A ontologia poética de J. L. Rocha do Nascimento
Elmar Carvalho
No domingo, às 14 horas, ao retornar a minha residência,
recebi da portaria do condomínio um exemplar do livro de poemas Ontologia do
Ser, devidamente autografado, que seu autor, o ilustre magistrado J. L. Rocha
do Nascimento me havia deixado.
O poeta tem se dedicado sobretudo à contística, na qual tem
merecido lugar de destaque, com seus contos breves, às vezes brevíssimos,
lavrados algumas vezes em legítima prosa poética. J. L. integrou o grupo de
contistas denominado Os tarântulas, do qual também faziam parte o José Pereira
Bezerra, Airton Sampaio e Leonam (Manoel de Moura Filho).
José Pereira prestou um relevante serviço à Geração 70 ou do
Mimeógrafo, ao escrever seu livro Anos 70: Por que Essa Lâmina nas Palavras?,
editado em 1993, pela Fundação Cultural Monsenhor Chaves, quando eu era
presidente de seu Conselho Editorial. Em sua contracapa tive a oportunidade de
dizer:
“É um livro de capital importância para a plenitude do
conhecimento da Geração Mimeógrafo, que se firma como uma das mais robustas
gerações literárias piauienses, tanto em termos quantitativo, como qualitativo.
Indispensável para a perfeita compreensão do fenômeno literário ocorrido nos
anos 70, também conhecido como literatura marginal ou alternativa, pela maneira
segura e profunda com que aborda o tema. Vertida numa linguagem enxuta e
elegante, esta monografia é um balanço geral e detalhado, senão também uma
verdadeira radiografia dessa produção cultural.”
J. L. é um dos mais notáveis membros dessa geração, mormente
como contista, mas também como poeta, o que agora se comprova com essa sua obra
poética, recentemente publicada. Em rápida leitura, pude vislumbrar em seus
poemas um viés existencialista, assim como um timbre de perquirições filosóficas,
em linguagem emocionalmente contida e concisa. Em seus versos perpassam breves
e sutis intertextualizações, que podem passar despercebidas a um leitor
desatento. Portanto, o contista é também um poeta competente e criativo.
Segue a apresentação do livro, feita pelo seu próprio autor:
Apresentação
Em Sobre os sonhos e outros diálogos, livro que reúne uma
série de entrevistas concedidas a Osvaldo Ferrari, Jorge Luis Borges diz que
não sabe se existe uma diferença essencial entre a poesia e a prosa, exceto,
diz ele, pelo que sustentava Stevenson ao afirmar que a prosa seria a forma
mais difícil da poesia. Para ele, Borges, não há literatura sem poesia.
Assim como a grande maioria dos escritores, comecei com os
poemas. Tempos depois, fui picado pelo aguilhão da narrativa breve, muito
provavelmente pelo fato de pertencer a uma geração de escritores forjada a
partir dos anos setenta, época em que surgiu no Brasil um “boom” literário cuja
maior expressão foi o conto. Essa, pois, a razão pela qual passei a me dedicar
mais à prosa, optando pela narrativa breve. Essa opção, contudo, provocou danos
colaterais: o encobrimento do poeta que, como saída, encontrou na prosa poética
do contista um modo de se revelar, ainda que indiretamente.
Depois de publicar quatro livros de contos, resolvi que já
era hora de compartilhar com o público leitor parte dos poemas que escrevi ao
longo dos anos. Muitos deles eu mantive guardados apenas para o meu, digamos
assim, “consumo” próprio, o que inclui os familiares. Sobre uma porção bem
menor, alguns poucos, raros amigos, tiveram acesso.
Nesse tempo todo, apesar de possuir material suficiente para
compor pelo menos três livros, publiquei um único poema, o mesmo que republico
aqui como elemento pré-textual: Manifesto, cuja publicação original ocorreu na
obra intitulada Descartável, uma coletânea de poemas organizada pelo professor,
escritor e poeta piauiense Cineas Santos no longínquo ano de 1979.
Tomei a decisão de colocá-lo neste livro em forma de
epígrafe, preservando a redação original, por duas razões. Prestar uma
homenagem, resgatando-o, essa a primeira delas. Afinal, se este livro, essa a
principal leitura que faço, é um estudo poético sobre o ser e o seu sentido,
esse mesmo ser meio que já se revela no poema escrito há mais de quarenta anos.
A par disso, tem a função de nunca deixar de lembrar. Sendo certo que o poema
deve ser lido no presente com os olhos do passado, não devemos esquecer que num
passado bem recente, alguns saudosistas tentaram reviver tempos obscuros.
Trata-se, portanto, de um alerta: lembrar para não esquecer jamais.
Ontologia do ser é, portanto, passados mais de 40 anos da
publicação de Manifesto, o meu primeiro livro de poesia. Ou pelo menos é como
eu o estou chamando. Como no livro predomina o discurso direto, é possível que
seja recepcionado como poemas em prosa. Quando não, como prosa poética, o que,
de resto, já venho fazendo há algum tempo. Um ou outro não importa, mesmo
porque, para lembrar Clarice Lispector, essa coisa de gênero também não me
pega.
A propósito, outro escritor que também se mostrou indiferente
a essa divisão foi Baudelaire, que, sendo desenganadamente poeta, publicou
Spleen de Paris, que ele próprio chamou de pequenos poemas em prosa. Contudo,
qualquer um que se atreva a lê-lo ainda preso à rígida classificação de gênero,
dirá que são rigorosamente textos em prosa.
No mais, se Mário de Andrade disse que conto é tudo aquilo
que o autor chama de conto, por que não dizer que poesia é tudo aquilo que o
autor chama de poesia? Mesmo porque, como disse Borges, não há literatura sem
poesia.
Para além dessas discussões sobre gênero, creio que, em
relação à temática, não há dúvida de que existe um fio condutor comum que
atravessa todo o livro: o existencial. Daí se dizer que, em síntese, o livro é
um estudo poético sobre o ser e o seu sentido.
Fico então na expectativa de que Ontologia do ser seja bem
recebido pelo leitor que, sem muito esforço, perceberá que muito do contista
poderá ser encontrado no poeta. O raciocínio contrário também é verdadeiro. E
se é verdade que todo ser é o ser de um ente que só existe no seu ser, é
possível dizer que, no meu caso, a relação entre o poeta e o contista é
semelhante à que existe entre o ser e o ente. Cabe ao leitor dizer quem é quem.
O autor.
Teresina, 19 de fevereiro de 2024.
Aproveito para também publicar a “orelha” de Ontologia do
Ser:
Ontologia do ser é um livro atravessado por um fio condutor
temático comum: o existencial. Na sua maioria, os poemas são uma reflexão sobre
a vida, o existir e, de resto, sobre o mundo. Diz-se ontologia porque a sua
questão primeira é o ser e o questionamento sobre o seu sentido. Trata-se, em
síntese, de um estudo poético sobre o ser e o seu sentido, assim como sobre o
modo de ser do indivíduo no mundo no qual foi jogado e sua angústia diante da
finitude para a qual nem sempre está preparado. Indicativos desses
questionamentos (ou dessa presença) se fazem sentir logo na abertura do livro
com o poema Eu e os vários de mim, onde a questão central é a (não)descoberta
do próprio ser, e se agudiza em Angústia heideggeriana. Nele, o autor, ao
trabalhar com as diferentes dimensões do tempo, diz nas entrelinhas que o maior
desafio do ser-no-mundo é fazer com que o presente não seja apenas um tempo
estéril sem memória e sem projeto. E é aí que reside a sua maior angústia.
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