quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

AS ORIGENS DA LITERATURA CAMPO-MAIORENSE

 

Poeta padre Gastão Pereira da Silva, filho do coronel Lysandro Pereira da Silva.

Fonte: Demes, Joselina. Floriano: sua história, sua gente. Teresina: Halley, 2002. p.445-446



AS ORIGENS DA LITERATURA CAMPO-MAIORENSE

 

Celson Chaves

Professor, historiador e escritor

 

Dr. Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco (1836-1887) foi o primeiro campo-maiorense consagrado no cenário das letras e da intelectualidade piauiense. Sua atividade literária inicia-se na década de 1860. Escrevia em verso e prosa. Publicou as seguintes obras: Apontamentos biográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na província do Piauí (1878); o Almanaque Piauiense (v.1, 1879; v.2, 1880; e v. 3, 1881) e a Revista Mensal (1884).

 

Foi redator dos jornais Liga e Progresso, A Imprensa e Theresinense.  Exerceu o cargo de professor de retórica, poesia e língua francesa no Liceu Piauiense de Teresina. Fundou o Colégio Nossa Senhora das Dores. Escreveu sobre diversos assuntos de interesse da província do Piauí.

 

O polígrafo dedicou boa parte de sua vida intelectual a educação, ao jornalismo, a biografia e a pesquisa histórica. Foi o primeiro poeta e historiador de Campo Maior. A escrita era sua grande paixão. Segundo Félix Aires, Dr. Miguel “floresceu como poeta na fase romântica da literatura piauiense, iniciada por José Coriolano de Sousa Lima (1829-1869)”.

 

POR OCASIÃO DE UM CONSÓRCIO

 

Na profusão de luz enchendo as salas

 

Domina, aqui, reunião brilhante!

 

Oh, quanto assenta bem – mundo elegante

 

M ruidoso sarau – trajando galas!

 

 

 

Depois da polidez das meigas falas,

 

Harmoniosos sons a cada instante!

 

É belo, assim, – o quadro deslumbrante;

 

Quando na dança os pares formam alas!

 

 

 

Destarte alegres horas vão passando;

 

Até que o coração assaz repleto

 

Se sinta do prazer que vai gozando…

 

 

 

E quando este sarau já for completo,

 

Irão todos comigo, enfim, pensando

 

Que um verdadeiro amor é mel himeto.

 

AIRES, Félix. Antologia de Sonetos Piauienses. Teresina-PI: Academia Piauiense de Letras, 1972.

 

A dedicação à escrita e a cultura tornara Dr. Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco famoso pelo conjunto da obra, aponto de ser lembrado no movimento de criação da Academia Piauiense de Letras, em 1917, tornando-se Patrono da cadeira nº22. O pai do Dr. Miguel, Lívio Lopes Castelo Branco e Silva (1811-1869) era advogado provisionado, homem culto, apreciador de leituras e profundo conhecedor da civilização clássica (greco-romana). Lívio foi o primeiro jornalista de Campo Maior. Fundou jornais no Piauí e Maranhão. Escrevia artigos de opinião. Um liberal e revolucionário. Chegou a produzir um livro de memórias (infelizmente não publicado) sobre sua participação na Balaiada, movimento subversivo ocorrido no Piauí e Maranhão entre os anos de 1838 a 1842.

 

No final do século XIX, eram poucos os escritores campo-maiorenses. Além de Dr. Miguel, atuavam com certa evidência os poetas Dr. Augusto Ewerton e Silva (1862-1939), padre Fábio José da Costa (1863-1900), H. Castelo Branco e Antônio José da Costa Júnior.

 

Da passagem do século XIX para o século XX, pouca coisa mudou em Campo Maior. As condições sociais e econômicas permaneciam as mesmas. As famílias tradicionais monopolizavam o poder. A pecuária continuava como a principal atividade econômica e o povo permanecia excluído do processo político. Não havia melhoramento urbano, as ruas de chão batido seguiam inalteradas, o comércio era reduzido e centrado no Largo da Matriz. O repicar do sino da igrejinha de Santo Antônio cadenciava a vida urbana.

 

A cidade chegou a possuir um jornal local de propriedade de Francisco Figueiredo da Silva Duarte, contudo não passou de três edições; uma banda de música de propriedade do mestre alferes Raimundo Antônio Luiz da Paz; e uma biblioteca criada pelo Conselho Municipal, organizada e administrada pelo poeta Moysés Maria Eulálio. Em Campo Maior realizou-se algumas esporádicas conferências e eventos literários no Conselho Municipal.

