quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

TEMPO, MEMÓRIA E METALINGUAGEM NO ROMANCE HISTÓRIAS DE ÉVORA, DE ELMAR CARVALHO



TEMPO, MEMÓRIA E METALINGUAGEM NO ROMANCE HISTÓRIAS DE ÉVORA, DE ELMAR CARVALHO


Carlos Evandro M. Eulálio

 

Histórias de Évora é o primeiro romance do poeta, cronista e crítico literário Elmar Carvalho, membro da Academia Piauiense de Letras. Trata-se de uma narrativa de fundo memorialista, visto que algumas cenas narradas se aproximam de acontecimentos vivenciados pelo próprio autor. Isso se evidencia nas primeiras páginas do livro, ao nos advertir sobre o espaço onde se passam as ações da narrativa:

A minha Évora é uma cidade fictícia, uma mistura de Parnaíba e Campo Maior dos anos 70 e 80, mas com uma pitada de outras cidades, a que sou ligado por laços sanguíneos e sentimentais. (CARVALHO, 2017, p. 10).

A essa advertência, segue-se um esclarecimento sobre a representação do tempo na narrativa em vários capítulos do livro. Esse procedimento metalinguístico e ao mesmo tempo intertextual tem sido um recurso recorrente na construção do discurso ficcional moderno. A profa. Giacomet cita como exemplo desse modelo de narrativa a obra São Bernardo, de Graciliano Ramos,

[...] quando Paulo Honório diz ao personagem Azevedo Gondim que não quer seu livro em “Língua de Camões” (RAMOS, 1995, p. 5), está estabelecendo uma relação intertextual de oposição a uma outra poética, a uma linguagem literária utilizada pelo classicismo. Em contrapartida, oferece ao leitor uma linguagem clara, despojada e concisa, efetua assim uma opção, evidencia uma poética de reconstrução e estabelece conexão entre o dizer e o fazer. O personagem age, então, metalinguisticamente, desnuda e questiona o processo de escritura do romance e projeta na narrativa o procedimento (GIACOMET, 2022, p.378).

No capítulo III (O apelo do sexo), o narrador situa o leitor no período em que acontecem as Histórias de Évora (décadas de 1970 e 1980). Nesse capítulo, põe em relevo a época em que ainda predominava, principalmente no Nordeste, o tabu da virgindade e sua preservação até antes do casamento. Refere-se ao fato de, àquela época, a mulher nordestina manter-se virgem em tais circunstâncias, como valor moral resguardado pelas famílias. Sabia-se que a pílula anticoncepcional já existia desde os anos 1960, 

[...], mas ninguém falava, e muito menos era usada pelas moças solteiras de então (CARVALHO, 2017, p. 31).

Para enfatizar o que afirma, o narrador cita Reginaldo Rossi que em um de seus grandes sucessos menciona esse tipo de rejeição, certamente aludindo ao seguinte trecho da canção A Raposa e as Uvas, sucesso musical desse cantor, no ano de 1982:     

A pílula já existia
Mas nem se falava
Pois nos muitos conselhos
Que tua mãe te dava
Tinha um que dizia
Só depois de casar                             

Mais adiante, em outro trecho, a personagem Marcos se dirige ao seu quarto [...] para ler uma antologia de poemas brasileiros que a Fename – MEC havia publicado (CARVALHO, 2017, p. 34).

Trata-se da Fundação Nacional de Material Escolar, órgão responsável pela política do livro didático e pelas publicações do Ministério da Educação, por sinal, extintas no início dos anos 1980.

São inúmeras as cenas indicadoras do tempo na narrativa, principalmente aquelas que nos capítulos primeiros aludem à iniciação sexual de Marcos que acontece no Quartel General ou QG, tradicional prostíbulo de Évora, com a veterana Doralice, sem compromisso sentimental. A exemplo de muitos jovens da classe média dos anos 1960/70, perder a virgindade com uma prostituta também era uma forma de afirmar a própria masculinidade para os amigos do grupo de convivência social. Esse era o costume da época, pois sendo

[...] rito de passagem é visto como uma necessidade de afirmação como homem diante de si e da sociedade, além de satisfazer uma curiosidade (LAGENEST, 1960, p.9).

 

Diferente dos dias atuais, quando o adolescente tem sua primeira relação sexual com a namorada. Isso também, devido à liberdade sexual conquistada pelas mulheres nos últimos anos. Na literatura brasileira, a iniciação sexual de crianças e adolescentes com prostitutas tem registro em algumas obras, como nos romances Menino de Engenho (1932), de José Lins do Rego, e Amar, Verbo Intransitivo (1927), de Mário de Andrade.

Embora não se mencionem na obra fatos relacionados ao período ditatorial brasileiro (1964-1985), principalmente nos anos de chumbo (1968 a 1974), quando houve a perda dos direitos civis e políticos e a censura prévia aos meios de comunicação em 1970, a representação e o imaginário que se constroem no romance mostra não uma juventude engajada nas lutas contra a ditadura, mas uma juventude distante da realidade da época, portanto, afastada das ações políticas e partidárias:

[...] Foi nessa época que, tanto por idealismo, como para fugir de sua melancolia, {Marcos} reuniu Mário Cunha, Fabrício Moreira, Cazuza, William Meneses e outros amigos para criarem um jornal alternativo, opinativo e teria um espaço literário, para publicação de crônicas, contos, poemas e artigos. Nele Mário Cunha e outros artistas poderiam divulgar seus desenhos e caricaturas com a utilização de estêncil (3) adequado. Não seria vinculado a nenhum partido ou grupo político (CARVALHO, 2017, p. 79).

            Noutra passagem, no capítulo III, o narrador refere-se aos jovens sem emprego e sem dinheiro, que passeavam no entorno dos cabarés,

[...] para espiar o movimento, enquanto ouviam os sucessos musicais do momento, sobretudo músicas românticas, recheadas de muita paixão, adultério e amores infelizes. Das velhas vitrolas evolavam as vozes de Waldick Soriano, Roberto Müller, Evaldo Braga, José Ribeiro, Carmem Silva e outros (CARVALHO, 2017, p.31).

            São implícitas nesses trechos do romance Histórias de Évora, as consequências do golpe militar de 1964 que contribuíram para a alienação e o retrocesso de nossos jovens e da nossa educação escolar nos âmbitos cultural e político. Acrescente-se que, além da censurar conteúdos de história e geografia, o regime militar tratou de retirar dos currículos escolares disciplinas que criavam hábitos de raciocínio, como Latim, Sociologia e Filosofia, para em contrapartida introduzir as famigeradas matérias OSPB (Organização Social e Política Brasileira) e Estudos Brasileiros, a fim de enaltecerem os valores do regime ditatorial. Em entrevista à Teresinha Queirós, o autor, respondendo sobre como reagia à censura durante o regime militar, diz:

A minha geração aflorou literariamente durante o regime militar, durante a época do 477, do AI-5, numa época em que não podia haver reuniões de estudantes nas universidades. Isso fez com que houvesse em nossos textos uma forte carga social, de denúncia, mas também fez com que exercitássemos a criatividade, para driblarmos a censura. Entretanto, a pior censura é a autocensura, fruto de nossos preconceitos, tabus, medos e mistificações (CARVALHO, 2006, p. 159).  

Em Histórias de Évora a metalinguagem também preside o ato de criação do narrador. Identificamos no romance dois tipos: um  autor-narrador em terceira pessoa (heterodiegético), que não participa dos fatos que expõe, e um narrador-personagem ou narrador-protagonista (autodiegético) em primeira pessoa gramatical, sob a forma de um “eu” que vivencia suas experiências.(1) Essa tipologia se esclarece no capítulo XI (Música e Memória), quando o autor-narrador, usando da estratégia metalinguística machadiana, intervém na  primeira pessoa para justificar sua atuação:  

[...] Julgo de bom alvitre, até para quebrar a monotonia desta narrativa, em que trato, sobretudo dos anos de puberdade e da juventude de meu protagonista, intercalar alguns trechos de suas memórias e de suas lembranças de Évora, bem como de alguns eborenses que ficaram na história oral da cidade. Portanto, a seguir, e em outros capítulos deste livro, interpolarei escritos de Marcos Azevedo, elaborados, alguns, em sua madureza e, outros, quando ele já descambava para a terceira idade. [...] Os textos, desentranhados de Histórias de Évora, Mitologia de Évora e Memórias, serão transcritos em itálico e entre aspas, para que não paire nenhuma dúvida sobre a autoria, porém, sem indicação expressa de título da obra e autor” (CARVALHO, 2017, p. 61).

            Estamos, por conseguinte, diante de um narrador, cuja função, além de narrar, funde seu papel com o de um autor-implícito, para explicar o modo de conduzir a narrativa. Essa voz do autor-narrador, na visão de Bakchtin constitui uma segunda voz,

[...] não a voz direta do escritor, mas um ato de apropriação refratada de uma voz social qualquer de modo a poder ordenar um todo estético, visto que não são as ideias do escritor que entram no objeto estético, mas sua refração (FARACO, 2005, p.40).

