segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Sermão das Cornudagens

Fonte: Google


Sermão das Cornudagens


Fabrício Carvalho Amorim Leite

Cronista e contista


Agora, cobiçar, meu Deus, a mulher do próximo não deveria ser pecado. Na maioria das vezes, é mais castigo e aflição. Mas avançar? Ah, isso já é outra história.

Ele era operário de dia, pastor à noite. Em casa, um culto aconchegado. Na mente, a exegese perfeita — e um desprezo mal fingido pelos doutorezinhos da teologia. Trazia uma ideia fixa, e isso para não usar a palavra pior.

— Que é esquisito, é — resmungou a vizinha, lançando um olhar enojado ao templo, como quem mira o ponto certo para atirar uma tocha. — Isso não está na Bíblia, juro de pés juntos — disse, enquanto remexia o terço e traçava sinais da cruz com dedos.

Uma puritana da igreja tentou dialogar com o Ministro, mas, diante de seus argumentos insistentes e gestos nada ortodoxos, desistiu.

Como um Bom Pastor, doutrinava, com a convicção dos mais ungidos:

— Nós, os justos, como dizem as Escrituras, devemos permitir que eu os adultere com suas mulheres. E eles, em êxtase, louvaram mil vezes, entre vivas e gestos inomináveis.

— Imaculada, amor, você foi a escolhida do dia — disse Plácido — hoje é o momento de cuidar das necessidades espirituais. Banhe-se, perfume-se, louve a Jesus e deixe o Pastor concluir o milagre. O lençol está cheiroso — fiz um sacrifício para comprar — e, para não ser indiscreto, sairei para o mercado.

E, assim, Plácido, fiel de brandura exemplar, cumpridor da Palavra, saiu com uma alegre paz de Cristo.

Não se pode negar: o Ministro cuida do seu rebanho. É doce, de fala mansa, apaziguava qualquer desarmonia matrimonial, sempre anunciando:

Cuidado com os lobos em pele de cordeiro!

E, das cadeiras de plástico, em êxtase, todos respondiam:

Aleluia! Aleluia!

Até que, um dia, veio a intimação... Denúncia: crimes contra a dignidade sexual.

Depoimentos colhidos. Uma fiel jurava ter recebido uma revelação divina — daria filhos ao Pastor. Outra, de fé inabalável, com o marido, olhos ao céu, em louvor. Um a um, seguiram-se os testemunhos de pura fé cristã.

Por fim, o acusado começou: fala aveludada, terno de bacana, colarinho engomado, perfume francês — um sultão da periferia. Iniciou sua defesa — ou melhor, sua pregação.

— Irmãos, oremos, pedimos indulgência, nos entregamos em piedade. E o Senhor nos deu claramente a direção, em Oséias 3: E o Senhor me disse: Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo, e adultera.

O Delegado ajeitou os óculos, folheou as anotações e encarou o Pastor.

— Então, quer dizer que o senhor baseia sua defesa na Bíblia? Pois bem, vejamos... — Pigarreou, tomou o relatório e leu em voz alta:

"Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo, e adúltera..."

Pausou, semicerrou os olhos.

— Pastor, o senhor sabe a diferença entre "adúltera" e "adulterar”? Porque uma coisa é amar uma mulher infiel, como diz o versículo. Outra, bem diversa, é adulterar mulheres de seus amigos.

O Pastor ajustou a gola, engoliu em seco e murmurou:

— Ah, tá... já sabia que reduziriam tudo à maledicência da cornudagem e um simples erro de grafia — disse, dando de ombros.

                                                                                                                             Fevereiro,2025.

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