Fazenda Boa Esperança e Colégio Interno do Pe. Marcos de A. Costa |
DR. FRANCISCO DE SOUSA MARTINS: O
Herói e o Misantropo
José Pedro Araújo
Historiador, contista, cronista e romancista
Poucas personalidades na história
do Piauí tiveram uma vida tão curta e ao mesmo tempo tão intensa quanto o Dr.
Francisco de Sousa Martins. Nascido em uma família rica e com amplo domínio
sobre o estado do Piauí por uma larga faixa de anos, foi o biografado uma mente
luminosa e brilhante em meio a tantos outros que se destacaram na sua poderosa
família. Entretanto, o seu ocaso foi tristemente melancólico e prematuro. Sem a pretensão de ser confundido com um
biógrafo do citado homem público, discorro a seguir sobre a vida do eminente
piauiense, político de estofo, na mais alta acepção da palavra, que honrou com
o seu trabalho e a sua inteligência, a terra em abriu os olhos pela primeira
vez para contemplar o azul celeste do céu do seu sertão agreste.
Nascido em Jaicós, em 06 de
janeiro de 1805, na fazenda Canabrava, rica propriedade pertencente à família,
era filho do coronel Joaquim de Sousa Martins e de dona Teresa de Jesus Maria.
Também era sobrinho do poderoso Visconde da Parnaíba, potentado que comandaria
o Piauí com mão de ferro por quase vinte anos. Uma prática comum, naqueles
tempos, era que as grandes e poderosas famílias escolhiam um dos filhos para
seguir a vida de clérigo, e foi justamente o menino Francisco o escolhido para
investir na vida monástica. E com este propósito, foi enviado ainda criança
para a escola mais famosa da época, bem perto de casa, na Fazenda Boa
Esperança, pertencente ao Padre Marcos de Araújo Costa, um parente muito
próximo e chegado. O colégio em que passaria a maior parte da sua infância e
adolescência, era referência na qualidade de ensino em toda a região
nordestina, e até com excelente reputação em todo o território nacional. Lá o
menino Francisco se prepararia para ingressar na carreira apostólica, como já
estava programado e decidido.
Por esse tempo, seu pai, que além
de fazendeiro abastado, dono de muitas terras e de um numeroso rebanho bovino,
era também o comandante militar da província então sob o domínio do seu
poderoso irmão, o Visconde da Parnaíba. E comandou as forças de segurança
locais, inclusive, durante a guerra pela independência do país.
Com uma mente aguçada, e sequiosa
de conhecimentos, logo o menino se destacou dos demais alunos, aproveitando-se
do fato de possuir o colégio uma das melhores e mais completas bibliotecas da
região, quiçá do país. Sobre a biblioteca famosa, aliás, até mesmo o biólogo
inglês George Gardner, em passagem pela região, surpreendeu-se e teceu grandes
elogios à sua qualidade e posse de importantes publicações a respeito de variados
assuntos. Surpreso por encontrar semelhante bibliógrafo em pleno sertão
nordestino, destacou o viajante sobre o que vira: “Ele próprio (Padre Marcos) é
um erudito possuidor de vasta biblioteca de clássicos e filósofos; de botânica
e história natural possui suficiente conhecimento para que estes assuntos lhe
tornem agradável distração. Entre os seus livros encontrei quase todas as obras
de Lineu, as de Brotero, e uma de Vandelli, muito rara, sobre as plantas de
Portugal e do Brasil, obra que ele acabou por me oferecer de presente”.
Foi nesse ambiente de cultura
elevada, que o jovem Francisco Martins passou a sua infância e adolescência,
aproveitando-se do largo conhecimento e erudição do tio e da sua vasta coleção
bibliográfica. Isso acabaria por formatar o seu caráter e a sua alta
ilustração. Não é difícil de imaginar que, para um jovem retraído e averso às
brincadeiras comuns aos da sua idade, a biblioteca seria o seu refúgio natural.
É esta uma dedução lógica para se formar a personalidade de um jovem que se
tornou um adulto retraído e circunspeto. Um misantropo, nas palavras dele
próprio.