Esse mesmo narrador, muito antes, no capítulo VI (Évora e suas Histórias, p.79), esclarece o projeto literário de Marcos: escrever três livros em bases intertextuais (2): Histórias de Évora, Memórias e Mitologia de Évora. Segue-se então uma exposição, detalhando as estratégias que serão utilizadas na escritura desses livros, para logo depois informar que Mitologia de Évora foi escrito e publicado, quando Marcos houvera completado 36 anos de idade, já casado e com dois filhos. Assim, antecipa essa informação ao leitor sobre o destino da personagem, que será visto adiante nos capítulos finais XXXVII (Seus Olhos são negros, negros, p.171) e XXXVIII (Epílogo, p.177). No capítulo XXXV (Uma História da Cera de Carnaúba), o narrador interrompe o curso da narração, dirigindo-se ao leitor nos seguintes termos:

Vamos dar um salto na história de Marcos Azevedo. O rapaz, após concluir o antigo científico, fez o curso de Direito em sua cidade natal, também como aluno no Liceu Eborense. [...] Dois anos após a conclusão superior, foi aprovado em concurso público, para o cargo de Fiscal de Tributos Federais. Conseguiu ser lotado na Agência da Receita Federal de Évora, em cujo prédio funcionava a Alfândega local (CARVALHO, 2017, p.161)

 

A partir desse capítulo, cessa a participação do narrador-personagem Marcos que, de certa forma, discreta e indiretamente é em algumas passagens do romance uma espécie de alterego do autor, conforme ele próprio afirma:

Não há negar: em certos momentos Marcos pode ser considerado como uma espécie de meu alterego, porém em outras situações o meu protagonista é uma completa figura fictícia (CARVALHO, 2017, p. 10).

            Em certos trechos do romance, a personagem Marcos apresenta identidade de pontos de vista com o autor. Na entrevista que concede à professora Maria do Socorro Rios Magalhães, Elmar, além de mostrar seu interesse compulsivo pela leitura, declara:

[...] li a biblioteca de minha madrinha e a pequena biblioteca de meu pai. Mas lia vários outros livros, principalmente de história e sobre literatura. De modo que sempre fui um interessado da área de humanidades (CARVALHO, 2006, p.170).

No romance, sabe-se que a personagem Marcos

[...] Tinha certo pavor à matemática, e estudava apenas o suficiente para passar de ano. Entretanto, era um dos primeiros alunos em História, Geografia, Português, Literatura e outras disciplinas da área de humanidades (CARVALHO, 2017, p. 27).

            Na entrevista com a professora Teresinha Queiroz, solicitado a falar sobre sua vivência parnaibana de juventude, de cultura e de jornal, Elmar alude a respeito de sua participação em jornais desde os 16 anos. Cita como foi sua atuação

[...] no jornal Inovação que congregou um grupo muito atuante e muito questionador de pessoas inteligentes que cultivavam a leitura e eram bem informados (CARVALHO, 2006, p. 156).

Em Histórias de Évora, Marcos e mais cinco colegas do Liceu, quando cursava o terceiro ano ginasial,

 

[...] idealizaram um jornal mural que tinha colunas com notícias, informações sociais artigos, crônicas e poemas. Eventualmente publicava seus textos. [...] O Arauto, assim se chamava o jornal estudantil. [...] em Évora, vez ou outra, publicava contos e crônicas no jornal tipográfico A Batalha (CARVALHO, 2017, p. 27).

Esses e outros traços do autor em comum com os do protagonista do romance estão presentes em quase todos os seus capítulos. Ressalte-se, porém, que essa semelhança entre autor e personagem acontece como forma de potencializar a verossimilhança (4) no romance. Para Antônio Cândido,

A personagem é um ser fictício, expressão que soa como paradoxo. De fato, como pode uma ficção ser? Como pode existir o que não existe? No entanto, a criação literária repousa sobre este paradoxo e o problema da verossimilhança no romance depende desta possibilidade de um ser fictício, isto é, algo que, sendo uma criação da fantasia, comunica a impressão da mais lídima verdade existencial. Podemos dizer, portanto, que o romance se baseia antes de mais nada, num certo tipo de relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a concretização deste (CANDIDO, 1976, p. 55).  

Portanto, na visão de Antônio Cândido as personagens fictícias de um romance têm por base ou fonte de inspiração essa relação entre a pessoa e o ser vivo, a partir de cujos traços físicos, psicológicos e comportamentais os escritores as constroem.   

O romance Histórias de Évora compõe-se de 38 capítulos, que se concentram não apenas na trajetória de Marcos da adolescência à fase adulta, mas também na história de outras personagens do ponto de vista do protagonista. Estas se desenvolvem paralelamente às demais. São textos autônomos entre si, à semelhança de contos dispostos em capítulos que poderiam ser lidos em separado. Eis alguns exemplos: Capítulos XII e XIII -  Confissões (1 e 2), sobre as decepções e frustrações amorosas e sexuais de Pedro Pinto Pereira; Capítulos XXII e XXIII - A serra encantada (1 e 2), acerca do desaparecimento de João Galdino em caçadas com amigos na Serra do Cachimbo e de seus  possíveis contatos com seres extraterrestres, sugerindo a hipótese do fantástico; Capítulo XXV - A Matrona de Évora, focado na história de Ângela Fontenele que aos 15 anos é instada pelos pais a casar-se contra sua vontade com Constantino, muito mais velho que ela; Capítulo XXVII - O voo do Pardal, sobre a aventura de Eugênio Dantas, o Ícaro Eborense, que constrói uma Asa Delta, sendo por ela vitimado, e o Capítulo XXXIV -  O Segredo de Matilde, mulher imponente e enigmática, sobre cuja virgindade, mesmo depois de casada e divorciada ainda persiste dúvida.

Além dos capítulos mencionados, após o Epílogo (capítulo XXXIII), desfecho da trama principal, em suas páginas finais o romance inclui um ANEXO, com o subtítulo Outras Histórias de Évora. O anexo reúne 15 crônicas ou minicontos memorialistas que Marcos publicou aos 62 anos de idade, sobre tipos humanos da vida social de Évora:

[...] Eram textos curtos, densos, que a crítica e os doutos não souberam classificar ao certo se seriam crônicas memorialistas, contos ou apenas simples “causos” anedóticos (CARVALHO, 2017, p.183).

Histórias de Évora é um romance de época, que se constrói a partir de textos de vários gêneros, uma tendência da narrativa de ficção contemporânea. Trata-se, conforme mencionamos, de um romance desmontável, conceito concebido por Rubem Braga, na análise que faz do livro Vidas Secas de Graciliano Ramos, cujos capítulos possuem certa independência e, por isso, podem ser lidos separadamente. Como vimos, Histórias de Évora é um romance que traz inovações por incorporar em sua estrutura híbrida elementos metalinguísticos e intertextuais que sem dúvida ampliarão o repertório de informações do leitor e por abordar temas do cotidiano, numa linguagem clara, concisa e sedutora.          

NOTAS

1. No admirável ensaio Histórias de Évora, uma ficção do erotismo, amor e saudade, o escritor Cunha e Silva Filho, focaliza a questão do narrador, identificando o narrador 1, que relata os fatos relacionados ao protagonista e o narrador 2, na condição de escritor, que “tem um caráter de complementaridade no conjunto do enredo do narrador 1.

2. Intertexto, na definição de Júlia Kristeva, refere-se a “(...) todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto (...)” (2005: 68). O escritor Umberto Eco, citado por  Wender Marcell Leite Souza (UFMT), ao falar sobre o seu romance O Nome da Rosa aponta a importância de outros livros na construção do seu, “Descobri o que os escritores sempre souberam (e nos disseram muitas e muitas vezes): os livros sempre falam sobre outros livros, e toda estória conta uma estória que já foi contada” (apud HUTCHEON, 1991: 167).

 

3. Estêncil: Folha de papel fino especial que recebe gravações na forma de pequenas perfurações obtidas com o uso de máquina de escrever e estilete, para servir de matriz para a impressão por mimeógrafo.

 



4. Verossimilhança: O substantivo verossimilhança e o adjetivo verossímil contêm dois radicais: vero, que significa verdadeiro e símil, semelhante, parecido. Portanto, verossímil é aquilo que parece ser verdadeiro, que é semelhante à verdade, que pode acontecer na realidade. O verossímil, como se vê, é um simulacro da verdade, na medida em que é verdadeiro apenas na aparência. Referência: Blogue do prof. Ernâni Terra https://www.ernaniterra.com.br/verossimilhanca, acessado em 1º/12/2022.

REFERÊNCIAS


AMORIM, Ramom. O romance desmontável como experiência radical da narrativa contemporânea.https://leiturascontemporaneas.org/2020/07/02/o-omance-desmontavel-como-experiencia-radical-da-narrativa-contemporanea. Acessado em 1º/12/2022.

