saraiva e Teresinha
de Jesus Oliveira Nascimento enveredaram para a poesia, crônica, conto e
história. As mulheres tiveram uma participação significativa no periódico. Eram
dinâmicas, intimistas e criativas. Dentre os homens, destaca-se Elmar Carvalho
(poesia), José Cunha Neto (cordel), José Miranda Filho (romance), José
Francisco Bona e Irmão Turuka (crônica).
A Geração do A Luta
caracteriza-se por um grupo de escritores e jornalistas focados nos problemas
da cidade, preocupados com questões política e social de cunho local,
ideológica, questões religiosas, assim como os centrados apenas na literatura.
Era rico o cenário literário
estampado nas páginas do jornal A Luta. A frenética década de 1970, com suas
inúmeras novidades e atrativos assustavam os escritores mais conservadores. A
modernidade em curso não quebrava apenas a rotina da pacata cidade, mas abalava
os alicerces e os costumes de uma sociedade extremamente religiosa.
Campo Maior saia do isolamento. A
prosperidade econômica do município atraia todo tipo de forasteiro. Novas
visões de mundo foram implantadas. O cineteatro, os clubes, a zona do
meretrício, o namoro nas praças, às tendências subversivas na moda, na música e
na própria literatura abriam o horizonte da juventude campo-maiorense desejosa
por novidades e aventuras. Os anos
rebeldes dos anos 50 chegavam tardio a Campo Maior.
A crônica campo-maiorense da
década de 1970 refletiu tudo isso. Porém, seu papel maior foi na construção de
um repertório literário para a história local. Um rico manancial de informações
sobre Campo Maior da primeira metade do século XX. O sentimento saudosista da
historiadora Marion Saraiva e do cronista Irmão Turuka foram responsável por
parte dessa produção. Hoje, toda essa massa documental está sendo largamente
utilizada em pesquisas acadêmicas.
Antônio Andrade Filho participou
da geração literária do A Luta numa linha ideológica mais próxima de Marion
Saraiva, Cunha Neto e, sobretudo Octacílio Eulálio, quando o assunto era
salvaguardar o catolicismo e os bons costumes das tentações do mundo moderno,
do avanço do protestantismo.
Irmão Turuka era maçom kardecista. Sua religiosidade refletia na produção literária. A Geração do A Luta era composta por católicos, maçons e kardecistas. Não havia protestantes. O grupo era coeso, apesar da existência de pensamentos diferentes. O respeito intelectual prevalecia entre os membros do jornal.
A participação do Irmão Turuka no
jornal A Luta restringiu mais a crônica que o jornalismo propriamente dito.
Publicou trinta e dois textos, segundo o historiador José Ribamar de Sena Rosa
(2015). De narrativa simples, seus escritos são fontes da memória prodigiosa do
cronista bairrista. Para ele “Recordar é Viver”. Suas crônicas revelam o lugar
onde nasceu. São recordações afetivas, memórias de uma cidade velha.
O roteiro histórico-sentimental
do cronista interiorano é traçado em três pontos: lugares, personagens e
episódios. Irmão Turuka não fazia acepção de pessoas ou classes em seus textos.
Independente da condição social, todos são personagens de uma mesma paisagem.
Ainda não há estudo específico
sobre as crônicas de Irmão Turuka. Porém, coube aos historiadores Reginaldo
Gonçalves Lima, Francisco Assis Lima e José Ribamar de Sena Rosa tratarem da
biografia e obra de Turuka. O primeiro resumiu a vida do escritor, sem adentrar
muito a crítica e análise dos textos; o segundo fez um completo levantamento das
crônicas, de textos dos colegas de jornal do autor e perfis biográficos sobre
ele. Todos publicados na íntegra. O terceiro foi o único até agora a realizar
um estudo mais crítico de algumas crônicas de Turuka numa dissertação de
mestrado sobre o jornal A Luta.
Muito louvado como humanitário,
pouco reverenciado como escritor. Esse aspecto biográfico é bem característico
em Irmão Turuka desde as primeiras homenagens recebidas no ano do seu
falecimento, em 1970, pelos colegas de jornal A Luta até Reginaldo Gonçalves
Lima, o primeiro historiador a traçar um perfil biográfico de Turuka. Reginaldo
Lima, contudo não conseguiu aprofundar o estudo sobre a faceta literária do
autor. O texto traz ligeiras notas e citações das principais crônicas
publicadas por Turuka nos jornais O Estímulo, A Luta e o Tombador. Todos de
Campo Maior.
Ao contrário de Reginaldo Lima,
penso que a literatura em Irmão Turuka não foi fruto de um autodidatismo e sim
resultante de uma educação esmerada. Para os padrões da época, ele teve uma boa
formação educacional, leu bons livros e estudou nos melhores colégios de Campo
Maior (Valdivino Tito e Ginásio Santo Antônio) e do Piauí (Colégio Diocesano).
A obra de Turuka expressa à voz
do povo. Do mais simples até a fina estirpe. “Bem Aventurados os simples” dizia
ele uma de suas crônicas. O rico imaginário popular com histórias e lendas
perpassam os textos do escritor. Ele amava contar reminiscências de uma Campo
Maior esquecida pelo povo. Os beatos e seus dons milagrosos, oralidades
revestidas de um verniz cultural e secular. O lado folclórico da escrita
abrangem tudo isso e um pouco mais. Turuka salva o povo da sua própria
banalidade. Típico cotidiano rasteiro.
Campo Maior torna-se cheia de
poesis. O autor tira a cidade da trivialidade. Tudo bem elaborado,
minuciosamente descrito. Com temas extremamente sugestivos, ele envolve a mente
do leitor na trama de homens de dons “sobrenaturais”, os médiuns e os profetas
do sertão. Adepto do espiritismo kardecista, tema como a morte sempre lhe
devotava tempo e atenção. Seus textos publicados no jornal A Luta são crônicas
e algumas notas trazem curiosidades sobre diversas situações do cotidiano e da
cultura humana, a exemplo do “listão de São Silvestre”.
O cronista também teve seus
momentos de historiador, quanto teve a percepção crítica de levantar o passado
da cidade com olhar perspicaz. Ele atualizava nossos dramas. Entendia a
história como mestra da vida. O papel de cronista é o mesmo do cidadão
historiador.
Dos cronistas do Jornal A Luta, Irmão Turuka foi o único a enveredar para a crônica musical. A maioria dos jornalistas e escritores ficou na crônica esportiva. Ele teve a incumbência de cobrir todo o contexto cultural da década de 1930 a 1970, em que brilharam grandes bandas e talentosos músicos em festas estonteantes. São três as crônicas que versam sobre essa temática: “Lyra de Santo Antônio”, “Serestas e Seresteiros” e “Eu Vi a Banda Passar” publicados originalmente nas páginas do Jornal A Luta, depois reproduzidas na íntegra nos livros Geração Campo Maior -anotações para uma enciclopédia (1995) e Recortes de Campo Maior (2008) dos respectivos historiadores Reginaldo Lima e Assis Lima.
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