Alguns anos depois, contudo, a
situação política da Província mudaria de figura, ocasião em que seu pai
oficializa o rompimento de relações com o irmão, tendo sido apeado da condição
de comandante militar por conta disso. Por essa época, tendo completado vinte
anos de idade, o jovem Francisco foi levado pelo pai ao Rio de Janeiro para
continuar seus estudos. Como atesta o insigne historiador piauiense, Monsenhor
Chaves, o coronel Joaquim de Sousa Martins aproveitaria a viagem ao Rio de
Janeiro na qual apresentaria queixas do irmão para o Imperador Pedro II, para
conduzir o filho até a capital do império. Seu propósito inicial, com relação
ao filho, seria que ele recebesse as ordens sacras e desse início à sua
carreira apostólica. Contudo, sua pouca idade não permitiu que assim
acontecesse. E talvez precisasse complementar seus estudos antes de ser
ordenado padre.
O certo, é que, ao invés da sua
ordenação, o jovem Francisco Martins teve que ingressar no Seminário São José
para concluir seus estudos teológicos. Não passaria muito tempo naquele
seminário, contudo. Talvez tenha abandonado os estudos de religião um ano, ou
menos que isso, depois de tê-lo iniciado. É o que depreendemos ao nos
depararmos com informações de Clóvis Bevilácqua, importante jurisconsulto
brasileiro, além de escritor respeitado, quando ele afirma em seu livro
“História da Faculdade de Direito do Recife”, que Francisco ainda cursaria o
primeiro ano da Escola Militar, mostrando que havia mudado de opinião e não
pensava em levar uma vida de clérigo, como era a vontade dos seus familiares. E
como seu pai, seguiria a carreira militar.
Entretanto, mesmo essa ideia,
durou pouco. Pouco depois, o jovem piauiense mudaria outra vez de planos e
seguiria para Portugal, para ingressar na faculdade de Cânones da Universidade
de Coimbra. Esse fato aconteceu após dois anos de sua chegada ao Rio de
Janeiro, em 1828. Foi uma virada brusca no planejamento inicial da sua carreira
profissional.
Nesse ponto da sua vida, há uma
discrepância entre o que afirma o historiador piauiense, o meticuloso Monsenhor
Chaves, e o que registra o jurisconsulto e acadêmico Bevilácqua. Enquanto o
primeiro afirma que o estudante piauiense travou conhecimento com alguns
internos portugueses no seminário e lá decidiu abandonar a carreira religiosa e
seguir diretamente para Portugal, o segundo diz que ele abandonou o Colégio
Militar, e não o Seminário, e embarcou para Coimbra com o propósito de se
tornar advogado.
O certo é que ele cursou os dois
primeiros anos do curso jurídico, mas foi mais uma vez forçado a mudar de
planos em função da disputa sangrenta havida entre os irmãos D. Pedro I e D.
Miguel pelo domínio da coroa portuguesa. A história registra que tal disputa
envolveu toda a sociedade portuguesa em apaixonado e exacerbado conflito
interno. Os reflexos dessa briga familiar pela sucessão de D. João VI, pai dos
dois desafiantes, chegou até Coimbra, tendo a Universidade fechado suas portas
por algum tempo e por ordem superior.
É provável que os estudantes
brasileiros tenham cerrado fileiras junto aos partidários de Pedro I,
Ex-imperador do Brasil, e contra os partidários de D. Miguel, que já possuía o
comando do país em suas mãos. Os estudantes brasileiros, por esta razão,
passaram a ser perseguidos e, por conta do fechamento da Universidade, foram
obrigados a retornar ao país de origem. Francisco de Sousa Martins estava entre
estes.
Menos mal que, justamente nesse
período, inaugurava-se a Faculdade de Direito de Olinda, em Pernambuco, a
primeira no país, e o piauiense se matriculou ali, para fazer parte da primeira
turma. O escritor piauiense Jesualdo Cavalcante Barros afirma, em seu livro
“Sertões de Bacharéis”, baseando-se em levantamento realizado por Clóvis
Bevilácqua, que dentre os 3.930 bacharéis formados no período de 1832/1898
naquele estabelecimento de ensino superior, somente constavam 108 piauienses.
Dr. Francisco de Sousa Martins foi um desses. Formou-se logo na primeira turma.
Já estava com vinte e sete anos.
