segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

TRÊS DATAS JUBILARES (*)


Da esquerda para a direita: Elmar Carvalho, Francisco Miguel de Moura, Valdeci Cavalcante, presidente Fides Angélica, Fonseca Neto e Nelson Nery.


Foto: Josemar Lopes


TRÊS DATAS JUBILARES (*)

 

Elmar Carvalho

 

PREÂMBULO

Meus pais, eu e meus irmãos fomos morar em Parnaíba em junho de 1975. Residimos durante alguns anos no apartamento dos Correios e Telégrafos, situado na bela Praça da Graça. No final dos anos 1970, a praça foi desfigurada por uma reforma, mas ainda assim permaneceu cheia de graça. Nela e no seu entorno ficavam as principais empresas da cidade e várias repartições públicas, inclusive a Prefeitura.

Ao seu redor, podíamos encontrar os bancos do Nordeste, do Brasil e do Estado do Piauí; a catedral de Nossa Senhora da Graça e a igreja de Nossa Senhora do Rosário, ambas mais do que centenárias; as firmas comerciais Marc Jacob, o Bar Acadêmico, o Salão Pimpão, o Palácio dos Móveis, a casa de material esportivo do senhor Pedro Alelaf, o Cine-Teatro Éden e a farmácia do Dr. Raul Furtado Bacelar, que não relaxava a sua elegante gravata borboleta, e o posto de saúde do INPS. Nas cercanias, ficavam a Casa Inglesa (já de portas fechadas), Poncion Rodrigues, Pedro Machado, Franklin Veras, a casa comercial dos Neves, Moraes Souza e Moraes S. A. Muitas dessas firmas tiveram seu apogeu na época do extrativismo econômico e tinham filiais em Teresina e em outras cidades.

O transporte de cargas e passageiros era feito por trem, por ônibus da empresa Marimbá, por caminhões e por via fluvial, através do Delta do Parnaíba. No Porto Salgado ou Porto das Barcas ainda atracavam grandes embarcações, graças à abertura do Canal São José, feita algumas décadas antes. Parnaíba já entrara em decadência econômica, mas começava a se reinventar, mormente com a prestação de serviço nas áreas de saúde, de educação, de turismo e de grandes empresas comerciais. Já existia o Campus Ministro Reis Velloso (UFPI), que viria a se transformar na Universidade Federal Delta do Parnaíba – UFDPar.

Todas as empresas que citei pertenciam às mais ilustres e tradicionais famílias de Parnaíba, e já foram extintas. À família Moraes Correia (**) pertencem dois de nossos homenageados.


JONAS DE MORAES CORREIA

Jonas de Moraes Correia era filho de Francisco Severiano de Moraes Correia Filho (*Açu-RN, 31/07/1845 - +21/01/1917)  e sua esposa Maria Cleofas de Moraes Correia. Francisco é o patriarca dessa família no Piauí, quando se estabeleceu no litoral piauiense a partir de 1860/1863. O nosso homenageado nasceu em Parnaíba, em 15 de janeiro de 1874 e faleceu nessa mesma cidade em 27 de setembro de 1915. Portanto, estamos a comemorar o seu sesquicentenário. É o patrono da cadeira 24 de nossa Academia.   

Com apenas 16 anos de idade iniciou sua vida profissional no comércio, quando passou a fazer parte de uma sociedade mercantil, atividade em que se destacou e se tornou respeitável. Foi colaborador da imprensa parnaibana, na qual publicou importantes artigos sobre assuntos de interesse do Piauí. Foi deputado estadual, tendo exercido a presidência de nossa Assembleia Legislativa. Durante vários anos foi conselheiro municipal em sua terra natal. De 1901 a 1904, foi intendente municipal de Parnaíba.