CANDIDO, Antônio et al. A personagem de ficção. São Paulo, Editora Perspectiva, 1991.

CARVALHO, Elmar. Histórias de Évora. Teresina: Academia Piauiense de Letras, 2017. (Coleção Século XXI, 15).

 

CARVALHO, Elmar. Lira dos Cinquentanos. Teresina: FUNDAPI, 2006.

 

CARVALHO, Elmar. Histórias de Évora, op. cit. p.13/23.

 

DUARTE, Alessandra, citada por Gabriela Naiara de Souza Candeu, Paula Ferreira Vermeersch in A Ditadura Militar e suas consequências na consciência da educação como política. Universidade Estadual Paulista – UNESP.

 

FARACO, Carlos Alberto. Autor e Autoria in BRAIT, Beth (org). Bakhtin: conceitos-chave. São Paulo: Contexto, 2005.  

 

GENETTE, Gérard. Discurso da narrativa. Lisboa: Edições 70, 1972.

 

GIACOMET, Michele. Metalinguagem: a meta do discurso romanesco moderno, In Revista Acadêmica Educação e Cultura em Debate, V. 8, N. 1, jan./dez. 2022, p. 378/386, acessado em 20/11/2022

 

LAGENEST, Barruel. Lenocínio e Prostituição no Brasil. Rio de Janeiro: Agir, 1975, citado em https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/37393/37393_6.PDF.

 

ROSSI, Reginaldo. As raposas e as uvas. https://www.letras.mus.br/reginaldo-rossi, acessado em 20/11/2022.

 

SILVA FILHO, Cunha e. Histórias de Évora, uma ficção do erotismo, amor e saudade in

 

SOUSA, Wender Marcell Leite. A literatura como diálogo: Um percurso histórico do intertexto.pdf – Adobe Acrobat Reader DC, acessado em 20/11/2022.   

No que os apontamentos de um ex-imperador romano, depois de várias centenas de anos, e o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, são úteis para ensinar a respeito de nossa necessária reflexão na virada de ano?



No que os apontamentos de um ex-imperador romano, depois de várias centenas de anos, e o filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, são úteis para ensinar a respeito de nossa necessária reflexão na virada de ano? 

 

Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)

 

Realizar anotações ou reflexões pessoais, é um antigo hábito e prática dos grandes estudiosos da alma, dos pensamentos e da saúde mental humana, como podemos citar os escritores e poetas – sabidamente, mestres neste ofício, através dos seus personagens, paisagens, momentos, sensações e sentimentos -.

 

Também, neste rol, abranjo os cientistas e pesquisadores da mente humana, filósofos, os bons roteiristas (ou diretores) de clássicos do cinema, dentre outros profundos conhecedores da matéria. 

 

E, nestes dias, apesar de ser um calouro na área, refleti a respeito, trazendo, por consequência, a pergunta simples, clássica e recorrente quando chegamos ao final de todo o ano:

 

- O que poderíamos tirar como lição do ano que está a acabar (2022)?

 

Um exercício simples e comum é o de escrever um pequeno registro ou rascunho dos eventos pessoais mais importantes do ano que passou (seria como uma espécie de chave bastante prática e acessível para o subconsciente).

 

A oração, meditação, a reza e o simples ato de ficar a sós sem às distrações eletrônicas e da vida moderna, podem ser medicinais, dizem.

 

Ocorre que, vivemos realmente (ou é virtualmente?) em tempos estranhos.

 

E, neste aspecto, convém lembrar o tema da desumanização do homem causada pela elevada e constante aceleração das inovações tecnológicas e industriais, substituição do ser humano por máquinas e suas polêmicas contradições, como foi descrito, dentre outras questões, pelo genial Charles Chaplin, no clássico Tempos Modernos, a despeito da película ser de 1936.

 

Seria um prelúdio? Talvez sim, talvez não.

 

Por vez, de uma forma caricata, o personagem Carlitos, em Tempos Modernos, no seu descontentamento com a fábrica e o sistema de trabalho que exercia, nos mostra em tons irônicos, uma profunda mensagem a respeito da desumanização e a perene necessidade do refúgio interno para reflexão como remédio para alguma de nossas aflições e descontentamentos trazidos pelos males da vida moderna, penso.

 

Não por isso, trazendo para o hoje, o exagero de informações (in) úteis na internet e a alta exposição pessoal nas redes sociais, ao tempo que nos distrai das aflições e angústias cotidianas, ao fantasiar a nossa vida através dos momentos alheios, serve para aproximar pessoas distantes geograficamente e liberar substâncias e hormônios agradáveis por meio da viagem pelas telas.

 

De outro lado, mas de forma paradoxal, há o excesso tecnológico que provoca o entorpecimento ao ponto de desprezarmos a não somenos importante prática do autoconhecimento e reflexão (ou do retiro dentro de si) a respeito do nosso mundo real.

 

Incluo, além disso, o chamado metaverso, que é um universo virtual que busca reproduzir a realidade usando tecnologias como realidade virtual.

 

Como exemplo, não precisarei abraçar afetuosamente alguma pessoa na realidade, porque estarei dentro deste mundo paralelo virtual e, como um passe de magia (ou apetando o mouse), o meu “avatar” ou boneco virtual poderá me representar (ou seria presentar?) neste momento tão profundamente humano.

 

Claro que, segundo pregam os defensores do invento, estarei sempre no controle do meu “avatar”, que possui um sem número de vantagens, como ter propriedades no referido mundo, ir às compras, e as coisas seguem assim...

 

Já penso na situação inusitada de um pobre cidadão (como Carlitos) estar esfomeado na vida real e, como um “toque de midas”, ser gentilmente conduzido ao tal do metaverso para receber um grande banquete para ficar sem fome...

 

Ou, como a figura dramática de Carlitos, em Tempos Modernos, aborrecido por fazer a mesma coisa no trabalho e, num belo dia, ingressar no metaverso para tornar-se um grande aventureiro e desbravador dos sete mares, escalando montanhas ou fazendo um grande tour pelo mundo.

 

Menos pior, aqui concordo com uma utilidade, se as guerras ou brigas sanguinárias forem ajustadas e resolvidas pacificamente e exclusivamente neste universo paralelo, rogo...

 

Seria bom, apesar de o invento ser mais propriamente uma fuga efêmera e paliativa para uma realidade artificial, fictícia e volátil criada por grandes conglomerados empresariais... E os efeitos sobre a mente humana são totalmente incertos.

 

Com isso tudo, após analisar alguns trechos do filme de Chaplin, refletir a respeito da internet, os dilemas das redes sociais e do tal metaverso, chamou-me à atenção sobre a vida e obra do ex- imperador romano Marco Aurélio (governou entre os anos 160 e 180 D.C.), que levava a tiracolo um simples caderno de anotações ou diário (este batizado, mais tarde, de “Meditações”).

 

Na verdade, é uma série de reflexões pessoais escritas disciplinarmente por este ex-imperador para o conhecimento de si (ou da alma) durante suas aflições e descontentamentos quando governava e tentava conservar seu gigantesco e complexo império.

 

Tal hábito de rever constantemente seus atos, pensamentos e o mundo ao redor praticado pelo líder romano seria um mero acidente de percurso, ou o motivo de sua venerada administração do império? O fato é que o peso de seu cargo era enorme.

 

Neste ponto acima, deixo para os historiadores profissionais, mas o fato é que Marco Aurélio fazia parte da Dinastia Antonina (muito falada por ter sido um período de estabilidade e paz no Império Romano, apesar dos grandes desafios).

 

Voltando ao diário de Marco Aurélio, o tema do diálogo interior é, por este, muito bem explorado, sobretudo, quando aborda, de forma simples, a complexa e atual questão a respeito da necessidade da análise individual interior e o descontentamento humano:

 

 "(...). As pessoas buscam para si refúgios, casas de campo, praias e montanhas; e tu também desejas isso intensamente.

Mas isso toca inteiramente as mais vulgares entre as pessoas, pois depende de tua vontade, a qualquer momento, fazeres o retiro para dentro de ti mesmo.

Com efeito, em lugar algum, seja em busca de mais tranquilidade, seja visando distanciar-se de negócios e atividades, consegue uma pessoa mais refúgio que dentro de sua alma, isso, sobretudo, quando abriga dentro de si pensamentos cuja contemplação lhe transmite imediatamente completo conforto; digo, a propósito, que conforto ou tranquilidade não é outra coisa senão uma boa ordem [da alma].

Portanto, proporciona a ti continuamente esse refúgio e renova a ti mesmo; e que teus princípios sejam concisos e possuam caráter elementar, para que, tão logo recorra a eles, bastem para repelir por completo a aflição [da alma] e te enviar de volta sem descontentamento às coisas ás quais retornas. (...) [In Marco Aurélio, Meditações, EdiPro, Livro IV, pág. 41].