 

Diante do cenário de pouca opção, atrações e instrução, sem nenhuma expectativa de crescimento literário. Numa cidade pequena, com ares de vila, de vida quase rurícola, os escritores partiam para Teresina em busca de graduação, fama ou talvez alguma visibilidade, mesmo que secundária, entre os grandes nomes das letras piauienses do início do século XX, temos como expoentes: Higino Cunha, Abdias Neves, os irmãos Clodoaldo e Lucídio Freitas, Celso Pinheiro… Fora a capital, Parnaíba era uma segunda opção dentro do Estado.

 

No início do século XX, a capital urbanizava-se, civilizava-se. Teatros, cinemas, jornais, clubes, associações literárias e a origem da Academia Piauiense de Letras (1917), atraíram pela efervescência cultural, poetas e outros artistas. O espaço era um campo bastante disputado na urbe Teresinense.

 

Primeira Geração de Escritores de Campo Maior

 

Os poetas campo-maiorenses não se dedicavam profissionalmente a literatura, publicavam esporadicamente nos jornais de Teresina. Poucos eram membros de clubes e associações literárias. Não militavam no mundo das letras, não buscavam polemizar, apenas colaboravam. Uns ficavam no anonimato por não alcançar o almejado, outros por opção, a exemplo do padre Gastão Pereira da Silva, ficava recluso com seus escritos.

 

Membro de uma família rica e altamente influente em Campo Maior, entre o final do século XIX até a segunda metade do século XX, padre Gastão Pereira da Silva, ao contrário de irmãos e primos buscou a batina em vez da política. Foi ordenado padre em 1910. E durante o sacerdócio prestou serviço nas paróquias de Campo Maior, Luís Correia, União, Parnaíba, Altos e Floriano.

 

Apesar ter nascido em uma família de políticos, crescido num ambiente de confabulações e tramas, o poder nunca lhe atraiu.  O gosto pelos estudos, pela leitura certamente foi influência do tio, Agesilau Pereira da Silva, jornalista e advogado formado na faculdade de direito de Recife-PE, uma das mais conceituada do Império.  Agesilau era uma figura respeitada na sociedade piauiense pelos cargos políticos que ocupara. Era um homem culto e de visão, apesar de algumas vezes levantar polêmica por conta da política. O pai de Gastão possuía modesta formação intelectual.

 

 

 

As poesias do padre Gastão estão reunidas num caderno, em que o próprio autor intitulou de “Escrínio de Preciosidades”. São textos inéditos. O caderno contém 11 poemas, sendo quatro sonetos. Os poemas versam sobre diversas pessoas, contemporâneas e conterrâneas do padre escritor. Grande parte das poesias de Gastão foi escrita em Fortaleza. As personalidades descritas nos poemas são de homens e mulheres, que o influenciaram na poesia, caso do poeta simbolista Celso Pinheiro, pelo exemplo de vida ou profissão de fé. Atividade literária do padre Gastão situa-se entre as décadas de 1920 e 1940. Gastão despertou o gosto pela poesia e a escrita ao ingressar no seminário. O período de formação eclesiástica foi de amadurecimento poético.

 

 

Poeta padre Gastão Pereira da Silva, filho do coronel Lysandro Pereira da Silva.

Fonte: Demes, Joselina. Floriano: sua história, sua gente. Teresina: Halley, 2002. p.445-446.

 

 

As condições de impressão de livros no Piauí eram precárias para não dizer inexistente. Gastão não chegou a publicar seus poemas, preferiu o anonimato. Para os escritores campo-maiorenses que buscavam o reconhecimento literário recorria-se aos jornais da capital.

 

Os literatos campo-maiorenses, do final do século XIX e primeira metade do século XX, eram oriundos de famílias abastadas, de forte tradição política. Eles tiveram formação educacional esmerada e grande parte chegou à bacharela em direito, teologia, física e matemática nas melhores faculdades do Brasil. A maioria residiam ou passava temporadas em Teresina.

 

Os poetas tiveram atuações efêmeras, abandonavam a poesia por conta do casamento, trabalho ou outros afazeres (Valdivino Tito, Moysés Eulálio, Mário da Costa Araújo…). Mesmo sendo amadores, determinados poetas campo-maiorenses, por conta das suas publicações em jornais, conseguiam arrancar alguns comentários da exigente crítica piauiense.

