segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

FALANDO DE KAFKA, HITLER, MAQUIAVEL E DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO: DAS CONSEQUÊNCIAS DAS CONDUTAS, PREVENÇÃO E REPRIMENDAS LEGAIS

Fonte: Google

 

FALANDO DE KAFKA, HITLER, MAQUIAVEL E DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO: DAS CONSEQUÊNCIAS DAS CONDUTAS, PREVENÇÃO E REPRIMENDAS LEGAIS

 

 Fabrício Carvalho Amorim Leite

 Advogado e escritor

 

 1- INTRODUÇÃO:

 

                 Quando numa madrugada, Peter Spencer acordou inesperadamente, à noite, com intranquilos sonhos e sensações corpóreas. Estava deitado sobre suas costas uma couraça vermelha e, ao se vê no espelho do teto de seu quarto, viu seu corpo tomado por uma cabeça curta, subtriangular, apresentado olhos compostos grandes e geralmente dois ocelos. Suas pernas tremulavam e, por isso, sentiu-se como não estivesse no chão (ou não tivesse chão).

 

 

 

                   - O que aconteceu comigo? - Pensou.

 

                    Nesta narrativa alusiva ao magistral livro do autor Tcheco Franz Kafka, A metamorfose, ele se través na terceira pessoa. Todavia, na verdade, o grande autor se refere ao seu próprio sentimento de angústia, humilhação e inferioridade que sofria na relação com seu pai, um opressor, segundo os críticos, que o fez pensar que era um inseto, de tão - insignificante.

 

 

 

                      De tal modo, como o que o passou, com o autor judeu e Tcheco, desde à infância, se não tivermos os devidos valores morais repassados por nossos pais e/ou no círculo familiar -tratamos aqui, de valores humanos mínimos, de repulsa a atos de discriminação ou opressão e de empatia para com o próximo, por exemplo -, perpetuaremos cenários descritos, como este.

 

 

 

                       E, se não o desenvolvermos adequadamente este mínimo sentimento de ojeriza a estas atitudes (consciência ou despertar desta), mesmo logo após duras lições ou reprimendas infligidas à humanidade (lembrem-se que nós, ou aprendemos com a dor ou com o amor, diz o ditado popular), é muito provável que, na mesma razão, que um Adolf Hitler, um ex-militar de baixa patente, frustrado pintor e cheio de recalques, ressurja outra vez.

 

                     Bem que a psique do notório opressor foi oportunamente estudada pelo psicanalista Walter C. Langer, em 1943, o que se tornou no célebre livro A mente de Adolf Hitler: O relatório secreto que investigou a psique do líder da Alemanha nazista.

 

 

 

                       Este, em pleno auge da Segunda Guerra Mundial, foi contratado não para exaltá-lo, porém, para entender os padrões de comportamento deste e, com isso, trazer detalhes de que “ (...) A perspectiva que emerge da obra é a de duas personalidades distintas que habitam o mesmo corpo e se alternam. A primeira é de uma pessoa muito frágil, sentimental e indecisa, que tem pouquíssima energia e só quer ser entretida, amada e cuidada. A outra é exatamente o contrário, uma pessoa dura, cruel e decidida, com considerável energia – alguém que parece saber o que quer e está pronto para correr atrás e conseguir o que deseja, independentemente do custo [1]. (...)”

 

 

 

                         Neste aspecto, como na extrema e repugnante figura acima, e em qualquer desvio de personalidade doentia e patológica, é muito provável que, em situações de gestão ou mando (ou de hierarquia), percamos o mais comezinho de nossa natureza humana, qual seja: - a empatia para com os outros, à sensibilidade com os subordinados, familiares, o respeito com o garçom quem nos serve quando precisamos e tem família, estando ali para nos servir, porque traz a alimentação de sua prole, através de seu árduo salário.

 

 

 

                            Pensamos, também, se tratar de um dever de combate ou prevenção.

 

                            Caso contrário, imperará à consciência de que esta “autoridade” sobre os outros se fez de uma pseudo-hierarquia movida pelo medo e, não pelo respeito e liderança. Porém, por sorte, a história da humanidade nos mostrou que esta fantasia da mente é transitória, frágil, temporal e, por mais das vezes, trágica, para os governantes que agem (giram) assim.