A mais importante biógrafa de vultos da história parnaibana, a professora e escritora Aldenora Mendes Moreira, em seu notável livro “Personalidades Atuantes da História de Parnaíba – Ontem e Hoje”, relata que Jonas de Moraes Correia sempre teve uma inteligência lúcida, uma lealdade e um grande amor devotados à sua terra natal e aos seus conterrâneos. Dele ela traça este perfil, que bem poderia estar em sua lápide: “As qualidades predominantes do notável Jonas Correia, foram sem dúvida: a bondade aliada ao desinteresse; a nobreza ao altruísmo; a inteligência à atividade; e a lealdade aliada à altivez, todas postas em destaque, respectivamente, nas diversas fases de sua gloriosa vida, quando podemos admirá-lo como o grande e respeitável cidadão.”

Para demonstrar a sua bondade e filantropia, basta que se diga que, quando chegaram a Parnaíba vários flagelados ou retirantes, sobretudo cearenses, vítimas da seca de 1900, ele organizou uma comissão de socorro, que arrecadou importantes donativos, mormente gêneros de primeira necessidade e dinheiro, que foram distribuídos com probidade e correção.

Era pai dos generais Jonas de Moraes Correia Filho, Secretário de Educação do Rio de Janeiro, Deputado Federal, membro da Academia Carioca de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e de Jônathas de Moraes Correia, sobre o qual discorrerei adiante, e era avô de Jonas de Moraes Correia Neto, também General e igualmente sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, que ocupou o elevado cargo de Chefe do Estado Maior das Forças Armadas. E era irmão do intendente Constantino de Moraes Correia, considerado o urbanizador de Parnaíba, por ter idealizado e projetado o elegante bairro Nova Parnaíba, na área conhecida como Caatinga de Cima, com suas ruas e avenidas largas e arborizadas, muitas quase formando bulevares ou alamedas.

 

JÔNATHAS DE MORAES CORREIA

Para bem desempenhar minha missão de prestar esta homenagem jubilar ao segundo ocupante da cadeira 24 de nossa Academia, pesquisei em seus arquivos, em livros e dicionários biográficos, mas pouca coisa encontrei, a não ser sintéticas notas, que sequer faziam referência a seus pais e a sua data de nascimento. A informação sobre a data de sua morte era equivocada. Recorri a pesquisadores amigos e a parentes do homenageado, mas pouco ou nenhum êxito obtive. Recorri à internet e consegui encontrar a sua certidão de óbito, com a qual preenchi algumas lacunas. Pedi ao escritor Frederico Rebelo Torres, que vem se revelando um lídimo escafandrista de abissais e intrincados entrelaçamentos genealógicos, e ele me confirmou alguns dados, que eu conseguira encontrar.

Assim, posso dizer, com fundamento na sua certidão de óbito, que o general Jônathas de Moraes Correia nasceu no Piauí (certamente em Parnaíba), no ano de 1898 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 20 de dezembro de 1952, onde se encontra sepultado no Cemitério de São Francisco Xavier. Era filho de Jonas de Moraes Correia e de sua esposa Maria Firmina Ramos Correia. Por conseguinte, memoramos hoje 126 anos de seu nascimento, 72 de seu silêncio e, quiçá, 75 anos de sua eleição, já que ele não tomou posse de sua cadeira, não obstante seja reconhecido pela APL como efetivamente empossado, pelo que não existem discurso e nem termo de posse.   

General do Exército Brasileiro. Exímio pesquisador na área da Geodésia. Foi importante a sua participação na comissão que retificou os limites do Brasil com o Peru. Na notável Antologia da Academia Piauiense de Letras, da autoria de Wilson Carvalho Gonçalves, que tive a honra de prefaciar, cuja segunda edição, integrante da Coleção 100 Anos, foi publicada na gestão do presidente Nelson Nery Costa, encontra-se o seguinte comentário do acadêmico e professor Álvaro Ferreira: “Assim foi que estivera na retificação de nossas fronteiras, destacando-se como um dos mais entendidos. A ele coube a missão difícil de encontrar o ponto ocidental do Brasil, na serra de Contamana, exatamente, nos limites com o Peru. Saiu-se vitorioso da missão.” Foi deputado estadual do Piauí (1934), tendo em sua legislatura sido também constituinte. Portanto, foi signatário de nossa segunda Constituição Estadual.

