quinta-feira, 12 de maio de 2022

REVENDO MEUS MORTOS

Fonte: Google


REVENDO MEUS MORTOS


José Expedito Rêgo


Costumo sonhar com meus parentes falecidos, meu pai, meus tios, meus irmãos. A primeira pessoa que vi morta foi minha irmã Zilda, a primeira do nome, que sucumbiu a uma gastrenterite, com três anos de idade, naqueles tempos funestos em que os médicos prescreviam dieta de fome para curar diarreia. Vi-a no caixãozinho azul, vestida de Santa Teresinha, jamais esqueci. Apareceu-me em sonhos muitas vezes, nos pesadelos de minha infância. Outro irmão, Cláudio, morreu aos seis anos, em consequência de meningoencefalite, sequela de sarampo. Também povoou meus sonhos de aflição. Manoel Felipe, aos vinte e sete anos, foi vítima de brutal acidente rodoviário, parece que provocado intencionalmente por um caminhoneiro irresponsável e de mau caráter. Isto aconteceu em 1960 e, anda hoje, sonho com meu querido irmão. Teve morte cruel. Após o acidente, conduziram-no para casa, aparentemente bem, caminhando com seus próprios pés, consciente, narrou todo o desastre. Uma hora depois, veio a dor de cabeça, os sinais de hemorragia cerebral, a morte inexorável.


Os sonhos com Manoel Felipe voltam frequentemente. Aparenta a mesma idade em que morreu, o ambiente é a velha casa de meu pai, em Oeiras. Ora de fisionomia séria, mais vezes jovial como em vida, palestra alegre com os membros da família, está sempre de visita rápida. Logo deve voltar para o lugar onde mora, ninguém sabe qual seja. No sonho, tomo conhecimento de que ele está morto, mas esse fato não tem a menor importância. Age como se exercesse um emprego, um negócio qualquer, num lugar distante, porém terreno. Nunca pode demorar em nossa companhia. Sua volta ao mundo dos vivos, no sonho, é uma concessão especial.


Os antigos achavam que as pessoas mortas, vistas em sonho, eram espíritos. Ainda hoje, muita gente assim pensa.


Meu pai, pouco meses antes de falecer, dizia ter visto sua mãe, morta há muitos anos, aparecer diante dele, comunicando-lhe que estava no tempo de sua própria viagem. Ele tinha o hábito de cochilar, recostado a uma poltrona de balanço, “assistindo” televisão.


Eu continuo aceitando os ensinamentos do Mestre de Viena, quem melhor já interpretou os sonhos. São no fundo desejos de ter os meus entes queridos de volta ao mundo dos vivos. Desejos muito fortes, inconscientemente satisfeito nos devaneios oníricos. 

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