domingo, 27 de fevereiro de 2022

Guernica

 

Guernica, de Pablo Picasso   Fonte: Google
Cartaz do filme O Pianista, que mostra muito bem o que uma guerra causa
Pintura de Socorro Ramalho, baseada em meu poema, enviada por WhatSapp



GUERNICA

(ou versos extraídos da guerra)

 

Elmar Carvalho

 

Cogumelo de fogo

para o céu erguido

como um cálice

de lágrimas e fel.

 

Dragão de ferro encouraçado

a cuspir fogo e bala

pela boca de morte dos canhões.

 

Órfãos famélicos indigentes

de olhos desvairados e pidões

e mãos esquálidas estendidas.

 

Escombros de argamassa

e de ferros retorcidos

como expostas

vísceras dilaceradas

pelas ruas mortas e abandonadas.

 

Horda de famintos

revolvendo os detritos fétidos

dos monturos espúrios da cidade.

 

Rajadas e metralhas

de homens contra homens

que nunca se viram,

na impessoalidade

do ódio imotivado.

 

Letíferos fogos de artifício

de macabra pirotecnia.

Bolas e bólidos de fogo na noite

de aéreos mísseis e baterias antiaéreas.

Foguetes de mortíferas

lágrimas incandescentes

belas bélicas indecentes

belicosas pétalas de rosas

de novas hiroshimas e nagasakis.

 

Desolação. Insolação. Solidão.

Insólita busca da sombra

de árvores dilaceradas

de galhos decepados

de copas mutiladas.

Sombras que não dão sombra.

 

Corpos empilhados

na espera das aves de rapina

ou da boca desdentada das covas rasas.

 

Legiões de famintos e mutilados:

seios drenados até a última gota;

olhos de fontes exauridas;

braços sem mãos, mãos sem braços;

filhos sem mães, mães sem filhos;

pernas sem pés, pés sem pernas;

filhos sem pais, pais sem filhos.

Tudo sem pé nem cabeça:

cabeças degoladas rolam nas estradas.

 

Guerra: garra, gárgula, grilhões, gosma, guetos,

genocídio, gritos, grude, gorja, gonococos,

ganância, gotas de lágrima, gotas de sangue,

grogue, gogue/magogue, Gólgota: Guernica.

 

Desassossego até de inocentes e indefesos animais.

 

Guerra: essência de sandice e ponto final +  

OBS.: tomo a liberdade de transcrever abaixo o comentário do advogado Fernando Rocha, pela sua profundidade e pertinência:

"A pujança do ordenamento das palavras postas neste poema traduz a dor e o horror da guerra! A brutalidade do cenário está exposto com a veemência verbal do seu talento oratório. Sou capaz de ouvir o metálico estalido das engrenagens das metralhadoras cuspindo balas ao som da sua horripilante música da morte.

A intempérie causada pela chuva de bombas esconde em seu negrume a paisagem outrora fascinante. O olor de fogo e fumaça está exalando deste texto como se eu estivesse presente ali. Conseguiu o condão de uma visão tridimensional do contexto.

A pintura de Socorro Ramalho externa com exatidão o meu sentimento!
Sinto, ainda, a dor das personagens!
Sem mais palavras diante da arte descrevendo a morte.
Parabéns!"

5 comentários:

  1. A punjança do ordenamento das palavras postas neste poema traduz a dor e o horror da guerra! A brutalidade do cenário está exposto com a veemência verbal do seu talento oratório. Sou capaz de ouvir o metálico estalido das engrenagens das metralhadoras cuspindo balas ao som da sua horripilante música da morte.
    A intempérie causada pela chuva de bombas esconde em seu negrume a paisagem outrora fascinante. O olor de fogo e fumaça está exalando deste texto como se eu estivesse presente ali. Conseguiu o condão de uma visão tridimensional do contexto.
    A pintura de Socorro Ramalho externa com exatidão o meu sentimento!
    Sinto, ainda, a dor das personagens!
    Sem mais palavras diante da arte descrevendo a morte.
    Parabéns!

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  2. Muito bom: não há vencedores numa guerra. Parabéns por dispor de seu tempo para a promover a paz. Até breve.

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  3. Poema contundente, muito oportuno por agora também

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  4. Meus amigos comentaristas, fico comovido com as palavras amáveis e estimulantes de todos vocês. Muito obrigado.

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