Corria o ano de 1832, quando o
jovem piauiense colou grau, finalmente, e nessa ocasião o seu pai e o Visconde
já haviam superado suas desavenças e voltaram a marchar juntos no comando
político da província piauiense. O advogado recém formado retornou para a terra
natal e instalou seu escritório de advocacia em Oeiras, capital da província,
onde passou a advogar. Entretanto, logo no ano seguinte, 1933, aproveitando o
prestígio da família, foi nomeado Juiz de Direito da Capital. E no ano
seguinte, eleito Deputado Geral para representar o Piauí no Rio de Janeiro,
capital do império. Tornou-se um dos grandes oradores do parlamento, e ocupou
lugar de destaque entre seus pares quando a discussão se dava no campo das
finanças. Clóvis Bevilácqua - outra vez ele -, afirma que tal prestígio fez com
que o piauiense fosse convidado a ocupar o cargo de Ministro da Fazenda, tendo,
mais de uma vez, declinado do convite.
Eleito Deputado Geral em cinco
legislaturas, a maioria delas pelo Piauí, mas também pelo vizinho estado do
Ceará, o Dr. Francisco Martins deixou a tribuna para ocupar a presidência em
duas províncias diferentes; a da Bahia, e a do Ceará. Na da Bahia, em 1834,
chegou em um período conturbado, quando os escravos baianos deflagraram uma
sangrenta revolução contra seus senhores, movimento de sedição que ficou
conhecido com a Revolta dos Malês.
O historiador e acadêmico,
Reginaldo Miranda, um dos biógrafos do insigne político piauiense, destaca que
a revolta partiu dos “negros muçulmanos que tentavam tomar o governo da
província e proclamar um reinado. Para isso planejaram assaltar o Palácio do
Governo, o Quartel Militar, o Forte de São Pedro e o Quartel de Infantaria de
Linha, dominando, assim, a cidade de Salvador, para matar todos os brancos
cristãos e coroar a escrava Sabrina, que a tinham como princesa em sua terra. A
maioria dos negros revoltados era formada por ex-escravos libertos, africanos,
islâmicos da etnia nagô, que exerciam atividades livres em Salvador, daí serem
chamados “negros de ganho” (alfaiates, pequenos comerciantes, artesãos e
carpinteiros)”.
Nesse período, a província estava
desfalcada de suas forças bélicas, enviadas que haviam sido para o Rio Grande
do Sul, onde ocorria naquele instante a Revolução Farroupilha. O Presidente
Francisco de Sousa Martins demonstrou ser dotado de elevada coragem e profundos
conhecimentos em estratégia militar, combatendo mais de 40.000 insurretos que
se aproveitavam do momento de desmilitarização e espalharam o pânico e a morte
nas cidades baianas. Especialmente na capital da província e na região do
recôncavo baiano. Deste modo, organizando a pequena força que possuía na sede
administrativa, lutou sem temor contra os sitiantes que atacaram o palácio do
governo naquela madrugada. De armas em punho, venceu-os, mesmo com força
militar muito inferior em número, e conseguiu restituir a paz à província
conflagrada. Mostrou o político piauiense toda a sua bravura e competência,
ganhando fama e respeito pela vitória alcançada de arma em punho.
Em 1838 foi novamente nomeado
para a Presidência de uma província, a do Ceará, deixando o parlamento mais uma
vez. O Ceará atravessava uma crise política sem precedentes, ocasião em que o
Padre e Senador José Martiniano de Alencar, pai do escritor José de Alencar,
militava na oposição mais uma vez. É que o partido Liberal, do qual era o
senador um dos líderes de maior expressão, havia perdido a Regência para o
partido Conservador mais uma vez. Martiniano de Alencar era um chefe político
com grande poder sobre aquela Província, que chegou a presidir em outra época,
e defendia essa liderança com mão de ferro. A princípio, ele ainda tentou se
aproximar do indicado Presidente da Província, Dr. Francisco de Sousa Martins,
mas não obteve existo nesse seu intento, passando então a fazer-lhe dura
oposição.
Acontecia naquele momento
eleições para o preenchimento de uma vaga de senador pelo estado, e o candidato
apoiado pelo novo Presidente do Ceará, o piauiense Martins, era um “estranho” à
região, um baiano indicado pelo Regente Araújo Lima, que com o gesto declarou
guerra aberta ao senador e líder político cearense. O candidato indicado para
concorrer ao cargo vago não foi aceito pelo senador Martiniano de Alencar.