 

Penso que, Marco Aurélio, no trecho, apesar de várias outras interpretações possíveis, ponderava que os refúgios externos ou distrações materiais não poderiam suprir a necessidade inata humana do exercício do autoconhecimento e reflexões constantes para fins de reparar às aflições ou descontentamentos.

 

E, neste ponto - no que tange a paz interior pelo habitual autoconhecimento e auto-observação - ao que tudo indica, ele era um verdadeiro mestre na teoria e na prática, em virtude do estoicismo, do qual era um aplicado estudante desta filosofia.

 

Porque, ao que tudo indica de parte da obra, aquilo que estava sendo necessário desbastar ou renovar, através da escrita ou íntima reflexão, apesar de ser, às vezes, angustiante, ressurgia, de uma forma ou outra, das profundezas de sua mente (da alma), a despeito da profusão de distrações e responsabilidades que possuía, como guerras, revoltas internas e uma grande burocracia estatal para administrar.

 

Logo, como o ex- imperador, o presente momento para rever o que acertou, alegrou-se, errou e sofreu é deveras benigno. Lembrando ou redefinindo a rota a tomar, se for o caso. Comemorar pequenas conquistas. Tentar substituir mágoas e desilusões por novos projetos, dentre outras opções.

 

Afinal, é (sempre) tempo de evolução e renovação pelo autoconhecimento e reflexões, como anotou e praticou o grande ex-imperador romano e, mais recentemente, retratou Charles Chaplin.

 

Sigamos sempre refletindo e meditando, através, se for o caso, de anotações em um simples caderno.

 

Feliz 2023.

(*) Advogado e escritor.   

Lágrimas insopitáveis




Lágrimas insopitáveis 


Carlos Rubem 


Estava no Fórum Desembargador Cândido Martins, por volta da 10h, talvez, nesta data (8/12), há 10 anos (2012), exercendo as minhas atividades ministeriais.


Recebi uma ligação telefônica. Era o amigo Gutemberg Rocha. Fez-se-me mensageiro da fatídica notícia. 


Participou-me que a Dona Aldenora Nogueira Campos e Reis, minha mãe, acabara de falecer na UTI do Hospital São Marcos, aos 80 anos de idade, em Teresina, vítima de câncer na bexiga.


Dorinha havia se submetido a uma melindrosa cirurgia para extirpar uma malignidade tumoral, no ano anterior.


Em seguida, passou por rigoroso tratamento quimioterápico. Logo sofreu os efeitos colaterais, mas nunca se abateu espiritualmente. Mulher de fé inquebrável. Zeladora do Coração de Jesus. Louca pelo seu amantíssimo Ditinho, meu pai.


Consciente da gravidade da moléstia que a consumia, resignada, procurava visitar pessoas amigas, velada despedida.


Um belo dia mandou-me chamar em sua casa. Nos seus aposentos, fez-me diversas recomendações de ordem familiar e comunitária, o que — filho obediente — tenho tentado cumprir contando com a compreensão de muitos.


Nesta página evocativa à sua memória, revelo um desejo expresso da pranteada: — não deixar ao desabrigo Valdemar Francisco de Oliveira, pontuou.


Conhecido por Galiano, este ingênuo rapagão mora conosco há 50 anos, certamente. Muito engraçado. Gente boa!


Indaguei-lhe acerca do seu propósito. — É para que vocês sempre se lembrem de praticar a caridade, enfatizou.


Se por algum motivo Galiano se zangava, mamãe, com a sua autoridade moral, dirigia-se ao nosso irmão afetivo, assim: — Diga: sou filho de Deus e herdeiro do céu. E chovia preleções que o deixava em plena mansuetude.


Está chegando a noite cristã, a comemoração nazarena. Em toda minha vida, por esta época, mamãe repetia o mesmo gesto: abraçava-me com ternura e cantava, com suavidade, aos meus ouvidos “Botei meu sapatinho”, canção natalina. Emocionávamo-nos! 


Ao escrever esta saudosa nota, ouço, perfeitamente, a sua maviosa voz entoando cantigas de ninar. Lágrimas umedecem o meu rosto! 

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Leituras Compartilhadas de Histórias de Évora de Elmar Carvalho

 



Com leituras dos Professores Dilson Lages,  Nilson Ferreira e Francisco Carlos.

Transmissão pelo Canal Círculo Literário Entretextos.

2909 - Poema de Walter Lima

 


domingo, 18 de dezembro de 2022

Seleta Piauiense - Rubervam Du Nascimento

Fonte: Google

 

Herança – II

 

Rubervam Du Nascimento (1954)

 

decorava versos para dizer ao seu homem

ao atingir êxtase quando podia quando

mãos do seu homem não apertava sua garganta

adorava falar garcia lorca

Enche, pois, de palavras minha loucura,

ou deixa-me viver noite da alma para sempre escura

encontrada morta no quarto de um motel

no sábado de aleluia

lua vermelha amassada nos lábios

garganta derramando sangue no lençol

no celular versos à voz de um poeta francês

morto ao escapulir do vagão de trem

numa tarde fria de paris

depois de um encontro com amada

“O tédio já não é meu amor. As raivas,

as farras, a lo cura de que..a vida é a farsa

mo ro de sede, s foco, não c nsigo de l i rar…”

 

Fonte: site da Revista Acrobata

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

A saudade e a morte de Ribamar


Ribamar e sua filha Samantha, na Argentina

A saudade e a morte de Ribamar

 

Elmar Carvalho

 

Fui ao cemitério Recanto da Saudade, para participar da cerimônia de sepultamento do juiz de Direito José Ribamar Oliveira Silva (19/03/1961 – 15/12/2022).

Sem desejar fazer trocadilho com o nome do campo santo, mas Ribamar deixou saudade. Senti isso na tristeza e mesmo no choro de vários de seus amigos e familiares, que lá se encontravam e participaram da cerimônia religiosa e do sepultamento propriamente dito.

Antes da chegada do cortejo, conversei com o amigo Raimundo Nonato de Carvalho Teixeira, servidor aposentado da Caixa Econômica Federal e professor de Química, no ensino médio. Nonato é amigo de infância do Ribamar; revelou-me que ambos eram “irmãos de leite”, pois um tomou do leite vertido pela mãe do outro, reciprocamente. Esse leite materno parece ter reforçado e consolidado a amizade, porquanto se mantiveram amigos durante todos esses longos anos.

Disse-me o Nonato que o Ribamar tinha uma inteligência prodigiosa, uma vez que aprendia com extrema facilidade, sem necessidade de longas e exaustivas horas de estudo. Passou em importantes concursos. Aprendeu inglês como autodidata, ou por conta própria, sem auxílio de professor.

Ao assumir seu cargo de juiz, permaneceu do jeito que sempre fora, sempre humilde e sem empáfia. Seu comportamento e atitudes perante seus velhos amigos permaneceu inalterável, sem nenhum tipo de presunção.

Conheci Ribamar quando assumi a Comarca de Ribeiro Gonçalves, como seu titular, no ano 2000. Nessa época o ônibus da empresa Princesa do Sul tinha sua agência defronte ao Fórum de Uruçuí, cujo juiz era o José Ribamar Oliveira Silva.

No retorno a Teresina, vindo de Ribeiro Gonçalves, demorava cerca de duas horas nessa agência, para prosseguir na viagem. Então, algumas vezes, fui ao fórum onde sempre recebi uma afetiva acolhida do Ribamar, sempre bem-humorado e risonho. Aliás, o seu filho Rodrigo, conversando com um amigo, perto de onde eu me encontrava, ressaltou essa sua característica.

A Samantha, filha do Ribamar, pranteou muito a sua morte, tendo chegado a sofrer um desmaio perto da cova, mas felizmente foi bem amparada e reconfortada por suas parentas e amigas.

No final, quando me dirigia a meu carro, encontrei na alameda, sob a sombra densa de uma copada mangueira, o advogado Antonio Liborio Sancho Martins, que dirigia palavras de conforto e resignação à Samantha. Parei perto, pois pretendia entregar um livro de minha autoria ao velho amigo Liborio, que estava sem chapéu, não sei por que mistério, mas talvez em respeito à solenidade da morte e a esse tipo de cerimônia.

Quando o nobre causídico encerrou suas palavras, eu disse à filha do Ribamar: “Seu pai já está, neste momento, num lugar muito melhor do que este nosso”. E creio mesmo isso seja verdade, porque acredito nas palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando ele disse, de forma peremptória, que na casa de seu pai havia muitas moradas.

No caminho até meu carro, o Dr. Liborio me contou que o Ribamar dizia não temer a morte. Creio que ele teve uma morte rápida, sem muito ou nenhum sofrimento, e sem temor. E isso é uma grande graça, que poucos alcançam.    

