sábado, 1 de maio de 2021

Apresentação de Rosa dos Ventos Gerais

1ª edição

2ª edição

3ª edição

 

Apresentação de Rosa dos Ventos Gerais (*)

 

Rossana Silva

 

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”.

                               Fernando Pessoa

 

               Assim disse o poeta português Fernando Pessoa. Reportando-nos a esses versos, enalteceremos a realização do sonho de um menino chamado José Elmar de Melo Carvalho que aos dez anos de idade manifestou a sua vocação literária através da leitura prazerosa e incansável dos livros da pequena biblioteca de seu pai Miguel Arcângelo; como também, dos livros que foram enviados pela grande incentivadora deste hábito tão saudável, sua madrinha Mirozinha.

                De origem campo-maiorense, aquele menino, tornou-se um adulto. Residiu por vários anos em Parnaíba, onde se formou em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Piauí. Participou efetivamente dos jornais e revistas desta cidade nos anos 70, proporcionando aos amantes da Literatura uma leitura prazerosa de suas poesias.

                Em 1982 mudou-se para Teresina, onde se bacharelou em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Casou-se com Fátima, com quem tem dois filhos: João Miguel e Elmara Cristina. O Dr. Elmar tornou-se um magistrado, mas nem por isso abandonou sua vocação literária e o sonho de ser imortal. E’ membro da Academia Parnaibana de Letras – APAL, da Academia do Vale do Longá, da Academia Maçônica de Letras do Estado do Piauí, da Academia de Letras e Belas Artes de Floriano e Vale do Parnaíba. É poeta, contista, cronista e crítico literário. Participou de várias obras coletivas e como realização de um sonho, publicou de forma individual o livro de poesias: A Rosa dos Ventos Gerais (1ª edição – 1996) e hoje, seis anos depois, temos a honra de, nesta noite memorável, fazer a apresentação de “Rosa dos Ventos Gerais (2ª edição – revista, aumentada e melhorada). É uma grande responsabilidade fazer a apreciação desta obra,  já que o autor é dono de uma fortuna crítica invejável. Suas poesias foram lidas e apreciadas por grandes nomes da Literatura, dentre eles o renomado escritor Assis Brasil;  assim, a escolha para tal apreciação nos honra e nos envaidece.

                O vate Elmar Carvalho pertence ao Modernismo Piauiense, precisamente à Geração Mimeógrafo, ou seja, a geração dos anos 70 à atualidade. Geração essa, de poetas corajosos que enfrentaram obstáculos próprios da ditadura e passaram a divulgar sua arte de contestação, produzindo textos com um vigoroso conteúdo social, econômico, político, sem esquecer o lírico e telúrico.

                Concordamos de forma plena com o poeta e crítico literário Alcenor Candeira quando diz que Elmar Carvalho é um dos melhores poetas da Geração dos anos 70.

 

 

O LIVRO

 

                Falemos agora especificamente do livro “Rosa dos Ventos Gerais”.

                Partindo da definição de que a “rosa dos ventos” indica os diversos rumos a serem tomados, o título nos sugere os vários caminhos que a vida nos oferece. Qual deles seguir? Seguiremos o que for melhor para a nossa vida, o que nos faz bem e nos traz felicidade.

                O autor, com uma rosa dos ventos, nos conduz à leitura prazerosa de uma temática bem diversificada que enfatiza a paixão avassaladora pela mulher amada envolta de sensualidade e erotismo, a natureza, o telúrico, problemas sociais e a angústia existencial do homem moderno.

                Lembrando os cancioneiros da época do Trovadorismo e do Humanismo, o poeta se utiliza dessa forma medieval para reunir quase toda a sua produção poética, acrescentando alguns poemas inéditos ao lançamento anterior. Essa coletânea grandiosa está dividida em quatro partes denominadas: Cancioneiro do ar, Cancioneiro do fogo, Cancioneiro da terra e da água e Cancioneiro dos Ventos Gerais. Nos quatro cancioneiros há referências à nossa querida Parnaíba. O poeta é parnaibano de coração, dessa cidade, ele tem fortes lembranças que são mencionadas de uma forma muito especial. Trabalhando artisticamente as palavras, fazendo uso da fanopeia (imagem) e da melopeia (musicalidade) o poeta diz:

 

De Parnaíba jamais esquecerei

o vento dedilhando a harpa eólia

da palma dos coqueiros

e uma música divina destilando.

jamais esquecerei a ventagonia fiando

e desfiando os novelos de meus cabelos

encrespados em espumas e salsugens

e arrastando minha alma

             veleiro de aventureiros e corsários

    bandoleiros e libertários –

                pelo largo mar onde

                                                   onda após onda

                o sonho vai quebrar.