 

                         No entanto, no âmbito do poder e sua mantença (ou a tentativa de mantê-lo a todo custo e sem freios), fazemos um pequeno aparte no aspecto das ideias de Maquiavel, na obra “O Príncipe”, como que “os fins justificam os meios” e “que o (governante) deve ser de acordo com a situação”.

 

 

 

                           Tudo isto, leia-se, foi baseado nas suas impressões históricas e abstratas da época em que viveu, e, que, segundo alguns, é um dos percussores da divisão entre os preceitos morais e a vida política/relações de poder.

 

 

 

                             Porém, no final, são estruturas de manipulação poderosas, pois a consciência humana, na maioria da humanidade, se move por medo ou desejo (móbiles externos) e, com isso, é facilmente manipulável.

 

 

 

                              Todavia, pergunta-se: - para que viemos neste mundo? - A linha vertical da consciência do ser humano espera que se cumpra o desejo consigo mesmo, como um dever, ou satisfação por agir com valores e corresponder com a natureza humana. Ou, como multiplicador da vida, agregue valores para deixar sua (boa) pegada na existência. Eis a questão.

 

2- DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DO TRABALHO, SUAS CARACTÉRICAS E CONSEQUÊNCIAS.

 

                                Por vez, agora, abordaremos um tema, que reside num âmbito menor na relação de poder, que é O Assédio Moral no Meio Ambiente de Trabalho, marcado, sobretudo, pela "(...) a exposição dos trabalhadores e das trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções; sendo mais comum em relações desumanas e não éticas de longa duração, de um ou mais chefes, e dirigida a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização.(...)" (Cataldi, 2021).

 

                                 A violência é sutil, às escondidas, todavia, não menos nefasta, perpetrada, no ambiente de trabalho, mas com poderosos efeitos negativos para com à vítima e a sua família, a equipe de trabalho, organização pública ou privada e a sociedade.

 

                          E, como um inseto kafkiano, derrepente, o assediado “(...) "O trabalhador humilhado ou constrangido passa a vivenciar depressão, angústia, distúrbios do sono, conflitos internos e sentimentos confusos que reafirmam o sentimento de fracasso e inutilidade." (...) (Cataldi, 2021).

 

                            Como todo opressor clássico, no mais das vezes, possui padrões comuns, para suprir seu superego, ou sua condição frágil, sentimental e indecisa (ou cardápio):

 

 

 

"• escolher a vítima e isolá-la do grupo; • impedir de se expressar e não explicar a razão; • fragilizar, ridicularizar, inferiorizar, menosprezar em frente aos pares; • culpabilizar/responsabilizar publicamente, podendo os comentários de sua incapacidade invadir, inclusive, o espaço familiar; • desestabilizar emocional e profissionalmente. A vítima gradativamente vai perdendo, simultaneamente, sua autoconfiança e o interesse pelo trabalho; • destruir a vítima (desencadeamento ou agravamento de doenças preexistentes). A destruição da vítima engloba vigilância acentuada e constante. A vítima se isola da família e dos amigos, passando, muitas vezes, a usar drogas, principalmente o álcool; • livrar-se da vítima, que é forçada a pedir demissão ou é demitida, frequentemente, por insubordinação; • impor ao coletivo sua autoridade para aumentar a produtividade." (Cataldi, 2021).

 

 

 

                               Diante das condutas, há semelhanças com os preceitos ou padrões descobertos por Maquiavel, que é um dos percussores da divisão entre os preceitos morais e a vida política/relações de poder.

 

 

 

3 - DA PREVENÇÃO ÀS CONDUTAS E ASPECTOS JURÍDICOS E CONSEQUÊNCIAS. BREVES APONTAMENTOS.

 

                                  Felizmente, há medidas de prevenção que podem e, estão sendo implantadas nas instituições para tentar manter a sua imagem, prevenir riscos de pretensões judiciais e condenações, queda de produtividade do valoroso capital humano, tenha-se um ambiente de trabalho minimamente saudável e traga um alento às vítimas.

 

                                  E, longe de ser uma tentativa camuflada para mascarar o sentimento de asco das pessoas, ou do necessário combate a estes sérios desvios de conduta, trata-se de um enfrentamento necessariamente sério (ou o despertar da consciência).