O jovem tenente Jônathas de Moraes Correia tomou parte ativa na Revolta de 1924 em São Paulo, também conhecida como Revolta Paulista de 1924, que foi um levante militar ocorrido entre 5 de julho e 28 de setembro de 1924, durante o governo de Artur Bernardes, que é considerada como um dos principais eventos ou influência do Tenentismo, que foi fortalecido por esse levante. Portanto, bem pode ser considerado um herói dessa revolta paulista e, em consequência, do Movimento Tenentista. Segundo a tese de doutorado (2022) de Maria Clara Spada de Castro, ele foi indiciado e condenado a 5 anos de reclusão, como coautor, e esteve preso em Ilha Grande. Entretanto, progrediu em sua carreira, até atingir o generalato.       

Além de ocupante da cadeira 24 de nossa Academia, cujo patrono é seu pai, Jônathas de Moraes Correia foi sócio fundador do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil, do qual ocupou a cadeira 23, cujo patrono é o marechal Gregório Taumaturgo de Azevedo, primeiro governador republicano do Piauí, natural de Barras. Foi diretor desse Instituto, no cargo de Bibliotecário.

O Des. Paulo Freitas, em seu discurso de posse, disse que Jônathas fora um mestre acatado, que deixara inúmeros trabalhos sobre questões de linguagem. Transcreveu o seguinte trecho escrito pelo Des. Robert Wall de Carvalho: “...possuidor de personalidade forte, de trato cavalheiresco, amigo sincero, chefe de família exemplar e amava o seu torrão natal com amor inexcedível. Escolheu e seguiu a carreira das armas, atingindo, merecidamente, no glorioso Exército Nacional, o último posto, mercê de sua cultura profissional. No Piauí, onde nasceu e é radicada sua ilustre e digna família, envolveu-se na política partidária, elegendo-se deputado à Assembleia Legislativa. E nos anais daquela augusta Casa se encontram registrados fluentes discursos, vasados em linguagem escorreita, e pelos quais se constata seu ardor cívico e quão altos eram os seus propósitos, quão valiosas e influentes as pugnas que, através da oratória brilhante, sustentou pelo bem da coletividade que representava.”  

Belas e lapidares palavras, que bem refletem a nobreza de caráter, os méritos profissionais, o brilho intelectual e a inteligência fulgurante de nosso homenageado.  

 

DARCY FONTENELE DE ARAÚJO

Darcy Fontenele de Araújo, ou apenas “Professor Darcy”, como era conhecido, nasceu em Parnaíba, no dia 10 de janeiro de 1916 e faleceu em Teresina, no dia 26 de março de 1974. Foi casado com Maria da Glória Santos Araújo; deles descendem empresários e profissionais liberais, como engenheiros, advogados e médicos.

Estudou no Ginásio Parnaibano, em que fez curso preparatório. Formou-se em Direito pela velha Faculdade de Direito do Recife, depois integrada à Universidade Federal de Pernambuco. Foi  advogado, promotor de Justiça, professor universitário e político.

Eleito deputado estadual em 1950, foi nomeado advogado-geral do Estado, em 1951. Dedicou-se ao magistério, sendo nomeado professor de Geografia do Liceu Piauiense, em 1957, e de Direito Comercial da Faculdade de Direito do Piauí (1958), uma das entidades de ensino superior que veio a formar a Universidade Federal do Piauí, instalada em 1971.

Membro efetivo da Academia Piauiense de Letras, em que ocupou a cadeira 36, cujo patrono é o jornalista, cronista e contista Vicente de Paula Fontenele Araújo, seu irmão. Em 1961, assumiu o cargo de procurador-geral do Estado. Foi presidente da Junta Comercial do Piauí e da OAB-PI. É o patrono da cadeira 16 da Academia Parnaibana de Letras. Em Parnaíba, no centro comercial e histórico, existe rua com seu nome.

