César Carvalho, Zé Francisco Marques e Elmar Carvalho Foto: Antônio José
CORREDORES, UM LAGO NA CAATINGA
Elmar Carvalho
No domingo, fomos eu, meus irmãos
César e Antônio e o Zé Francisco Marques à barragem dos Corredores, distante
cinquenta quilômetros da cidade de Campo Maior. Deixamos a estrada asfaltada,
que vai para Castelo e São Miguel do Tapuio, e seguimos por uma carroçável. Em
certo ponto, encontramos um grande rebanho de gado bovino, tocado na retaguarda
por dois vaqueiros, cada qual em seu cavalo, devidamente paramentados, como nas
músicas de Luís Gonzaga, o inesquecível Rei do Baião, com seus ternos de couro,
ou perneira e gibão, além do indispensável chapéu de couro, que lhes protege
dos espinhos e galhos secos do agreste.
Fiz questão de assinalar que os
vaqueiros estavam a cavalo porque hoje não é rara a figura dos vaqueiros
motorizados, a campearem em suas barulhentas motocicletas, de buzinas
estridentes, que já não usam o bucólico e melancólico aboio, que parece tanger
e amansar as reses. Conduzi a picape lentamente, enquanto os bois se afastavam
do leito da estrada, de modo que pude passar sem nenhum problema.
As vacas seguiam
pachorrentamente, imperturbáveis, como impassíveis matronas. Nada lhes
apressava o passo nem lhes alterava a elegância do andar, quase desfile. As
corcovas dos novilhos se destacavam, a balançar de um lado para outro, ao
compasso da marcha. Nesse percurso a gente se depara com a beleza seca, árida,
agreste da caatinga, que nos faz recordar as histórias e fotografias de Lampião
e seu bando de cangaceiros.
Na paisagem plana do tabuleiro,
recoberto pelas gramíneas e capim mimoso, surgem os arbustos da mata rala e a
beleza agressiva e espinhenta dos mandacarus, xiquexiques, macambiras e
coroas-de-frade, e esparsas moitas de mufumbo, de folhagem densa, a alegrar a
aridez da paisagem, em que repontam a graça dos leques das carnaubeiras.
Algumas cabras pastavam, enquanto outras buscavam a sombra de alguma árvore
mais copada, como nos poemas de Dobal.
O lago de Corredores é um mundão
d'água, insolitamente perdido e encravado na sequidão das pedras e da caatinga.
Para não termos o trabalho de armar nossa barraca, nos dirigimos a uma palhoça
que se encontrava desocupada. Pelos cocôs espalhados, logo vimos que ali se
abrigavam caprinos, à noite. Quando nem bem nos acomodamos, logo chegou um
homem, numa motocicleta, a nos perguntar se não desejávamos alguma coisa.
Percebemos que ele queria marcar território e faturar algum dinheiro.
Encomendamos uns espetinhos, e demos como pago o nosso tributo.
Ao som de boa música, degustamos
um delicioso tira-gosto que trouxemos, a contemplar sem nenhuma pressa a beleza
do lago e dos morros que lhe dão forma e ornamento. No retorno, fotografei um
cemitério campestre, abandonado na solidão e no abandono do abandonado
semiárido. Com o êxodo rural, é muito provável que até as almas tenham se
exilado daquele campo santo do sertão. E já não entoem os miseres e excelências
nas noites mortas do ermo.
22 de junho de 2010
Adorava desbravar nossos "interiores", era como falávamos na infância e na pré-adolescência, fico feliz de saber que ainda preservam os Fazeres e Saberes Locais.
ResponderExcluirO nosso Piauí tem belos e instigantes lugares, ainda desconhecidos pelo grande público.
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