A flauta mágica
Carlos Rubem
O Professor Possidônio Queiroz morava na Rua da Feira, próximo de minha casa. Volta e meia estava com seus familiares. A sua esposa, Otacília, a Mãe Cila de todos, era filha afetiva do meu bisavô Antônio Tapety. De sorte que, desde criança, sempre fui bem acolhido pelo Bruxo Velho de Oeiras. Éramos amigos!
Sempre ouvia dizer que Possi era músico e compositor virtuose. Nunca o vi tocando a sua flauta de prata.
Talvez tivesse 09 anos (1968), quis conhecer propalado instrumento. Falou-me que havia comprado tal instrumento há muito tempo, importado da Itália. Acresceu que não tocava mais. Depois que o guardou, jamais nele tocou.
Possidônio foi maestro da Orquestra Renascença. Participava saraus, tertúlias artísticas. Gostava de serenatas. O seu violonista preferido era Zeca Amorim, esposo de Dona Petinha, bandolinista.
Em 1961, Zeca Amorim sofreu um acidente. O tio Alberto Reis ao fechar a porta de seu carro quebrou o dedo indicador esquerdo do amigo. Ficou deformado. A partir de então o impedia de executar qualquer peça musical. Diante este episódio, Possi guardou “ad aeternum ” a sua companheira de sublimes momentos.
Adulto, vi por diversas vezes partituras das suas famosas valsas, em seu escritório, resgatadas do esquecimento pelo Maestro Emanuel Maciel. Autodidata, tinha muitos métodos de flauta. Adorava solfejar “Toujours ou Jamais”.
Atendendo solicitação, no dia 11.02.1973, Possi enviou a sua flauta mágica para o seu filho Chico Queiroz, também músico, que morava no Rio de Janeiro. Foi transportada pelo Ferrer Freiras que se encontrava de férias em Oeiras.
Como na época Possi não sabia o novo endereço do Chico, em carta, revelou que a encomenda iria aos cuidados do violonista Raimundo Queiroz Neto, seu irmão, pois seria mais fácil Ferrer encontrar.
Transcrevo, abaixo, trecho da carta em apreço:
“No momento da despedida, tentei arrancar algumas notas mas a contragosto verifiquei que a flauta já não me conhecia, ela que outrora foi uma amiga inseparável. Que sons bonitos, maviosos ela me fornecia?... Ficava muitas vezes, noite velha adentro a manejá-la encantado com o que ela me dizia. Doce ao extremo, requeria um sopro suave, fraco, porque do contrário ela gritava magoada.
Nos graves uma beleza encantadora. Notas cheias redondas, magníficas. Nos médios uma riqueza de doçura que se assemelhava ao violino. Nos agudos afinadíssima e agradável sobremaneira ao ouvido.
Hoje me não quis satisfazer. Também há mais de doze (12) anos não tocava. Assim mesmo pude arrancar-lhe quase a contragosto dela, umas cromáticas e uns trenos saudosos que constituíam os meus estudos dos tempos de mocidade.”
Acontece que o Queiroz Neto gostaria de sido ele o contemplado do régio presente que lhe caiu em suas mãos por acaso. Nunca o repassou ao mano, mas não houve qualquer estremecimento fraternal.
Tempo que passa. Chico retornou a Oeiras na condição de Pastor Evangélico. Queiroz Neto faleceu há uns 20 anos. Os seus filhos, enfim, remeteram para o Chico a aludida flauta poucos meses de sua morte (2020). Mal chegou a tirar alguns acordes.
Com muito respeito e emoção, hoje (08.09.2021), tive o prazer de conhecer este emblemático instrumento. Após tratativas, a advogada Raquel Queiroz, filha do Chico, agora proprietária do multicitado objeto, cedeu-me a flauta em tela para a produção de um ensaio fotográfico, o qual tenho a honra de disponibilizar a todos.
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