 

Os principais nomes da literatura campo-maiorense, entre as décadas de 1900 e 1950 foram Mário da Costa Araújo (1896-1971), Manuel Bernardes da Costa Araújo, Valdivino Tito de Oliveira (1873-1925), Joel Genuíno de Oliveira (1880-1969), Moysés Maria Eulálio (1871-1931), Otacílio Eulálio (1914-1992), Gastão Pereira da Silva (1886-1944), Augusto Ewerton e Silva (1862-1939) e Domingos Monteiro (1870-1940).  Dentre os historiadores, Joel Genuíno de Oliveira e Joaquim Antônio de Oliveira (1907-1972) deram sua contribuição para a cidade das carnaúbas. Artigos de opinião ficavam por conta de João Crhysóstomo Genuíno de Oliveira. Entre os cronistas, vale citar, Octálio Eulálio e Mário da Costa Araújo.

 

A maioria dos escritores atuava fortemente em Teresina, publicando nos principais jornais da capital e participando de clubes literários; na Parnaíba, eles editavam seus textos no Almanaque da Parnaíba. Antônio Bona, membro da APL, residia em São Luís, sempre que podia enviava seus escritos opinativos para os jornais da capital. As gazetas de Campo Maior eram poucas e esporádicas. Os poetas campo-maiorenses eram bem recepcionados pela crítica teresinense, bem aceito nos movimentos e clubes literários. Moisés Eulálio e João Crhysóstomo Genuíno de Oliveira e Joel Genuíno de Oliveira compõem o clube literário 12 de outubro, escreviam no jornal Andorinha da referida associação literária.

 

Alguns buscavam fama literária em Teresina, outros não. Uns conseguiram visibilidade e ingressaram em círculos literários, outros não.  Valdivino Tito foi o de maior projeção cultural e intelectual, reconhecido pela crítica, não por conta dos textos poéticos e nem pelos ensaios de crítica literária, mas pelos brilhantes textos jurídicos publicados na Revista Litericultura.

 

Entre o final do século XIX e início do século XX, estabeleceu-se o uso da poesia como arma política. Os poetas denunciavam os defeitos dos adversários. O contexto era de enfrentamentos, acusações e difamações. Os escritores usavam pseudônimos para preservar a verdadeira identidade. O principal alvo dos versos ácidos dos bardos era Lysandro Pereira da Silva, uma das maiores lideranças do município desse período. Os ataques partiam de ambos os lados. Não havia inocentes. Era constante a publicação de poesias satíricas, principalmente no jornal A Legalidade. O poeta buscava convencer o leitor, apresentando os defeitos dos adversários com o uso de versos maliciosos. Os versos satíricos intencionava humilhar o adversário.

 

As brigas entre liberais e conservadores no período do Império continuaram ferrenha mesmo com a proclamação da República em 1889, afinal os atores eram praticamente os mesmos, só que agora filiado a partidos republicanos. As poesias dispersas nos jornais do século XIX e início do século XX alimentavam essas disputas e intrigas com versos pejorativos e apelidos.

 

As origens da literatura campo-maiorense não deixam dúvidas de que os arsenais de textos partem da família Castelo Branco. Sua magnitude se expandiu a todas as atividades que deram a Campo Maior a formação de cidade que vemos até hoje. Eles, sem sombra de dúvidas mesclaram seus conhecimentos oriundos da Europa com os regionais, estabelecendo assim uma identidade própria.

 

FONTES CONSULTADAS

 

AIRES, Félix. Antologia de Sonetos Piauienses. Teresina-PI: Academia Piauiense de Letras, 1972.

 

BRASIL, Assis. A Poesia Piauiense no século XX. Rio de Janeiro: Imago Ed/ Teresina: FCMC,1995.

 

CHAVES, Monsenhor. Obra Completa. Teresina: FCMC, 2013.

 

DEMES, Joselina. Floriano: sua história, sua gente. Teresina: Halley, 2002. p.445-446.

 

FREITAS, Clodoaldo. Vultos Piauienses: apontamentos biográficos. Teresina: Academia Piauiense de Letras/EDUFIP, 2012.

 

LIMA, Reginaldo Gonçalves. Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia. Campo Maior-PI, edição do autor, 1995.

 

QUEIROZ, Teresinha de Jesus Mesquita. Os literatos e a República: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha e as tiranias do tempo. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994.   

Um comentário:

  1. Amigo Elmar, você sabe algum dado sobre Lisandro Tito de Oliveira, com relação à cidade de Campo Maior. Acredito que era irmão de Valdivino Tito.
    Agradeço ao amigo se me imformar ao menos um breve biografia do Lisandro Tito.
    Boa noite, um fraternal abraço.

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