Este, demonstrando toda a sua insatisfação e repulsa, apoiou outro nome para a
vaga aberta para o senado, alguém saído das suas próprias fileiras políticas.
Tendo, após isto, o senador cearense, como represália, a apoiar a decretação da
maioridade do Imperador D. Pedro II, proposta esta que era do partido
Conservador quando se achava na oposição, e encampada agora pelos Liberais.
Martiniano de Alencar, anos depois, em 1842, fundou a Sociedade dos Patriotas
Invisíveis, uma organização política secreta que tinha como principal objetivo
a decretação da maioridade do Imperador e o fim do período das regências. Essa
campanha espalhou-se pelo país, tendo se apresentado muito forte,
principalmente, nas Províncias de São Paulo e Minas Gerais. A campanha ganhou
corações e mentes no país e acabou por finalizar o período dos governos
regenciais. Passando, então, o jovem imperador, Pedro II, a governar, de fato,
o seu império.
Também acontecia naquele momento
a Revolta da Balaiada que assolou o Maranhão e o Piauí, um movimento sangrento
e que causou enorme mortandade na região. Movimento de crescente ascensão, a
revolta dos balaios chegou até ao território cearense naquele momento. O Dr.
Francisco de Sousa Martins organizou a defesa da Província, e atacou duramente
os balaios, cujos chefes foram acusados de contarem com o apoio do grupo
político chefiado pelo Senador Martiniano de Alencar. Os revoltosos foram
vencidos e escorraçados da província cearense com alguma dificuldade. Não foi
um período fácil para o político piauiense, a sua estadia no Ceará.
Homem culto, quase sempre
moderado nas suas ações, passou o piauiense a ser atacado duramente pela
imprensa partidária do Senador Alencar. Periódicos, como o jornal “O
Despertador”, o acusava severamente de perseguir seus adversários com ameaças
de prisão e recrutamento militar, e com promessas de enviá-los para servir à
Guarda Nacional na Província do Maranhão para combater os Balaios.
E se o período do Dr. Francisco
Martins frente ao governo cearense foi curto, os ataques à sua pessoa foram
demorados. O periódico “Pedro 2º”, também um jornal conservador, e simpático ao
grupo político de Martiniano de Alencar, dez anos após o término do mandato do
piauiense, ainda o acusava duramente de ter praticado malefícios ao povo
cearense durante o período em que esteve como chefe maior do executivo naquela
província. Entretanto, havia também quem o defendesse. Nesse mesmo período, o
jornal “O Cearense” tomava suas dores e o defendia e qualificava como um grande
administrador e um democrata de escol que muito fez pelo Ceará no pouco tempo
que que esteve no comando político estadual.
Terminado o seu curto mandato,
que durou poucos meses, posto ter ocupado o cargo de Presidente da Província do
Ceará de 03 de fevereiro a 09 de setembro de 1940, retornou o piauiense ao Rio
de Janeiro para o reocupar o seu mandato de Deputado Geral. E depois, retomou o
seu cargo de juiz.
Para concorrer a mais um mandato
de deputado geral, desta vez pelo Ceará, Francisco Martins teve as suas
pretensões obstadas. Possivelmente ainda uma vindita do poderoso senador
Martiniano de Alencar. Deste modo, o seu pedido de licença do cargo de juiz de
Direito de Niterói, não foi autorizado, segundo o jornal oposicionista
Sentinela da Monarquia, do Rio de Janeiro. Na sua edição de 19/06/1844, o
jornal afirmava: “sabe-se também que foi excluído o Sr. Sousa Martins da lista
de deputados que o ministério decretou para o Ceará”. Fazia ele parte de uma relação de pessoas que
aquele jornal denominou de “Os Proscritos”.
Contudo, demonstrando toda a sua
capacidade de sobrevivência política, é certo que Sousa Martins concorreu pela
sua província natal. E foi eleito, pela Província do Piauí, para a 6ª
legislatura, no período de 1845-1847. Por esse tempo as relações de Francisco
de Sousa Martins com o tio, o Visconde da Parnaíba, andavam bem estremecidas.
Afirma-se, que o deputado, usando um nome falso, um pseudônimo, escrevia no
jornal Diário do Rio de Janeiro atacando duramente o então presidente da Província
do Piauí, e seu tio.
