segunda-feira, 19 de abril de 2021

Agradecimento ao velho corpo

Fonte: Google


Agradecimento ao velho corpo


Elmar Carvalho

 

Há vários anos sem escrever versos, elaborei este poema, em que presto homenagem a meu corpo, tantas vezes injustiçado, esquecido ou negligenciado. Talvez seja meu canto de cisne, espero que não por morte.

 

Obrigado, velho amigo,

meu instrumento, minha tenda,

pelos longos anos de bons serviços prestados.

 

Nem sempre te dei a devida e merecida atenção.

Agora faço este encontro de contas ou ajuste

entre meu espírito e tu, meu bom servo.

 

Tampouco te agradeci por me servires,

nesta romagem terrena, sem reclamares

e sem te escusares ao labor árduo ou leve.

 

Certo adoecestes algumas vezes.

Me chateei contigo outras tantas,

quando o cansaço te exauria.

 

Quantas vezes, no esplendor da adolescência

e no vigor da juventude, não exultei quando

as mulheres nos olhavam com êxtase e afeto.

 

Eras prenhe de energia e vigor,

e eu era então incansável em labutas

úteis ou de puro ludismo e amor.

 

Tudo me era um hino à vida

e ao prazer, ao simples prazer

de estar vivo e contente.

 

Relutei em aceitar o teu declínio.

 

E o lento desmoronar em rugas,

esculpidas em minha pele, outrora

macia, e que suscitava carícia e louvor.

 

Nunca te agradeci

pela perfeita e sincronizada

engrenagem de múltiplos órgãos

 

a trabalharem, cada um em sua função,

desde a mais humilde à mais nobre,

todas contudo imprescindíveis.

 

Obrigado, velho companheiro, minha tenda

terrena, tenda de pó, pó ao pó, pó ao poente,

por todos esses anos, em que estivemos

 

juntos, visceral e radicalmente colados.

Aproxima-se o dia em que me deixarás

ou em que eu te deixarei. Tu ficarás.

 

Eu irei, não sei ao certo para onde. Mas irei,

sem corpo ou em corpo mais glorioso, para

uma das várias e inefáveis moradas do Pai.   

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