quarta-feira, 1 de março de 2023

Era uma vez: o encontro da Mentira com a Imaginação

 


Era uma vez: o encontro da Mentira com a Imaginação

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)

 

-Sou a Mentira, rainha das torpezas, das trapaças e do poder.

-É mesmo? Chamo-me Imaginação. Crio mundos da fantasia e educo às pessoas através da boa-fé e brandura. Revelo, de forma simples e diferente, a complexa realidade da convivência humana.

-De que adianta a boa-fé, se o mundo e os humanos são feitos de mentiras, hein, Imaginação?

-Ah, ah, ah! Imagino, sem trair a verossimilhança das coisas e realidade.

-Ajudo às pessoas a descobrirem as entrelinhas de seus mundos interiores. Faço as crianças, jovens e adultos sonharem. Crio mundos imagináveis, lindos quadros, obras de arte, poemas, contos de fadas e super-heróis. O belo.

-Enfim, molduro à existência dos aflitos, ajudando-os a superar seus traumas e dilemas. Fantasio estórias para brincar e contar coisas. Trago o bem. Sou parte de um plano maior do criador.

-Como é? Plano do criador? Desde quando também não faço parte? E às úteis mentiras sociais? Não seja arrogante...

-Já imaginou se os humanos falassem verdades e fossem honestos o tempo todo? E se disséssemos todas as verdades sobre os outros? Certamente, o mundo e a raça humana não conviveriam por causa do aumento das guerras e tristeza.

-Então, mesmo falseando falar verdades, acha que me engana, rainha das torpezas? Veja o personagem Pinóquio, criado para mostrar às crianças, jovens e adultos o lado ruim de mentir.... Com sua história, vimos os males trazidos por você.

-Pimbinlimpimpim. E Pinóquio mostrou que toda mentira tem perna curta. Não é verdade, Mentira?

-Entendo o seu lado, querida irmã, mas, eu sou do bem. Veja só: se você falou do lado ruim da mentira, é porque há um bom, também...

-Quê? Querida Irmã? Do bem? Já vem mentido outra vez. Não sou sua irmã e não venha com esta que é do bem. Seu pai é o diabo! Com este, não possuo parentesco!

-E você desvirtua, sem um pingo de ética, meus contos de fadas. Queres me iludir? Estes falsos afagos não me seduzem...

- Quando crio Pinóquio e a Rainha má, de Branca de Neve, trago simples alegorias e lições para combater você e a sua falsidade, entendeu? Ou possuí memória seletiva?

- É mesmo? Obrigada pelo sincero elogio. Porém, continuando com o assunto... Verdadeiramente, a Rainha má, de Branca de Neve, é linda, representa o belo. E, como Aristóteles “o belo é o esplendor da ordem”.

- Lá vem você, novamente. Usa, com atrevimento, uma velha falácia de autoridade, para tentar legitimar suas torpezas e distorcer a essência da personagem criada por mim!

- Pobre Aristóteles, está se mexendo no túmulo! O belo não é isto!

- Ah, é? A propósito da história. Recordo-me de uma cena linda na qual a Branca de Neve saboreia docemente uma rubra e brilhante acerola presenteada pela bela Rainha má. Admita, irmãzinha? Não é verdade?

-Bum! Peguei você, de novo, a Mentira tem perna curta mesmo! Quem, afinal, vai dar ouvidos a você, não é?

- O pseudofruto era, na verdade, uma maçã envenenada vermelho-sangue oferecida pela mentirosa bruxa e Rainha má...

- E, quer saber mais? A verdadeira perfeição e beleza vem depois, quando o príncipe encantado, com seu amoroso beijo, salva a meiga Branca de Neve do terrível feitiço!

- Está bem! Sinceramente, Imaginação, é culpa da minha memória ruim, estou ficando um pouco cansada diante séculos e séculos de ofício ...

-É verdade! Pelo menos, nisto, concordamos: a memória é a maior inimiga da mentira. Bom! Espero, o quanto mais rápido possível, dê entrada em sua aposentadoria. Adeus!

(*) Advogado e escritor.    

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