Sermão das Cornudagens
Fabrício Carvalho Amorim Leite
Cronista e contista
Agora, cobiçar, meu Deus, a mulher do próximo não deveria ser
pecado. Na maioria das vezes, é mais castigo e aflição. Mas avançar? Ah, isso
já é outra história.
Ele era operário de dia, pastor à noite. Em casa, um culto aconchegado.
Na mente, a exegese perfeita — e um desprezo mal fingido pelos doutorezinhos da
teologia. Trazia uma ideia fixa, e isso para não usar a palavra pior.
— Que é esquisito, é — resmungou a vizinha, lançando um olhar
enojado ao templo, como quem mira o ponto certo para atirar uma tocha. — Isso
não está na Bíblia, juro de pés juntos — disse, enquanto remexia o terço e
traçava sinais da cruz com dedos.
Uma puritana da igreja tentou dialogar com o Ministro, mas, diante
de seus argumentos insistentes e gestos nada ortodoxos, desistiu.
Como um Bom Pastor, doutrinava, com a convicção dos mais ungidos:
— Nós, os justos, como dizem as Escrituras, devemos permitir que
eu os adultere com suas mulheres. E eles, em êxtase, louvaram mil vezes, entre
vivas e gestos inomináveis.
— Imaculada, amor, você foi a escolhida do dia — disse Plácido —
hoje é o momento de cuidar das necessidades espirituais. Banhe-se, perfume-se,
louve a Jesus e deixe o Pastor concluir o milagre. O lençol está cheiroso — fiz
um sacrifício para comprar — e, para não ser indiscreto, sairei para o mercado.
E, assim, Plácido, fiel de brandura exemplar, cumpridor da
Palavra, saiu com uma alegre paz de Cristo.
Não se pode negar: o Ministro cuida do seu rebanho. É doce, de fala mansa,
apaziguava qualquer desarmonia matrimonial, sempre anunciando:
—
Cuidado com os lobos
em pele de cordeiro!
E, das cadeiras de plástico, em êxtase, todos respondiam:
—
Aleluia! Aleluia!
Até que, um dia, veio a intimação... Denúncia: crimes contra a dignidade sexual.
Depoimentos colhidos. Uma fiel jurava ter recebido uma revelação
divina — daria filhos ao Pastor. Outra, de fé inabalável, com o marido, olhos
ao céu, em louvor. Um a um, seguiram-se os testemunhos de pura fé cristã.
Por fim, o acusado começou: fala aveludada, terno de bacana,
colarinho engomado, perfume francês — um sultão da periferia. Iniciou sua
defesa — ou melhor, sua pregação.
— Irmãos, oremos, pedimos indulgência, nos entregamos em piedade.
E o Senhor nos deu claramente a direção, em Oséias 3: E o Senhor me disse: Vai outra vez, ama uma
mulher, amada de seu amigo, e adultera.
O Delegado ajeitou os óculos, folheou as anotações e encarou o
Pastor.
— Então, quer dizer que o senhor baseia sua defesa na Bíblia? Pois
bem, vejamos... — Pigarreou, tomou o relatório e leu em voz alta:
"Vai outra vez, ama uma mulher, amada de seu amigo, e
adúltera..."
Pausou, semicerrou os olhos.
— Pastor, o senhor sabe a diferença entre "adúltera" e
"adulterar”?
Porque uma coisa é amar uma mulher infiel, como diz o versículo. Outra, bem diversa,
é adulterar mulheres de seus amigos.
O Pastor ajustou a gola, engoliu em seco e murmurou:
—
Ah, tá... já sabia que reduziriam tudo à maledicência da cornudagem e um simples
erro de grafia — disse, dando de ombros.
Fevereiro,2025.
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