 

                Na primeira parte: Cancioneiro do Ar, o poema de abertura “Autobiografia Zodiacal” revela a forte ligação do poeta com a poesia concreta, tão festejada na metade da década de 50 por Décio Pignatari e os irmãos Campos. Essa tendência contemporânea aparecerá nas outras partes do livro. Encontramos um poema de forma fixa (soneto) ao lado de poemas de versos livres sem rima e sem métrica. E’ a conciliação do tradicional com o moderno. Predominantemente líricos, os poemas retratam a sensibilidade do poeta ao falar de amor, sexo, sensualidade e erotismo envolvendo elementos da natureza. O poeta utiliza belíssimas metáforas com o corpo da mulher amada conforme vemos em “cântico do corpo amado”:

 

                “Teus olhos

                são dois lagos – calmos ou agitados –

                em que os meus imergem e se perdem.”

 

                “Tuas orelhas

                são conchas

                em labirinto de perfeito lavor

                e nelas escutas e escuto as vozes

                dos búzios e o chamado do mar.”

 

                Pelas dunas do deserto

                de teu ventre fértil e belo

                encontro o oásis na cacimba

                de teu umbigo em que naufrago

                perigo e me embriago.

 

 

                Chamou-nos atenção o longo poema “Vida in Vitro” (um dos preferidos do poeta). Monólogo de 161 versos livres sem a divisão de estrofes, com iniciais minúsculas, exercendo a tão sonhada liberdade de forma dos poetas da 1ª fase do Modernismo. Neste poema, encontramos o homem moderno: estressado, perdido, angustiado, sem rumo, com uma “Vida In Vitro”, ou seja, preso, à procura de sua identidade, sem saber o que fazer da vida, procurando direção na busca incessante do seu eu, da sua identidade sem, contudo, perder a esperança de um dia encontrá-la. Observemos os versos iniciais e os finais:

 

“andavas pelas ruas de outrora

à procura de ti mesmo

que se encontrava aos pedaços

bêbado nos bares

aos trancos e barrancos

se arrastando pelos lupanares

tortuosamente andando pelas ruas tortas."

  

“queres apenas morrer, esquecer.

queres viver eternamente num mundo

que não é teu. Contudo, tens esperança

e agora teces um poema sem fim

com o novelo infinito de tua vida

que se desdobra do nada ao tudo...

 

                Ainda na primeira parte, encontramos a belíssima elegia que retrata a dor da perda irreparável de Josélia (irmã do poeta que falecera aos 15 anos de idade):

 

                Fui pisado

                pela terra.

                Fui pisado

                pela terra

                eu que sempre

                procurei pisar

                nas nuvens e

                no céu.

 

                Sonhei que minha

                irmã morrera,

                mas ela não morreu.

                Era tão cheia de vida

que continua viva

na lembrança dos

que ficaram.

Ela continua viva

porque houve apenas

uma metamorfose

existencial.

 

Josélia (ou groselha, a fruta)

tinha a pureza dos inocentes

a inocente malícia dos felizes

e a beleza

dos que não são

deste mundo cão.

Por isso foi

Para o céu de

onde (vi)era.

 

               

                Em “Cancioneiro do Fogo” (2ª parte) o poeta se volta para a poesia social, enfatizando problemas tais como: a fome, a miséria humana, o descaso e a falta de sensibilidade das autoridades diante de tanta miséria. A palavra é a arma poderosa que o poeta tem para fazer denúncias e comover os insensíveis. Façamos uma reflexão com alguns versos de “sonata em dor maior”:

 

                A mesa está posta,

                mas os pratos estão vazios.

                O meu povo não tem

                               talheres, nem colheres,

                               por isso come com

                               as mãos o que não

                               existe nos pratos.

