terça-feira, 21 de dezembro de 2021

Inácio Gondó



Inácio Gondó


José Expedito Rêgo (1928 - 2000)


            “Inácio Gondó, mija na rede e diz que é suó…” (folclore oeirense)


Ao contrário do que se pensa, Inácio Gondó, ladrão célebre, não é filho de Oeiras, nasceu em Valença do Piauí e foi trazido, muito pequeno, nos braços da mãe, para a terra mafrensina.


Foi batizado em Oeiras, sendo padrinho o Coronel Jesuíno Moura, de ilustre família.


Cresceu nas margens do Mocha, brincou na colina do Rosário, apanhou caju nas roças das Laranjeiras. A cleptomania começou desde a infância. Os estudiosos dizem que esse impulso mórbido para o furto é conseqüência de frustração sexual. Nada podemos adiantar sobre a vida íntima de Inácio, naqueles tempos Freud era completamente desconhecido. Conta a lenda que, não encontrando o que afanar, Gondó tirava a própria camisa, escondendo-a num buraco de muro, e ficava à espreita. Quando passava qualquer pessoa, puxava a camisa do esconderijo e saía correndo, só para que se pensasse que estava roubando.


Na maturidade, foi valente, brigador, exímio caceteiro. Deu muito trabalho à polícia, nos forrós do Condado e da Várzea. Certa vez. A fim de que fosse contido, tiveram de amarrá-lo a uma estaca, foi carregado sobre os ombros de dois soldados, para a prisão, como porco que se levasse ao matadouro.


Por esse tempo, morava no Sobrado Nepomuceno, junto à Igreja Matriz o Esdra Beleza, boa vida e brincalhão. Inácio Gondó era analfabeto e, por certo, um mentecapto. O Esdra vestia o coitado de fraque e cartola, gravata e colarinho duro, punha-o nas calçadas, com um jornal de cabeça para baixo, nas mãos. Gondó empolgava-se, fazia compridos discursos, completamente sem nexo, numa oratória babada.


Esdra Tinha uma loja, no andar térreo sobrado. Desleixado, certa noite, deixou a porta principal da casa de comércio aberta. Inácio, de passagem, notou a falha. Mas não se aproveitou. Tratava-se de um amigo. Ao contrário do que possa imaginar, passou o resto da noite de guarda e, pela manhã, foi avisar o dono no andar de cima.

 

Só não dispensou o padrinho, Jesuíno Moura, que morava na casa grande, antiga residência do Visconde da Parnaíba. Na esquina, Jesuíno montara a casa de comércio, bem sortida. Por trás da loja, um armazém com estoque de reserva. Preocupado com o procedimento do afilhado, Jesuíno chamou-o e aconselhou:


– Inácio, você precisa mudar de vida. Desse jeito não está certo. Você acha bom viver sendo preso quase todo dia, é preciso que eu ou outro amigo vá tirar você da cadeia, acha?


– Não sinhô!


– Pois então! Olha aqui, eu sei que você é um bom ferreiro, sabe fazer foice, machados... Eu lhe pago quinhentos réis por cada foice que me trouxer. Comece a trabalhar.


Na mesma tarde, Inácio trouxe uma foice, muito bem feita, brilhado de nova.


– Muito bem, meu afilhado! Ponha a foice ali no depósito e tome aqui os quinhentos réis.


Inácio obedeceu. No dia seguinte, nova foice e a mesma satisfação do Jesuíno.


– Bravo, meu afilhado, você está tomando jeito de gente!


Depois de alguns dias, Jesuíno resolveu mudar.


– Inácio, já basta de foices, agora quero que me faça machados. Vamos ver quantas foice já temos ali no depósito.


Triste surpresa! A foice que havia no armazém era apenas a que Inácio trazia na mão. Todos os dias, ele recebia o dinheiro, guardada a foice e, mais tarde, vinha roubá-la, para trazê-la de volta, no dia seguinte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário