terça-feira, 23 de março de 2021

ESTADO DE SÍTIO E O COVID-19

 

Fonte: Google

ESTADO DE SÍTIO E O COVID-19


Valério Chaves

Des. Inativo do TJPI, escritor e memorialista

 

Ao longo da existência do homem sobre a face da terra e desde que ele saiu das cavernas e passou a viver em sociedade, a noção de direito, de ideais de liberdade, de justiça e de dignidade das pessoas, sempre estiveram presentes, em maior ou menor escala.

                Segundo os historiadores, no correr da história dos grupos humanos, os bens de valores adquiridos por cada indivíduo, pertenciam a todos formando uma verdadeira comunhão democrática de interesse, sem haver qualquer espécie de subordinação de caráter social ou político.

Na sequência dessa evolução histórica, a restrição ao direito de ir e vir era adotada não como medida visando tolher a liberdade do homem, mas para pôr fim à vida de quem ousasse conspirar contra a autoridade do regime político dominante. Gradativamente, porém, o espetáculo das punições públicas foi se extinguindo, deixando pouco a pouco de ser uma cena que fazia o “carrasco se parecer com criminoso, os juízes aos assassinos e o suplicado um objeto de piedade” (Michel Foucault – Vigiar e Punir, pp. 14-69).

O contrário sensu, o que se vê nestes tempos difíceis pelos quais passa o mundo marcado pela epidemia da covid-19, são alguns governantes usarem o poder que o povo lhe outorgou pelo voto, adotarem medidas restritivas da liberdade (lockdown, toque de recolher, limitações de horários etc.), em total violação ao direito fundamental à liberdade e à vida das pessoas (art. 5º, caput, CF).

Nesse contexto, não se desconhece que, embora seja o Brasil uma República Federativa configurada em Estado Democrático de Direito, pode, em caso de risco para a saúde da população (como a atual pandemia do coronavirus), ser submetido a situações excepcionais previstas em nosso ordenamento jurídico, especialmente na Constituição Federal.

 Em tais hipóteses, visando combater os imprevistos, comoção grave de repercussão nacional e, sobretudo, restabelecer a ordem pública ou a paz social ameaçadas, o Presidente da República, após ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, e solicitar autorização ao Congresso Nacional, pode decretar medidas excepcionais com abrangência em todo o território nacional, tais como: intervenção Federal; Estado de Sítio e Estado de Defesa previstas nos artigos 136 e 137, caput, CF.

Importa lembrar por outro lado, que não obstante o Supremo Tribunal Federal já tenha reconhecido a competência concorrente dos Estados, Distrito Federal e Municípios no combate à covid-19, na prática, nem sempre os decretos respectivos contêm as mesmas regras, alguns chegam a impor suspensão de direitos individuais sob a alegação de garantir o direito à vida e controlar a pandemia da covid-19.

E é justamente nesse aspecto onde reside a semelhança entre o Estado de Sítio e as medidas restritivas de direitos fundamentais (lockdown), porquanto em alguns municípios brasileiros, não somente as pessoas estão sendo proibidas de sair de casa em determinados horários, como também às empresas são estabelecidos horários de funcionamento, o que resulta em sérias consequências para a sociedade, levando de roldão o direito-dever do Estado de restabelecer a ordem pública e a paz social.

Em que pese serem medidas revestidas de excepcionalidades, não deixam de implicar restrições às liberdades individuais – e só por isso, devem adotadas com o máximo de cautela.

É como penso.    

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