 

                O meu povo deseja bater

                palmas para as estátuas dos

                               heróis libertários.

                               Mas como se as mãos

                               e os pés estão atados?

                Em 1888 acabaram com a

                escravidão no Brasil. Mas que escravidão?

                               Se antes os escravos eram pretos,

                               hoje são de todas as cores,

                e cantam com raiva a “Esparrela do Brasil”

               

Os poemas  de Cancioneiro da Terra e da Água (3ª parte) enfatizam os elementos da natureza (mar, vento, concha, búzio, onda...) que o poeta de forma telúrica insere-os aos poemas e faz reverência a Parnaíba, Teresina, Oeiras, Campo Maior (cidade em que o poeta nasceu), Luzilândia, Barras, José de Freitas, Sete Cidades e Amarante. É um verdadeiro tributo ao Piauí. Merece destaque “cromos de Campo Maior” pela descrição imagética de sua cidade.

 

“Açude Grande

apenas no nome, mas pequeno

na paisagem ampla dos descampados.

Tuas águas cinzentas

azularam-se em minha saudade.

Tuas águas barrentas

são tingidas de azul pelo

azul do céu que se espelha

em tuas águas de chumbo.

Em ti os pobres lavam

coisas e se lavam.”    

                              

    Em Cancioneiro dos Ventos Gerais (4ª e última parte) temos como abertura o belíssimo poema “Desiderata”. Nele o poeta utiliza de forma brilhante a técnica da colagem, inserindo no poema passagens da bíblia, da Desiderata de Max Ehrmann e outros textos. E’ um poema de muita reflexão que nos induz a conviver melhor com os nossos semelhantes. Citemos um trecho:

 

“A ninguém te compares,

               para que não fiques vaidoso ou amargurado,

               porque hão de existir

               maiores e menores,

               melhores e piores do que tu.”

 

                Nesta última parte, encontramos dois poemas épicos modernos (assim denominados pelo autor) que merecem destaques especiais: “Dalilíada” que é uma homenagem ao pintor espanhol surrealista Salvador Dali e “Zona Planetária” que é um longo poema inspirado em uma zona de meretrício de Campo Maior. Nele o poeta associa elementos mitológicos, astronômicos à sociologia dos cabarés. De uma forma clássica, o poeta enfatiza a vida sofrida das meretrizes. Mostremos alguns versos:

 

“Nas calçadas altas da Zona Planetária

meretrizes expõem suas carnes

em varais de açougues imaginários

aos transeuntes ou faunos eventuais,

nas horas em que Hélio esboça a Aurora.

Ali, os desejos são Ícaros leves que sobem

nas asas de cera do pensamento, quando

Nyx, filha do Caos, com seu negromanto

Lantejoulado de estrelas e sua

coroa de dormideiras, a noite,

o sonho e a orgia instaura

Cupido passa com seu

séquito de sátiros e de ninfas

pelas calçadas e salões da Zona Planetária

e Eros proclama seu reinado

de orgia, prazeres, orgasmos e pecados.”

 

                E para finalizar o livro, o filho adotivo de Parnaíba faz uma alusão, com o título de poemitos da Parnaíba, a figuras ilustres, populares, estimadas e muito conhecidas pelos parnaibanos, como: Alarico da Cunha, Cego Bento, Bernardo carranca, Pacamão, Meio – Quilo e outros mais.

                Enfim, toda a temática abordada pelo poeta possibilita-nos uma associação com os seguintes versos do poeta modernista Mário de Andrade: “A gente escreve para amar e ser amado, para atrair e encantar.” Dessa forma: atraindo e encantando, Elmar Carvalho nos apresenta Rosa dos Ventos Gerais, pois, é através da leitura de sua poesia que constatamos que o poeta fala com o coração. Mas, como é o seu coração?

 

                “é uma moeda

                de várias faces

                mas de um só

                sentimento: o amor”. 

 

Rossana Carvalho e Silva Aguiar

Parnaíba, 13.04.2001

 

(*) Texto com que a professora Rossana Carvalho e Silva Aguiar fez a apresentação da segunda edição de Rosa dos Ventos Gerais, em Parnaíba, em solenidade da Academia Parnaibana de Letras, então presidida pelo historiador Renato Neves Marques, ocorrida no dia 13/04/2001. 

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