quarta-feira, 12 de abril de 2023

A inusitada tradição de furtar galinhas na Sexta-feira Santa

Fonte: Google


A inusitada tradição de furtar galinhas na Sexta-feira Santa


Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)


Infelizmente, não roubei nenhuma galinha na Sexta-feira Santa deste ano. E nem nas últimas anteriores.

Explico: não pertencia ou pertenço a alguma gangue de ladrões de galinhas. Ao menos, profissional.

Esta confissão traz-me vergonha mais pelo sumiço das velhas tradições da Semana Santa, do que pela minha condição de ex - infrator dos códigos penal e civil.

Posso garantir que, há muito tempo, na minha Vila de Boa Esperança, os ladrões da Sexta-Feira da Paixão, dias antes, avisavam da visita especial da comitiva dos bufões.

O amigo Manoel, sempre pronto, fazia seu papel de sondagem dos melhores galinheiros com acessos mais fáceis e com galinhas rechonchudas.

E, ainda, no mesmo passo, dava o recado ao dono:

-Sexta-feira Santa passaremos aqui para buscar nossa galinhaça. - código dado.

Era tudo combinado. Brincadeira saudável. Troça. Uma prática cultural bem arraigada na época, mesmo com a incompreensão de hoje.

Tinha um certo lirismo no sentido da união humana — ou seja, uma tradição curiosa repleta de fantasia, galhofas e de consciência no valor dos pequenos momentos.

Havia, sim, um doce clima de expectativa e descontração.

Eram familiares, vizinhos e amigos pregando uma espécie de trote um nos outros. Nenhuma pessoa gritava pega-ladrão.

Os mais espertos, avisados da comitiva, cedinho, escondiam seus melhores galináceos dentro de casa.

À noite, galos velhos, frangos e galinhas moribundas eram os sacrificados no grande expurgo e banquete pagão.

Galinha d'angola e peru? Só se por extremo descuido do dono. Sorte grande para os ladrões. Muita festividade.

Lembro-me que, quando mais jovem, pratiquei o grave delito de levar um velho pato do terreiro de um vizinho.

Não peguei mordida do cachorro Tubarão e nem fui alvejado com o tiro de sal de sua soca-soca, pois Manoel, zeloso, tinha avisado antes ao dono do pato. Melhor.

E, como o grande mestre Jesus estava bastante ocupado em ressuscitar, fui perdoado em seguida. E o pato pagou o pato.

Destino selado: horas e horas de panela de pressão. Grátis é grátis. E, num forno a lenha, melhor.

Infelizmente, o grupo se extinguiu por obrigações familiares e de trabalho. Personalidades dignas do conto Ali Babá e os Quarenta Ladrões.

Hoje, cada um, com lembranças, risos e prantos, exalta o famoso “no meu tempo era assim”.

Bom ou ruim? Só o tempo dirá.

Bem, só sei da mudança dos costumes da velha Vila, com as primeiras casas de muros altos, câmeras e cercas elétricas.

Hoje em dia, reflito sobre os verdadeiros salteadores agindo com seriedade à solta, aproveitando-se do declínio da base social.

Pais, jovens e antigas tradições do mesmo modo se isolam nas telas. Muros das desconfianças. Tudo é desconfiança, comparando-se a nossa ancestral e fraterna brincadeira juvenil.

Hoje, existimos como galinhas presas nos galinheiros, cantando e rindo sob a traiçoeira impressão de segurança.

A zona rural? Sim. A bucólica zona rural.

Ainda atrai um certo cheiro de saudosismo. Porém, hoje, como alguns se orgulham: - é melhor comprar galeto ou frango de granja tratados.

Criar as cobiçadas galinhas caipiras, principais alvos da antiga brincadeira, também, está em desuso. Exige muita mão de obra e custos com ração, dizem alguns.

Felizmente, são as últimas fortalezas da extraordinária tradição. E, assim, acompanham o trajeto da vida. Ainda resistem.

Os costumes e tradições vão-se, pouco a pouco.

E, de madrugada, ouvirei mesmo o som mecânico e metálico do galo saído do smartphone de meu vizinho do muro alto.

Tempos idos ao cantinho da memória do saudosismo gostoso.

(*) Advogado e escritor.

3 comentários:

  1. 👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏

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  2. Eu era menina e lembro que meu vô gostava de pegar gainha co grande turma e anda cantavm na porta de quem eraroubado ,mas eram muitos e ninguem saía pra ver quem era Já sabiam.🙄🙄🙄

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