No parlamento, o piauiense Sousa Martins foi um dos mais respeitados
oradores, tanto pela sua alta formação, quanto pela capacidade que possuía de
tribuno combativo e frio, deixando seus desafetos em embaraçosas situações em
diversas ocasiões. Por sua vez, a capacidade de discorrer sobre temas
econômicos fez dele um candidato em potencial para ocupar o cargo de ministro
da fazenda, posto que ele nunca aceitou ocupar.
O médico e biólogo inglês, George
Gardner, já aqui citado, nos dá notícia de um encontro com o parlamentar
piauiense quando de sua estadia na Fazenda Boa Esperança, do padre e educador
Marcos de Araújo Costa, em Jaicós, em março de 1839. Isso aconteceu um pouco
antes de Francisco de Sousa Martins ocupar o cargo de Presidente da Província
do Ceará. Gardner faz essa referência no seu livro “Viagens no Brasil”. O livro
é uma espécie de Diário de sua viagem pelo interior do país catalogando
minerais e plantas nativas. Enquanto descansava de suas fadigas na fazenda do renomado
religioso e educador, o cientista se encontrou com o político que seguia de
Oeiras para o Rio de Janeiro, juntamente com seu irmão, o Major Clementino de
Sousa Martins.
A última fase da vida do Dr.
Francisco de Sousa Martins no Rio de Janeiro, foi marcada pelo seu casamento
com uma jovem daquele estado. São poucas as informações sobre esse seu período
da sua vida. E o pouco que sabemos, são informações parcas coletadas aqui e ali
pelos seus biógrafos mais conhecidos, como o jornalista Miguel de Sousa Borges
Leal Castelo Branco, por João Pinheiro, e por Joaquim Chaves, além do acadêmico
contemporâneo, Reginaldo Miranda. Pouca coisa, contudo, para um homem de vida
tão intensamente vivida durante os primeiros quarenta e dois anos de vida. De
fato, temos a certeza de que casou já quarentão, e que este casamento não lhe
gerou herdeiros.
Sabemos, por exemplo, que esse
casamento não cobriu de felicidade o ilustre piauiense, pois coincidiu com o
período em que teve fim a sua ativa vida parlamentar e recaiu sobre ele
sofridas e duradouras enfermidades. Francisco Martins passou a padecer de doenças
do corpo e do espírito, o que o levou a ser acusado até mesmo por antigos
aliados de falta de lucidez. Os últimos cargos por ele ocupados foram o de Juiz
dos Feitos da Fazenda Pública e o de chefe de polícia do Rio de Janeiro. Mas
então, ele já padecia de graves enfermidades que aos poucos foram lhe minando o
entusiasmo e a alegria de viver. O Decreto nº 435, de 05 de julho de 1847 lhe
concedeu licença pelo período de dois anos do cargo de Juiz dos Feitos da
Fazenda da Corte. Ainda em 1947 partiu para a Europa em busca de ajuda médica,
tendo chegado a Paris em um período de grande conflagração revolucionária. A
esposa, também, não o acompanhou quando viajou a tratamento de saúde, e muito
menos quando retornou definitivamente ao Piauí e se internou na sua Fazenda e
por descansou definitivamente desta vida. Talvez um indicativo de que já
estivessem separados. Abreviando a sua estadia na cidade de Paris, por conta da
convulsão social lá instalada, foi para Lisboa, onde demorou-se algum tempo.
A situação de dificuldades pelas
quais vinha passando, conhecemos, pela primeira vez, através de suas próprias
palavras quando o indigitado se encontrava na capital portuguesa. O acadêmico
Reginaldo Miranda publicou um alentado estudo sobre o citado Dr. Francisco de Sousa
Martins no blog do Poeta Elmar Carvalho, em que nos traz importantes
informações sobre o estado de saúde física e mental do nosso biografado,
informações publicadas por ele em correspondência enviada ao jornal “Diário de
Pernambuco”, no qual ele confessa, amargurado:
“É inútil aqui mencionar tudo
quanto tenho sofrido nos últimos três anos; posso, porém, dizer em geral, que
durante esse espaço de tempo, um só dia não tenho vivido com humor contente e
espírito livre e satisfeito. Aos males físicos que diariamente me oprimem,
acrescem noites contínuas de completas vigílias e anuviadas com as mais
lúgubres e funestas meditações; a sociedade humana tem-se-me tornado um
flagelo, e a minha vida converteu-se em uma agreste e selvática misantropia. A
única satisfação que ainda experimento é a que me confere a solitária leitura
de meus livros; estes são hoje os meus únicos amigos, os companheiros dos meus
momentos de infortúnio, os consoladores das minhas tristezas, o único conforto
que neste vale de lágrimas da vida humana não pode ser roubado ao infeliz,
ainda que desamparado de toda natureza”.