 

                                   Dentre estes mecanismos, temos a figura do compliance, que é, basicamente, "(...) Compliance vem do verbo inglês to comply e significa agir de acordo com uma regra ou um comando, ou seja, estar em “compliance” é estar de acordo com as leis, sejam elas federais, sejam estaduais, sejam municipais, bem como em conformidade com os regulamentos internos das próprias organizações, de acordo com condutas éticas e códigos respeitados." (Lambert, 2020).

 

                                    Nisto, há questões que devem ser enfrentadas dentro do compliance trabalhista: "(...). Inúmeras são as questões que podem ser enfrentadas dentro do compliance trabalhista: igualdade de gênero; assédio moral e sexual; saúde e segurança do trabalho; corrupção; políticas remuneratórias; aplicações de sanções disciplinares e todas aquelas questões que se apresentarem necessárias à manutenção da credibilidade da empresa. (...)" (Lambert, 2020). Ou seja, é um importante instrumento de prevenção.

 

                                     Claro que, a distinção do assédio moral encontra-se no art. 483, da CLT, e é tranquilamente aceita na jurisprudência:

 

"Rescisão indireta e assédio moral: A rescisão indireta do contrato laboral constitui falta máxima cometida pelo patrão, de modo a tornar insustentável a manutenção do contrato de trabalho. No caso em apreço, o assédio moral evidenciado constitui motivo para a configuração da rescisão indireta do contrato de trabalho na forma tipificada no septuagenário artigo 483 consolidado de 1943. Recurso ordinário não provido." (Nelson, 31/07/2018)

 

 

 

"De outra sorte, quando do assédio moral horizontal, pode acarretar a demissão por justa causa do empregado assediante visto que o assédio moral poderia ser enquadrado como incontinência de conduta ou mau procedimento; ato de indisciplina; ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições." (Nelson, 31/07/2018)

 

 

 

                                    Na esfera da reprimenda mais drástica (Direito Penal), ainda está em discussão a aprovação, por exemplo, do projeto de lei 5.971/01, não menos bem-vinda e esperada, como em situações nas quais o Direito Penal deverá agir:

 

Art. 203-A. Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objetivo atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa.

 

 

 

                                      Além disso, a Lei de Improbidade Administrativa é vista como possível de ser aplicada, nestes casos:

 

"Destaca-se, ainda, que a depender do caso concreto, o assédio moral pode-se configurar hipótese de improbidade administrativa (art. 11 da Lei 8.429/92), o qual já fora reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ):

 

 

 

Administrativo. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Assédio moral. Violação dos princípios da Administração Pública. Art. 11 da Lei 8.429/1992. Enquadramento. Conduta que extrapola mera irregularidade. Elemento subjetivo. Dolo genérico. 1. O ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ. 2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da Administração Pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico). 3. O assédio moral, mais do que provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é campanha de terror psicológico pela rejeição. 4. A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém. 5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida. 6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese. 7. Recurso especial provido. (Grifos nossos)." (Nelson, 31/07/2018).

 

 

 

4- DA CONCLUSÃO:

 

                                Por derradeiro, feitas às explicações, acredita-se num futuro no qual a individualidade e autonomia humana não poderão ser tolhidas por mini tiranos de plantão.

 

                                 Até mesmo porque, para evitar e cortar, antecipadamente, “às raízes do mal” criadas antes da implicação do Holocausto, por exemplo, que, em sufrágio às vítimas, teve seu dia de lembrança no último 27 de janeiro, apesar da desinformação e negacionismo a respeito do importante acontecimento [2]).

 

                                          Por fim, fica como fecho final para os que sofrem (ou sofreram) opressões ou discriminações em diversas situações:

 

“O sucesso chega aos humildes e aos de pouco talento, mas a característica especial de uma grande pessoa é superar os desastres e pânicos da vida humana. – Sêneca, Sobre a Providência 4.1”.

 

 

 

[1] (In https://www.amazon.com.br/Hitler-Relat%C3%B3rio-Secreto-Investigou-Alemanha/dp/8544107354, acesso em 28/01/2022).

 

 

 

[2] ( https://noticias.r7.com/internacional/holocaustodesinformacao-marca-data-em-memoria-das-vitimas-27012022?amp, acesso em 29/01/2022.

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