Foi secretário de Estado no governo do major José Vitorino Correia. Ao falecer, exercia o cargo de secretário de Governo, na primeira gestão do governador Alberto Silva.

A Medalha do Mérito do Ministério Público do Piauí, que é a mais importante honraria conferida pela instituição, tem como patrono o procurador de Justiça Darcy Fontenele de Araújo. Essa distinção honorífica foi instituída pelo Ato PGJ nº 123, de 1997, e regulamentada pela Resolução nº 04 de 2016, do Colégio de Procuradores de Justiça.

Escreveu e publicou os seguintes livros: Duplicata Mercantil (tese), Inflação Monetária e sua Influência nos Salários e Desertificação do Nordeste e o Vale do Parnaíba.

No último livro, editado numa época em que ainda não era moda se falar em problemas ambientais ou ecológicos, em linguagem escorreita, objetiva, concisa e clara, discorreu sobre as mazelas que fustigavam o rio Parnaíba e os fatores que concorriam para a desertificação do Nordeste. Cabe lembrar que o engenheiro alemão Gustavo Luís Guilherme Dodt (1831-1903), em seu livro Descrição dos Rios Parnaíba e Gurupi, cuja primeira edição data de 1873, já falava dos problemas de nosso Rio Grande dos Tapuias. O poeta Da Costa e Silva, que o alcunhou de Velho Monge, já denunciava em dois poemas os malefícios dos desmatamentos e das queimadas. E meu pai, em 1939 ou 1940, no Colégio Diocesano, ouviu o professor Álvaro Ferreira, advertir que, se providências não fossem tomadas, o Parnaíba poderia morrer em 50 anos, o que felizmente ainda não aconteceu, embora a sua degradação seja muito grave.

Amante da literatura, foi um escritor competente e um leitor inveterado e voraz. Segundo o historiador Caio Passos, era um “vibrante orador” e participou, em sua cidade natal, de “memoráveis campanhas, quando arrebatava a massa popular, em praça pública”.

Não obstante ser um profissional com um vasto currículo, seu  maior orgulho era ser Professor. E o foi, com toda honra, mérito e desvelo.

 

CONCLUSÃO

Portanto, aqui discorri sobre três egrégios varões plutarquianos, naturais de Parnaíba, que merecem todas as nossas homenagens, respeito e reverência. E que seus nomes, para sempre, permaneçam lançados na imortalidade do panteão de nosso Sodalício e do Estado do Piauí.


(*) Palestra pronunciada no dia 14/12/2024, na Academia Piauiense de Letras, fazendo parte da solenidade comemorativa de jubileus acadêmicos, em que foram homenageados Maria Nerina Pessoa Castelo Branco, Cromwell Carvalho, Odilo Costa Filho, Celso Pinheiro Filho, Jonas de Moraes Correia, Jônathas de Moreia Correia e Darcy Fontenele de Araújo.  

(**) Pertencentes à família Moraes Correia foram intendentes/prefeitos de Parnaíba: Francisco Severiano de Moraes Correia Filho, Luiz Antônio de Moraes Correia, Jonas de Moraes Correia, Constantino de Moraes Correia, João Orlando de Moraes Correia, Lauro Andrade Correia, Francisco de Assis Moraes Souza (3 mandatos) e Antônio José de Moraes Souza Filho.

 

REFERÊNCIAS:

Personalidades Atuantes da História de Parnaíba – Ontem e Hoje, de Aldenora Mendes Moreira.

Antologia da Academia Piauiense de Letras, de Wilson Carvalho Gonçalves.

Livro do Centenário da Academia Piauiense de Letras, org. Nildomar da Silveira Soares.

Cada Rua – Sua História, de Caio Passos.

Descrição dos Rios Parnaíba e Gurupi, de Gustavo Dodt.

A Revolta de 1924 em São Paulo: para além dos tenentes, tese de doutorado (2022) de Maria Clara Spada de Castro.

Acervo da Academia Piauiense de Letras.

Informações fornecidas por familiares e amigos.

Informações colhidas na Internet.   

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