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

TERESINA – 170 ANOS


 

TERESINA – 170 ANOS

 

Enéas Athanázio

 

A Capital piauiense completou 170 anos. É ainda uma cidade jovem, comparando-se com a maioria das demais. Considerada a Cidade Verde, está situada à margem direita do Rio Parnaíba que divide o Piauí do Maranhão. Situa-se no sertão nordestino, lembrando que sertão, aqui para nós, é a floresta, o mato inceiro, enquanto por lá é a caatinga, o semi-árido. Por tudo isso, é uma cidade de clima quente e seu calor é a forma calorosa com que recebe os visitantes, com perdão da redundância. É a única capital nordestina distante do litoral, foi pré-planejada e sucedeu a Oeiras, no sul do Estado, a primeira capital. Tenho o prazer e a honra de portar a Comenda Conselheiro Saraiva, o fundador da cidade, e o título de Cidadão Honorário do Piauí. Estive lá muitas vezes e conquistei inúmeros amigos.

 

Organizado pelo escritor e fotógrafo Inácio Marinheiro, com a colaboração dos também fotógrafos Juscelino Reis e Terceiro Matos, foi lançado o belíssimo livro-álbum “ Teresina – 170 Anos”, contendo belas imagens da cidade colhidas pelas lentes do trio. Foram fixados os mais expressivos logradouros e os mais belos panoramas que enchem os olhos do leitor. É admirável verificar como a cidade cresceu em todos os sentidos e se desenvolveu com elegância à margem do caudaloso curso d’água que a banha. Teresina está muito longe daquela que visitei pela primeira vez em 1970 e se apresenta moderna e movimentada. Como dizem os organizadores, a publicação contém “verdadeiros cantos de louvor e exaltação à bela e acolhedora Cidade Verde” nos poemas de autoria de inúmeros poetas piauienses de ontem e de hoje que ilustram as imagens com seus inspirados versos. É, na verdade, uma antologia ilustrada.

 

O prefácio é de autoria de Adrião Neto, um dos mais profícuos homens de letras daquele Estado e que considero o arauto do Piauí, tal o seu empenho na divulgação do Piauí e sua Capital. Ele revela nesse breve texto o imenso serviço prestado por Inácio Marinheiro à sua terra de adoção. Plínio da Silva Lopes, em pequeno ensaio, recorda o nascimento de Teresina na confluência dos rios Parnaíba e Poty, cujas águas resistem e tardam a se juntar. Era a Vila do Poty, na Chapada do Corisco. Lucia Ana de Melo Silva contribui com uma crônica memorialista descortinando a Teresina de outrora, nos idos de 1974. Outra crônica registra os efeitos da pandemia sobre a cidade e seu povo, observando com olhar agudo as transformações impostas pela doença. E, em seguida, tem início o deslumbrante desfile de todos ilustradas por poemas das mais variadas correntes e estilos.

 

Entre os poetas publicados estão Adrião Neto, Altevir Alencar. Barros Pinho, Cineas Santos, Domício Proença Filho, Elmar Carvalho, Francisco Miguel de Moura, H. Dobal, Hardi Filho, Francisca Lopes, Lisete Napoleão, Lucídio Freitaas, Nara Santos, Oliveira Neto, Paulo José Cunha, Raisa de Caldas Castelo Branco, Rubervan Du Naascimento, Torquato Neto, Zózimo Tavares. Homens, mulheres, jovens, maduros. Todos entoando louvores à sua cidade. Muitos deles meus conhecidos. Seguem-se notas biográficas dos participantes.

Todas as fotos são de alto nível artístico. Algumas sobrelevam pelo local e pelo ângulo retratados. Assim acontece com a visão de Teresina e suas três pontes, o Palácio de Karnak, sede do governo, a Praça da Bandeira e suas cores, os tarrafeiros do Parnaíba, a visão da Catedral Metropolitana, o bosque e o Cabeça-de. Cuia, a noite na Metrópole, o restaurante flutuante, a Ponte João Luís Ferreira (governador que foi colega de Lima Barreto na Politécnica do Rio de Janeiro), a vista panorâmica, a gare ferroviária, o encontro das águas, o Teatro, o casario antigo. Depois desta lista, retornei ao livro-álbum e fiquei em dúvida sobre minha escolha. Terei feito justiça? Confesso que não sei.

Concluindo, felicito aos que idealizaram e realizaram esta magnífica homenagem à Cidade Verde. Ficará como um marco.   

domingo, 11 de dezembro de 2022

Seleta Piauiense - Durvalino Couto Filho

 

Fonte: Google

TRESIDELA 2

 

Durvalino Couto (1953)

         a Edmar Oliveira

 

A vida não é como o vento

A vida não é como a chuva

A vida é um relâmpago

Um trovão

 

Mas não passa pro Maranhão


Fonte: Blog Piauinauta

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Medalha do Mérito Conselheiro Saraiva

Prefeito Dr. Pessoa e Elmar Carvalho
Elmara Cristina e Elmar Carvalho

Medalha do Mérito Conselheiro Saraiva


Recebi ontem, à noite, a Medalha do Mérito Conselheiro Saraiva, juntamente com várias outras pessoas, de diferente áreas de atividade, entre as quais o odontólogo, professor da UFPI e acadêmico (APL) Plínio Macedo. A honraria foi entregue pelo prefeito Dr. Pessoa. Estavam presentes os agraciados e vários de seus familiares, bem como vários gestores da prefeitura de Teresina e alguns dos membros do Conselho para concessão da Medalha, dentre os quais Reginaldo Miranda e Fonseca Neto, ambos meus confrades na Academia Piauiense de Letras. Falou em nome de todos os homenageados o médico Carlos Iglesias, com muita eloquência e pertinência, enaltecendo o sentimento de gratidão de todos nós.

Sou radicado em Teresina desde agosto de 1982, mas nesta cidade estive em vezes anteriores, desde a minha meninice. 

Julgo oportuno transcrever abaixo minha crônica "As fontes luminosas da Frei Serafim", como uma forma de homenagem a esta amada, bela e mesopotâmica cidade:


As fontes luminosas da Frei Serafim


Elmar Carvalho


No começo de 1975 fiz curso de três meses no Centro de Treinamento Correio Paulo Bregaro, no Recife, para posterior ingresso no quadro de servidores da ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Na Mauriceia ou Veneza Brasileira, fiz poema em que exaltei a sua beleza; recitei-o em auditório, fui o orador de minha turma, e, jovem, entusiasmado, com a poesia a borbulhar em meu cérebro, quase me sentia o próprio Castro Alves, quando passava pelas velhas pontes e me deslumbrava com o Teatro Santa Isabel e os velhos sobrados.

Mas logo retornei a Campo Maior e nunca mais revi o Recife, a não ser nos versos de Manuel Bandeira. Em junho desse ano fomos morar em Parnaíba, que me encantava com as suas belas praças da Graça e de Santo Antônio, com seus belos e suntuosos solares, e sobretudo com a sua rica e linda paisagem natural. Contudo, já em 15 de setembro de 1975, assumi o meu cargo de monitor postal em Teresina, onde passei a residir até o início de 1977, quando fui cursar Administração de Empresas (UFPI) em Parnaíba.

Meu pai pediu a uma prima dele que me hospedasse por um ou dois meses, até eu receber meus primeiros salários e pudesse pagar uma pensão. Assim foi feito. Essa família que me acolheu morava na Avenida Frei Serafim, quase defronte ao cruzeiro, perto do antigo seminário, quando o logradouro começava a descer uma ladeira, levemente curva, em direção à ponte sobre o Poti, que então era uma só. Após esses dois meses, me mudei para a pensão de dona Teresinha Cardoso, localizada na “baixa da égua”, perto da Casa Saló, da Praça do Liceu e da sede do Sambão, onde conheci figuras interessantes; mas aí já seriam outras histórias ou outros quinhentos. Voltemos, pois, à bitola delineada pelo título.

O primeiro governo de Alberto Silva já melhorara bastante a urbanização de Teresina, com a construção de grandes edificações e obras estruturantes, inclusive abrindo novas e arrojadas avenidas. Melhorou a iluminação de antigas praças e ruas. Construiu o estádio Albertão, chamado pela crônica esportiva de o “Colosso da Redenção”, em referência ao bairro onde foi edificado.

A Frei Serafim foi uma das avenidas que passou por um verdadeiro processo de embelezamento. E todo dia, durante esses dois meses, mais ou menos, eu a percorria a pé, em quase toda a sua extensão, do cruzeiro até um pouco depois da imponente igreja de São Benedito, quando ia para os Correios, ou quando dessa empresa federal voltava para a casa de meus parentes.

Na casa de meus anfitriões, aos dezenove anos, tive um bom e grande contato com a literatura e a história piauienses. Eles tinham dois livros do Herculano Moraes – Visão Histórica da Literatura Piauiense e Nova Literatura Piauiense (1975), ambos editados pela editora Artenova (salvo engano), do poeta piauiense Álvaro Pacheco – e Trechos do Meu Caminho, obra memorialística do barrense Leônidas de Castro Melo, editada pela COMEPI. Depois consegui um exemplar deste último, que considero um dos melhores livros de memórias, que vim a ler e reler com muito gosto, e sobre o qual escrevi uma crônica, publicada na internet.

