Igreja de Logoa do Piauí |
VIAGEM AOS SEIOS DA ADOLESCÊNCIA
Elmar Carvalho
Neste domingo, fui a Lagoa do
Piauí. Lá estive em 1972/1973, quando eu tinha de 16 para 17 anos. Fomos eu, o
Zé Moura e o Zé Wilson, cujos parentes de sua falecida mãe eram dessa
localidade. Nos hospedamos na pousado do saudoso Chico Oliveira, que faleceu
solteiro, ainda relativamente novo. Além da pousada, ele tinha um posto de
combustível e um clube dançante em Demerval Lobão, cidade que fica a
aproximadamente cinco quilômetros. Tomamos umas calibrinas e ouvimos muito
carimbó, que então estava na moda, sobretudo na voz de Pinduca, com a sua roupa
estilizada e chapéu rodeado de penduricalhos.
Salvo engano, algumas músicas se
chamavam “Mataram meu peru”, “Hoje é dia de beber”, “Sinhá Pureza”, e uma cheia
de trocadilhos engraçados e difíceis, em que a letra falava que eram
muitos “socós para um só socó coçar”, um
verdadeiro “trava língua”. Namorei uma moça, que depois perdi completamente de
vista. Nos meus ardores adolescentes, tentava abraçá-la com veemência, mas ela
prudentemente negaceava o corpo, em sua timidez de cabocla interiorana.
Hoje, o povoado é uma cidade, mas
ainda conserva o bucolismo das árvores, dos quintais floridos e dos terrenos
baldios, verdejantes de capim, de mata-pasto e de outras plantas silvestres. Lá
encontrei a maior tamarineira que já pude ver e um pequizeiro vergado de frutos
verdes, redondos como uma bola de tênis.
Por entre os verdes quintais uma
torre telefônica, que não existia, aparentava anunciar um suposto progresso. O
primeiro prefeito da cidadela foi o Nonato Carvalho, primo do Zé Wilson.
Felizmente, a ermida da localidade, na qual imaginei um dia me casar, parecia
não ter sofrido muitas modificações, exceto por uma bela praça gradeada,
referta de plantas ornamentais, que a circundava.
Quando estive na povoação, na
época a que me referi, havia uma prostituta que pontificava em ponto perto da
ponte (observe-se o trocadilho cheio de aliterações, em que estardalhaça a sua
presença a bilabial explosiva p). Os garotos da Lagoa desciam com ela até o
leito seco do riacho e lá desaguavam a concupiscência adolescente. Não sei se
alguns saíam montados em cavalos alados ou de crista, oriundos de gonocócicos
bacilos e vacilos.
Certamente saíam apaziguados e
mais felizes. Na viagem de agora, que me fez recordar a de outrora, fui com
Antônio José, meu irmão, e Zé Francisco Marques, marquês de Bitorocara, de
campomaiozeiras plagas. Tirei muitas fotografias dos logradouros e paisagens a
que me referi.
No retorno a Teresina, fiz uma
parada estratégica em Demerval Lobão. Lá encontrei Zé Wilson, meu anfitrião da
primeira viagem. Casado pela segunda vez, caduca agora com um filho de poucos
meses. Caduca no bom sentido, pois ele é um cinquentão bem conservado e
saudável. Fomos olhar a igrejinha da antiga Morrinhos, que conservei em minha
memória. Na década de 70, Francisco da Izinha era o locutor das amplificadoras
do templo, que funcionavam como uma espécie de rádio; hoje, a urbe tem rádio de
verdade.
Nosso ponto de apoio era a casa
do sr. Ernesto Ribeiro, que depois se tornou prefeito da cidade. A mulher dele,
dona Iracema, era irmã de Abdoral Paz, pai do Zé Wilson. Os dois filhos do
casal, Antônio Ernesto e Arildo Ribeiro Paz, tinham forte pendores para a arte
plástica. Para comemorarmos, praticamos breve libação, em que celebramos esse
reencontro, ocorrido algumas décadas depois da viagem juvenil.
O Arildo se casou com sua prima
Bernadete, irmã do Zé Wilson. Como eu tivesse admirado um azulejo, por ele
pintado, deu-me esse mimo. Foi pintado com os dedos, e não com palheta ou pincel. Contudo, num único
ponto se percebe a marca de sua impressão digital, como se ele quisesse impor a
sua assinatura, a sua individualidade ou marca pessoal. Trata-se de uma
paisagem em que a lua se destaca no
princípio do anoitecer, quando as cores se tornam cambiantes e o céu
avermelhado.
Nota-se o seu talento e
habilidade nos detalhes do capim, em que quase se lhe sente a textura, bem como
na árvore desnuda, que se esgalha em direção à lua cheia. Também uma cerca
discreta, quase a se confundir com a linha do horizonte, revela o talento do
Arildo, através dos detalhes minimalistas. É um desenho simples, limpo, mas em
que se pode perceber, mormente pela pintura do capim, do céu e das nuvens, que
o pintor soube usar recursos do figurativismo e da arte abstrata.
Zé Wilson nos convidou para retornarmos, noutra ocasião, em que ele abateria uns galináceos para regalo de nosso estômago. Prometemos retornar. Retornaremos, decerto.
22 de dezembro de 2010
Bacilos e vacilos
ResponderExcluirLembranças que não tem preço.
ResponderExcluirTempos e vividos. Kkkkkkk.
ResponderExcluirLi, com muita atenção - sempre nos conduz a memória viva -, é um retrato de algumas ainda preservadas peculiaridades do nosso nordeste. Parabéns. Um pequeno grande texto.
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