‘Mas, esse mesmo derradeiro
refrigério de uma existência amargurada, em grande parte me tem sido impedido e
contrariado pelos sofrimentos de meus olhos; pois que, ainda que agora possa
ler e escrever, contudo isto não o posso fazer sem grande fadiga, cansaço da
vista e exaltação do cérebro, o que acarreta penáveis incômodos nas mal
dormidas noites. Ainda isto mesmo, só agora, depois que estou em Portugal, me
tem sido permitido, porque antes quase que nenhuma leitura me era possível por
mais de meia hora”.
Já sem a confiança devida na sua
recuperação, resolve voltar para casa, embalado pelas saudades dos seus sertões
de dentro, e define desse modo o que sentia naquele instante, assim anotou
Monsenhor Chaves:
“Sim, é lá que o meu corpo deve
descansar; ao menos repousaria a fronte no túmulo dos meus pais, depois de
ainda uma vez respirado o ar livre dos meus sertões”. Não acreditava mais no
restabelecimento da sua saúde; era o fim da sua luta em busca da cura para os
seus males entre os médicos europeus. E só lhe restava voltar para casa.
A Coleção de Leis do Império do
Brasil, traz no seu bojo o Decreto nº 804, de 23 de setembro de 1854, que
confere ao Dr. Francisco de Sousa Martins a sua aposentadoria do cargo de Juiz
de Direito e com o seu ordenado “inteiro de hum conto e seiscentos mil reis”,
afirmava o texto aprovado.
No seu retorno para casa, foi o
insigne piauiense bem recebido e festejado com honras de estadista pelos seus
conterrâneos em Oeiras. Depois, recolheu-se à fazenda Canabrava, pertencente a
sua família, local onde também nasceu, para viver os seus últimos dias de vida.
Faleceu em 05 de julho de 1857, com apenas 52 anos de idade.
O Monsenhor Chaves escreve que o
ilustre piauiense ainda tentou o suicídio em uma ocasião no ano de 1857, mesmo
ano da sua morte.
Uma das atividades pouco
difundidas do grande piauiense, é a sua condição de escritor e tradutor. Apenas dois dos seus trabalhos literários
foram publicados, ou chegaram ao conhecimento do público, como o seu “Progresso
do jornalismo no Brasil”, publicado na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (RIHGB, tomo VIII, p. 262 a 275). O restante da sua obra
continua desconhecida ou foi publicada sem a identificação do seu criador em
jornais ou revistas.
Quando da sua morte, foi
“encontrado entre seus pertences na fazenda Canabrava, uma tradução por ele
feita, e que ficou inédita, de “Viagens em redor do meu quarto”, de Xavier de
Maistre, entre outras, e escritos sobre finanças”, nos informa Reginaldo
Miranda.
Por sua vez, o historiador F. A.
Pereira da Costa, no seu livro “Cronologia Histórica do Estado do Piauí”,
afirma que o ilustre Francisco de Sousa Martins, como membro do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro, foi homenageado postumamente pelo seu confrade e
renomado escritor, Joaquim Manoel de Macedo. Discurso esse publicado no
Suplemento do Ano Biográfico do IGHB, no qual, entre outros elogios extremados
sobre a vida e obra do extinto piauiense, declara ter sido ele uma
“inteligência ilustrada por sérios e profundos estudos, caráter nobre e severo,
e de probidade experimentada, Francisco de Sousa Martins foi muito menos do que
devia e podia ter sido”.
PS. O título que emoldura o texto
foi tomado por empréstimo de um poema do Chico Acoram sobre o notável
piauiense.
Obrigado, mestre. As correções relativas às datas já foram feitas.
ResponderExcluir