Os livros do Herculano, apesar de eventuais senões, que se lhe queiram apontar, me proporcionaram o meu mais abrangente contato inicial com a literatura do Piauí. Passei a conhecer a biografia de seus principais escritores e poetas, e li antológicos textos de nossos mais festejados literatos. Assim, posso dizer que o Herculano Moraes, que só vim a conhecer pessoalmente nos anos oitenta, me prestou um grande serviço no final de minha adolescência.  

Retomando minha temática principal, repito que percorria a Frei Serafim quatro vezes ao dia nos dois turnos de meu trabalho, contando a ida e a volta. Um dos turnos terminava às dez da noite. Numa das vezes em que eu retornava, por volta das 22 horas, quando já estava no quarteirão anterior à residência, me deparei com um linda, esbelta e alta mulata, que me olhou com certa intensidade e insistência.

Vencendo a minha timidez, quando nos contatos iniciais, a abordei. Não querendo desta feita entrar em detalhes, direi apenas que descemos, os dois já aconchegados, a ladeira que ia em direção ao rio Poti. E em terreno baldio que ficava, creio, entre o estacionamento da Unimed e os edifícios em homenagem aos poetas Torquato Neto e Mário Faustino, pude desnudar aquele monumento em forma de mulher. Ninguém, nada, nenhum bandido ou inseto nos incomodou.

Ante suas caprichosas curvas e volutas voluptuosas, esmeradas, senti um alumbramento, o mesmo que deve ter sentido o poeta Manuel Bandeira, quando viu uma mulher nuinha em flor pela vez primeira. Ainda a tive em meus braços mais uma ou duas vezes. Numa dessas ocasiões, sem que eu nada lhe perguntasse, ela me confessou que saía para esses encontros não era em troca de nada, mas apenas por prazer e por amor. Não mais a revi. Mas dela me ficou a lembrança de um amor lírico, livre, sem conforto e sem colchão, sem cetim e sem espuma. Feito na terra desnuda, sob a luz das estrelas, dos vaga-lumes e entre matagais.

Como dito, todo dia eu caminhava com meus passos jovens, apressados e vigorosos na avenida, então revitalizada e ornamentada, com pedras portuguesas, elegante sistema de luminárias, com canteiros e fontes luminosas, um verdadeiro bulevar. Eu preferia seguir pelo passeio central, para mais forte sentir o frescor verdoengo das sombras das árvores e os respingos refrescantes das fontes luminosas, que então jorravam com muita força e beleza.

E jovem, emotivo e sentimental, cheio de esperança e de poesia, ao passar pelas fontes e ao vislumbrar as copas das árvores, que formavam uma exuberante alameda, eu julgava atravessar um espécie de arco triunfal do simples e puro existir, com amor e alegria, sem ambição por cargos e nem ganância por metais, porém com a mente referta de sonhos e quimeras.   

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

DA MINHA LENTE

Fonte: Google


DA MINHA LENTE


Alcione Pessoa Lima


Para escrever nunca sei qual o tema. Começo com uma palavra.  Daí, formo a primeira frase. Descubro um assunto; então, a cachola abre as portas, embora a memória deixe fugir, pela janela, lindas passagens. Desarrumo as prateleiras, converso com o tempo, vasculho o lixo das gavetas, e, sem que me dê conta, começa a viagem. Às vezes, arrasta-se por trilhos danificados, mas segue, com suas cautelas, a linha da vida, reconhecendo lugares e olhares. Por outras, segue caminhos estreitos, vielas perdidas, que findam em abismos; ou, trafego em campos e prados onde tanta abundância de excelsos valores me inibem a fala e me causam espantos, em ali ter chegado. 

Confesso que, me sentindo apenas um ponto nesse imenso universo de seres, às vezes, me faço perceber, mesmo feito vagalume, cuja luz persiste em tempo mínimo, necessário ao desfrute, embora marcante no tempo vivido.

Há borboletas sobrevoando pedras; e peçonhentos entre flores, no subterfúgio dos sonhos ou na concretude dos gestos. Algo sedimentado, imposto ou colhido, revela-se, desde o meu caminhar; ou no meu olhar, que se define como porta voz do tempo.

No espaço em que vivo, respiro. Daí, junto-me aos demais viventes, e seguimos juntos: eles me seguem e me oferecem seus cantos; eu, os delicio, mormente, enquanto subo a ladeira, em zigue-zague; de baixo, o grande obstáculo, que o supero, em gesto agradecido ao atingir o topo e aprecio a paisagem do alto; por vezes, límpida; por outras, cinzenta, encobrindo as minhas pegadas.

Citando Thich Nhat Hanh: “Quando ando atentamente sinto de maneira intensa minha ligação profunda com a terra e minha responsabilidade por ela.” Daí, não há como não lamentar a minha destruição, posto que faço parte de um lugar único, que, simplesmente, sob a vontade do homem, está sendo modificado e alterado todo o seu habitat por onde voam meus sonhos e medito sobre as turbulências do mundo. 

As diferenças nos desejos, as atitudes ostensivas, as demonstrações, senão de poder, com certeza das vaidades, não medem esforços para se sobreporem, desde que seus desideratos sejam atingidos. 

Polemiza-se o “O”, na sua forma circular, o quadrado, por que não é redondo. A razão de cada um, não se discute, embora, a lógica, por outro lado, quase sempre se faça ausente diante da conclusão que se chega: o descontrole humano! É voraz, insano, aniquilador, a ceifar liberdades, escolhas, e a sobrepor privilégios. A natureza é complexa, mas reveladora, incontestável, da existência de um Criador, e responde, embora sofra: o clima é a prova!

Há um silêncio! Ouço, apenas, rangidos de moto serras, betoneiras e a queda de árvores, muitos berçários de pássaros incautos, que reclamam, mas têm somente como defesa, a fuga eterna, até findarem, pois não haverá mais como se procriarem. 

São fatos, que não podem ficar somente no meu lamento. Diria, assim, expus a minha indignação!

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

REVELAÇÕES DA ANTIGA FAZENDA DE ESCRAVOS, OS ECOS DA ESCRAVIDÃO E O ALTIVO DESCENDENTE DOS EX-CATIVOS

 

Foto meramente ilustrativa. Fonte: Google


REVELAÇÕES DA ANTIGA FAZENDA DE ESCRAVOS, OS ECOS DA ESCRAVIDÃO E O ALTIVO DESCENDENTE DOS EX-CATIVOS


Fabrício Carvalho Amorim Leite (*)

 

Esta pequena jornada começou, quando descobri, por curiosidade e através de laudo genealógico, mas sem a pretensão de busca por nobreza sanguínea de linhagem, antigos ramos de ascendência familiar.

Um dos quais, levaram-me às velhas fazendas coloniais, outrora escravistas dos estados do Piauí e Minas Gerais, sobretudo, - como muitas outras famílias com ascendência portuguesa-.

Assim, era uma ensolarada manhã de sábado, eu, meu filho e alguns familiares fomos de carro a uma destas fazendas muito antigas, numa excursão histórica e familiar.

Percorremos cerca de 16 km de Esperantina (PI), na estrada que leva a São João do Arraial (PI) em busca da Fazenda Olho d` Água dos Negros.

O suspense, para os desbravadores de final de semana aumentou, porque, na ocasião, não havia placa indicativa para nos guiar à antiga entrada da fazenda, que é hoje chamada Fazenda Olho d` Água dos Negros, encravada numa comunidade quilombola com o mesmo nome.

Em seguida, apesar desta excitação inicial e, depois do pequeno percurso entre a estrada bruta ou “de chão batido” e o asfalto, chegamos a uma velha entrada em ruínas, com o que aparentava um velho portão carcomido.

 E, logo após, havia uma descida um tanto íngreme, com grandes pedras soltas, o que nos leva a ver, no fim da ladeira, a copa de um grande mangal centenário, buritis, velhas oliveiras e um telhado de um casarão baixo e grande.

Depois de passarmos pelas ruínas deste velho pórtico, lá no final da ladeira, como estivesse incrustada em um vão ou vale perdido, escondido por um morro e entre às frondosas e belas árvores em torno, como mangueiras, buritis, oliveiras e outras, chega-se à casa sede da antiga fazenda.

E, brindando-nos, ainda, escutamos os pássaros - como sabiás, corrupiões, pipiras, curicas - em regozijo frenético devido às azeitonas maduras e os frutos dos muitos buritis da região.

De logo, senti uma sensação estranha de que o local era familiar, sem jamais ter ido antes. Apesar disso, segui em frente com os companheiros, na aventura exploratória.

