Farinha com açúcar
Pádua Marques
Cronista, contista e romancista
Raros foram os meninos de meu
tempo que não comeram farinha com açúcar. No fantasioso mundo de um menino
pobre não existia melhor merenda do que farinha com açúcar. Melhor até que um
pedaço de rapadura, uma cocada de abóbora, um pedaço de doce de goiaba,
quebra-queixo, um bombom de açúcar queimado. E mais ainda se era escondido de
nossa mãe e dentro de uma xícara. Havia a tensão, o medo da descoberta pelo
malfeito e isso era que nos dava prazer.
Comer farinha com açúcar era uma
merenda barata, mas pra se conseguir os ingredientes muitas das vezes nos
custava uma surra ou um puxão de orelhas. Mas era aquele pedaço de nosso dia
mais rico de aventuras. A viagem até a cozinha e em lá chegando se descobrir
onde estavam as duas latas, a de farinha branca e a do açúcar, aquela que daria
um toque de sabor se dependendo de quantas colheres seriam necessárias na mistura.
E os olhos e os ouvidos da gente
apurados no sentido da porta a procurar qualquer vestígio um barulho que
pudesse ser de nossa mãe vindo nos pegar com a mão na massa. Uma a uma as
colheradas de farinha e de açúcar indo pra dentro da xícara e depois os passos
cheios de medo indo até a porta e de lá alcançando o fundo do quintal. Pronto,
a aventura estava realizada, comer farinha com açúcar!
Nossas mães nunca gostavam de
saber ou descobrir que os meninos andavam mexendo na cozinha atrás de lata de
farinha e de açúcar. Diziam que quem comia estava criando lombrigas e a gente
com esse bicho na barriga morria mais cedo. Mas não adiantava esse carão. Às
vezes até elas mesmo, sem saída pra nossos pedidos, acabavam fazendo a receita
maravilhosa. E até acrescentavam naquela mistura umas gotinhas de leite de
vaca. Uma maravilha!
Da mesma forma que farinha com
açúcar, outra coisa boa de se comer escondido era leite em pó. Naquele tempo
agora é que estava aparecendo nas quitandas o tal leite em pó Ninho. Vinha numa
lata pequena e com rótulo amarelo e a gravura de um ninho de passarinhos. E a
curiosidade era que dentro da lata vinha um papeirinho de folha de Flandres. A
lata de leite era trazida pelo pai quando recebia dinheiro e a gente acabava de
ganhar um irmão.
Aquela lata embrulhada no papel
tinha um significado: que o nosso irmão, aquele que mal engatinhava, acabara de
ficar no canto. Era como se dizia com aquele que perdia o trono, o lugar no
colo da mãe e as atenções de todos que eram gente grande. E a gente achava
quando havia um descuido de nossa mãe, de procurar a mais cobiçada de todas as
coisas da casa naquele momento, a lata de Leite Ninho, e de posse de uma colher
encher a boca. Ruim era quando aquele negócio grudava no céu da nossa boca ou
por um descuido caía de cheio na nossa cara.
Farinha com açúcar
Pádua Marques
Cronista, contista e romancista
Raros foram os meninos de meu
tempo que não comeram farinha com açúcar. No fantasioso mundo de um menino
pobre não existia melhor merenda do que farinha com açúcar. Melhor até que um
pedaço de rapadura, uma cocada de abóbora, um pedaço de doce de goiaba,
quebra-queixo, um bombom de açúcar queimado. E mais ainda se era escondido de
nossa mãe e dentro de uma xícara. Havia a tensão, o medo da descoberta pelo
malfeito e isso era que nos dava prazer.
Comer farinha com açúcar era uma
merenda barata, mas pra se conseguir os ingredientes muitas das vezes nos
custava uma surra ou um puxão de orelhas. Mas era aquele pedaço de nosso dia
mais rico de aventuras. A viagem até a cozinha e em lá chegando se descobrir
onde estavam as duas latas, a de farinha branca e a do açúcar, aquela que daria
um toque de sabor se dependendo de quantas colheres seriam necessárias na mistura.
E os olhos e os ouvidos da gente
apurados no sentido da porta a procurar qualquer vestígio um barulho que
pudesse ser de nossa mãe vindo nos pegar com a mão na massa. Uma a uma as
colheradas de farinha e de açúcar indo pra dentro da xícara e depois os passos
cheios de medo indo até a porta e de lá alcançando o fundo do quintal. Pronto,
a aventura estava realizada, comer farinha com açúcar!
Nossas mães nunca gostavam de
saber ou descobrir que os meninos andavam mexendo na cozinha atrás de lata de
farinha e de açúcar. Diziam que quem comia estava criando lombrigas e a gente
com esse bicho na barriga morria mais cedo. Mas não adiantava esse carão. Às
vezes até elas mesmo, sem saída pra nossos pedidos, acabavam fazendo a receita
maravilhosa. E até acrescentavam naquela mistura umas gotinhas de leite de
vaca. Uma maravilha!
Da mesma forma que farinha com
açúcar, outra coisa boa de se comer escondido era leite em pó. Naquele tempo
agora é que estava aparecendo nas quitandas o tal leite em pó Ninho. Vinha numa
lata pequena e com rótulo amarelo e a gravura de um ninho de passarinhos. E a
curiosidade era que dentro da lata vinha um papeirinho de folha de Flandres. A
lata de leite era trazida pelo pai quando recebia dinheiro e a gente acabava de
ganhar um irmão.
Aquela lata embrulhada no papel tinha um significado: que o nosso irmão, aquele que mal engatinhava, acabara de ficar no canto. Era como se dizia com aquele que perdia o trono, o lugar no colo da mãe e as atenções de todos que eram gente grande. E a gente achava quando havia um descuido de nossa mãe, de procurar a mais cobiçada de todas as coisas da casa naquele momento, a lata de Leite Ninho, e de posse de uma colher encher a boca. Ruim era quando aquele negócio grudava no céu da nossa boca ou por um descuido caía de cheio na nossa cara.
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