Ao chegarmos em frente à construção, ficamos um tanto como fossemos os primeiros desbravadores do local, já que, na ocasião, não havia um guia e às portas da velha fazenda estavam fechadas, por medida de segurança. O que aumentou mais ainda a curiosidade por novas descobertas. Enfim, livres para imaginar.

Observamos que na parte frontal da velha sede havia um extenso muro feito por pedras brutas cheias de um lodo verdoso, sem uniformidade, daqueles parecidos com às formações dos castelos medievais, com cerca de três ou quatro palmos de largura com um metro e pouco de altura. Pedras estas com cerca de quatro ou mais quilos de peso. Brutas mesmo. In natura.

Ao tocar o velho muro de pedras, tive um arrepio daqueles que iam até a espinha. E a sensação intrigante de que já estive ali ressurgiu.

O incrível é que, na verdade, não toquei somente em pedras, mas no passado latente e vivo, inda mais quando a mente dá asas à imaginação. E, com isso, idealizei o suor, sangue e dor dos cativos depositários das marcas indeléveis no muro de pedra.

Outra sensação estranha ocasionada por este estado mental é um certo remorso por não ter podido fazer nada a respeito, mas um pouco exagerada, admito.

Por sorte, ao escrever sobre o local, tento resgatar o nosso passado ainda recente que ecoa no presente e futuro, para que o trauma deixado não se repita.

Assim, depois de horas perambulando ao redor do local, avistamos, de longe, saindo de uma vereda da densa mata ao redor da casa, aquele senhor baixo e franzino, aparentando idade avançada, trajando roupas muito simples e de pele sofrida pelo causticante sol do Piauí, com uma cabaça e enxada no ombro, mas com os seus passos firmes e ritmados. Um típico sertanejo nordestino.

Pedimos informações. E, ele, sem titubear, disse sim. Com isso, o pequeno grupo de exploradores arregimentou um guia informal. O que gostamos.

Conversa vai, conversa vem, fomos papeando:

- O senhor mora na região? O que pode contar a respeito da Fazenda? E os escravos?

Aí, este, acendeu um velho cachimbo que estava no bolso e, como se um baú muito antigo de preciosos tesouros e informações se abrisse, deu início a conversa:

- Sou um bisneto dos antigos escravos desta que era uma grande fazenda, meu falecido pai, escutou de seus antepassados muitas histórias. Disse o senhor, em nítido tom de satisfação.

-O muro de pedra e a estrutura ao redor era maior e foi construído manualmente por meus antepassados.  Ao que dizem, de grandes pedras vindas destes morros próximos e defronte aí da casa, como vocês estão vendo. Continuou.

-E foram transportadas através de rústicas esteiras feitas de palha e madeira, a duros sacrifícios. Mas, não em lombo de animais, como imaginam, e, sim, nos braços dos escravos. Finalizou.

Depois disto, passou a descrever vários detalhes e lendas da casa grande da fazenda, como um suposto e antigo porão com armas, botica de ouro enterrada, o real tamanho original da grande propriedade (enorme), um poço mágico no quintal, dentre outras coisas incríveis que mereciam muitas e muitas entrevistas.

No entanto, à medida que falava, se aprofundava em questões mais antigas e densas do local.

Em seguida, espontaneamente, falou:

-  Mas, sinhô, o fato que tenho de dizer é que, uma vez, tive discussão com uma pessoa. Disse o velho descendente dos antigos escravos.

- Esta falava com certa rispidez em relação aos negros e escravos, o que me incomodava. E, já tinha uma certa fama a respeito destas opiniões. Disse o senhorzinho.

- No entanto, certo dia, numa conversa franca, disse-lhe uma coisa que estava há muito presa no coração e na memória...

- E o que foi? Dessa vez, perguntei.

- Certa vez, de tanto escutar tais absurdos, calmamente, disse-lhe que não podia falar mal dos escravos, pois um antigo dono de escravos engravidou escrava negra cativa da senzala que, por vez, teve uma criança pertencente e acolhida pela família dos amos. Ponderou o altivo descendente de escravos.

Para espanto de todos os pesquisadores amadores presentes, o senhorzinho revelou um episódio, até então, enterrado na história: - Ou seja, a despeito da escravidão, como sistema cruel e sectário, pelo nascimento de uma criança em comum, houve o entrançamento e união da linhagem de antigos donos da fazenda e uma escrava negra.

Por isso, a seu modo, encarou com altivez os ecos da escravidão, quem sabe, no seu processo particular de cura.

Despediu-se, com muita educação, e disse que estaria à disposição para outras perguntas, seguindo, apesar do peso da idade, de fronte erguida e passos firmes, ladeira acima...

 

(*) Advogado e escritor.   

domingo, 4 de dezembro de 2022

Seleta Piauiense - William Melo Soares

Fonte: Garça

 

ESTADO DE GARÇA

 

William Melo Soares (1953)

 

de algum lugar distante

até onde a vista alcança

margem do rio ou vazante

me deslumbro apreciando

a linha do voo brancura:

a garça rumo ao ninhal.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

Um certo Gerson Gomes Pereira




Um certo Gerson Gomes Pereira

 

Elmar Carvalho

 

1º Ato

 

O amigo e magistrado Édison Rogério Leitão Rodrigues, algum tempo atrás, me convidou para integrar o grupo de WhatsApp denominado Amigos da Sabedoria, composto por ele e pelos Promotores de Justiça Flávio Teixeira de Abreu Júnior e Gerson Gomes Pereira. Este último não era meu conhecido. A denominação do grupo é modesta e apropriada, pois indica que seus integrantes não se arvoram de ser sábios, mas tão-somente amigos da sabedoria, o que já é muita coisa, sobretudo nesta época em que tolos se metem a opinar sobre todo e qualquer assunto, muitas vezes de forma estapafúrdia, irracional e rasa.

O Edison Rogério é amante dos livros, mormente de literatura, com destaque para os de poesia e romances. É certo que o Flávio é uma pessoa antenada e interessada em arte e cultura. Sobrinho do saudoso amigo e notável poeta Cid Teixeira de Abreu. Logo no início de minha admissão ao grupo, percebi que as postagens giravam mais em torno de assuntos filosóficos e teológicos, e eram, em sua maioria, da lavra do Gerson Gomes Pereira, que iluminava certos aspectos abordados e esclarecia as dúvidas e questionamentos, que lhe eram trazidos.

Cedo percebi que Gerson não era um mero diletante, um simples leitor de almanaques e orelhas de livro. Suas postagens, embora concisas, não eram superficiais. Ao contrário, analisavam em profundida as questões que eram submetidas ao seu crivo. Suas respostas faziam remissão aos textos dos grandes filósofos e teólogos, e muitas vezes eram ilustradas através de citações literais.

Contudo, eu notava que a sua erudição e explanações não eram calcadas na vaidade e nem no prazer vazio de “vencer” um debate, uma discussão, mas em esclarecer, em transmitir conhecimentos sem jactância e sem ostentação, com didatismo, clareza e simplicidade. Para mim, as suas preleções seriam semelhantes às de um professor que desejasse fazer com que o aluno o superasse em conhecimento, e por isso mesmo se esmerasse em lhes injetar a aprendizagem da forma mais eficaz possível.

Buscou ler os escolásticos, os pais da Igreja, sobretudo Agostinho, e os grandes filósofos, de maneira especial os da antiguidade, mormente a trindade Sócrates, Platão e Aristóteles, mas colocando este num podium mais elevado. Em sua ótica, Aristóteles, considerado uma máquina de pensar, teria analisado as questões mais importantes da filosofia em todas as épocas.

Instigado pelo colega Flávio Teixeira, enfrentou assunto intrincado, labiríntico e lodoso, afeto talvez mais à aceitação pela Fé, in casu, a Graça, discorrendo em profundidade sobre esse melindroso e especulativo tema, tão abstrato e intangível quanto o tempo, do qual temos uma ideia, mas que se torna inefável, quando tentamos conceituá-lo ou discorrer sobre a sua natureza. Em suas explicações, citou os grandes teólogos, a Bíblia, mas, claro, fez uso também de suas próprias palavras, de sua inteligência, intuição e discernimento. Diria que fez tudo para convencer o Flávio, não pela satisfação de convencer alguém, mas quase como se estivesse lutando pela salvação de uma alma ou, ao menos, pela sua iluminação.

 

2º Ato

 

Gerson Gomes Pereira nasceu em 28 de fevereiro de 1976, filho de Cícero Gomes Pereira e Benedita Maria de Jesus Pereira. Pertence à estirpe Gomes (de Sobral), a que pertence uma de suas grandes admirações musicais, Belchior. Disse-me ele, em tom confessional: “Eu sou negro. Meu pai é negro. Minha bisavó era negra e escrava”.

O local da casinha de taipa de seus pais ficava a cerca de oitocentos metros atrás de onde hoje se ergue o imponente prédio do Tribunal de Justiça do Piauí, localizado na Avenida Padre Humberto Pietrogrande, 3509. Podia ser considerado uma zona rural, pois ficava dentro de uma verdadeira floresta. Ainda hoje, no entorno, pode ser visto resquício dessa mata. O proprietário do imóvel onde ficava a residência pertencia a uma ilustre família teresinense.

A mãe de Gerson vivia da agricultura e seu pai de pesca, exercida no rio Poti, que passava a um quilômetro desse local. Além de Gerson, o casal teve mais nove filhos, um dos quais sofria de doença mental grave. Não bastasse essa situação de extrema penúria, a fatalidade entregou aos cuidados de seus pais mais quatro garotos, sobrinhos do casal, em virtude da morte prematura de seus pais. Segundo a expressão do próprio Gerson, a família trabalhava para comer e comia para trabalhar. Em sua descrição, a “casa era um grande vão com uma travessa à espera de mais uma rede”.

Aos dez anos de idade, a água que ele bebia era tirada de uma cacimba e esfriada em um pote, de onde era retirada com o coco (uma espécie de caneca de alumínio com uma alça do mesmo material). Só recebia informações por um rádio de pilha, quando havia pilhas com carga. A partir dos seus seis meses de vida (e até os quatro anos), tinha de ser levado para a Casa Mater, porquanto fora vítima de severas queimaduras, cujas cicatrizes ainda hoje podem ser vistas. Com esse incêndio da casa, que o vitimou em tenra idade, as poucas coisas que a família tinha minguaram mais ainda. Aos seis anos, tinha de enfrentar seis quilômetros (ou 12, considerando a volta) para chegar ao colégio mais próximo, localizado na Avenida Higino Cunha. Parte desse percurso ele o fazia por cima da estrada de ferro. Passava sobre a estreita ponte, que fica paralela à ponte Wall Ferraz, sempre atento ao ruído da locomotiva, cujo encontro lhe poderia ser fatal. Caso avistasse o trem ou lhe ouvisse o barulho, teria que correr para o salva-vidas mais próximo, sob pena de morrer.

Neste ponto, desejo transcrever o que ele próprio me revelou através de WhatsApp: “Em minha casa fazíamos o revezamento de farda escolar e de conga (tênis). Eu, mais novo, tinha de completar o pé na conga com papel. Para minha mãe, era dureza arrumar dinheiro para comprar o bolso com o brasão do Estado, condição para entrar no colégio. // Certa vez, depois de meses aguardando um passeio, aos 7 anos, fui barrado na entrada do ônibus para a fábrica da Coca-Cola, porque minha camisa não tinha o brasão”. Esse relato é pungente, nos causa comoção, e relutei sobre se devia transcrevê-lo nesta crônica, mas entendi que era necessário para mostrar o caráter do Gerson, que é um perfeito contraste com o de muitos representantes das chamadas “geração Nutella” e “geração Tik Tok”. Gostava de ler, mas só podia fazê-lo quando encontrava revista no lixo dos apartamentos, que ficavam na proximidade de sua escola.

Em sua adolescência seus pais foram expulsos do local onde moravam, o que trouxe ainda maiores dificuldades à família, que vivia de roça e pesca.  Passo-lhe a palavra: “Passamos muitas necessidades. Meu pai teve que tentar a vida fora, na construção civil. Os irmãos mais velhos também correram o mundo. As irmãs adotivas tiveram que buscar casas de família para morar e trabalhar”. Gerson continuou trabalhando na referida loja de material de construção. Precoce e inteligente, por essa época chegou a lecionar para jovens que buscavam se preparar para concurso de sargento ou de cadete das Forças Armadas, numa sala de aula improvisada. Esse mister magisterial durou dos 13 aos 18 anos.

Aos 11 anos, começou a trabalhar numa loja de material de construção, de nome Start, localizada na Avenida Nossa Senhora de Fátima, perto do balão da Universidade Federal do Piauí, onde hoje funciona a Drogasil, o que é uma distância muito grande para ser percorrida por um menino, em sua bicicleta. No final do expediente tinha de retornar imediatamente, porquanto, nessa época, estudava na escola da Fundação Bradesco, que não admitia atraso. Sequer tinha tempo para tomar banho. Cursava Administração de Empresas, ensino técnico de nível médio. Esse curso lhe possibilitou ingressar como estagiário no Banco do Nordeste do Brasil, que, segundo ele  próprio, lhe foi um divisor de água, uma vez que passou a conhecer outros ambientes, outras pessoas e a ter outras perspectivas de vida. Não lhe sendo o dinheiro do estágio suficiente para pagar um cursinho de pré-vestibular, usou a sua remuneração para comprar livros, que lhe possibilitaram passar no vestibular para Direito, quando sua vida começou a mudar para melhor.

Todas essas dificuldades e percalços, que ele teve de enfrentar e vencer, certamente contribuíram para lhe moldar a personalidade. Sem dúvida poderia ter se tornado uma pessoa revoltada, amarga, cheia de recalques e traumas, a queixar-se da vida e de suas circunstâncias, porém isso não aconteceu. Ao contrário, é um cidadão amável, cordato, amante do bem, do bom e do belo, além das artes e da cultura, sobretudo literatura e música, ele próprio sendo violonista e poeta.

Em resumo, é um perfeito exemplo de superação, para usarmos um chavão da moda.

 

3º Ato

 

Em sua gradativa ascensão, sem firulas e sem guinadas súbitas e vertiginosas, ocupou os cargos de empregado de loja de material de construção (aos 11 anos), estagiário do BnB, policial civil, consultor jurídico de gabinete de desembargador (cargo em comissão), Procurador Federal e Promotor de Justiça.

Dos 13 aos 18 anos, em sala de aula improvisada, ministrou aulas preparatórias para concurso de admissão a cursos de sargento das Forças Armadas. Depois, foi professor de matemática financeira no           SENAC, bem como exerceu o magistério na Universidade Estadual do Piauí e em cursos preparatórios do CEV para concursos da magistratura, do ministério público e de procuradorias.

Como consultor jurídico, serviu no gabinete do Des. Nildomar da Silveira Soares, onde colheu importantes experiências jurídicas e de vida, vindo a se tornar um grande amigo do desembargador. Com o seu jeito afável e acolhedor, sempre lhano e simpático, despojado que o era de empáfia, Nildomar tinha uma postura (quase) paternal para com os seus subordinados. Mesmo após deixar o seu cargo, continuava se comunicando com o ex-chefe, principalmente por WhatsApp. Teve o ensejo de lhe enviar a seguinte mensagem de estímulo e conforto: “Não tenho dúvida de que o amigo e mestre chegou ao topo. Vê as coisas do alto. (...) Agora, certamente, tem meu amigo mais a ensinar do que antes. Já não tem tempo a perder”. Fui colega do Des. Nildomar na Academia Piauiense de Letras por vários anos, e sempre lhe admirei o trato cordial, que nos últimos anos mais parecia se aprimorar, como se ele estivesse em busca da santidade, talvez pressentindo que o termo de seus dias já se avizinhasse.

Do Des. Nildomar recebeu alguns livros de sua estima, quando ele se aposentou. Viu em sua estante a coleção monumental de 14 volumes do Tratado das Constituições Brasileiras, da lavra do jurista, poeta, historiador e romancista Cláudio Pacheco, natural de Campo Maior e membro da APL. Sendo Cláudio meu conterrâneo, fiquei orgulhoso quando o jurista Gerson Gomes Pereira me disse considerar essa obra do mesmo nível da do consagrado constitucionalista Pontes de Miranda.

No exercício de seu cargo de Procurador Federal em Brasília, graças a seu zelo profissional e preparo jurídico, Gerson foi convidado por um ministro do Supremo Tribunal Federal a integrar sua assessoria jurídica. Todavia declinou desse envaidecedor convite. Sua meta era retornar ao Piauí, para melhor prestar assistência a seus velhos pais. Para esse desiderato, fez concurso para ingressar no Ministério Público Estadual.

Seguindo as pegadas de seu passado e de seu destino, comprou um imóvel de seis hectares, no mesmo local onde se erguera outrora a casinha de seus pais, em que ainda remanescia fortes vestígios da floresta que ali vicejara. Construiu uma bela e grande casa, com espaços esportivos, inclusive um campo de futebol. Nesse imóvel plantou frondosas árvores frutíferas, um verdadeiro pomar, e conserva parte da floresta nativa. Casou e tem uma filha. Portanto, seguiu a boa recomendação do adágio: plantou árvores, tem descendência e escreveu um livro, titulado Curso de Formação para Procuradores Federais (Brasília, 2005).    

 

Epílogo

 

Por mensagem whatsappiana o magistrado Édison Rogério me convidou a participar de um jantar na casa do nosso bravo Gerson, com a presença apenas de membros do grupo Amigos da Sabedoria e familiares. Na sexta-feira passada, por volta das 19:30 horas, chegamos à residência do anfitrião, que já estava à nossa espera. Logo vi que ele era um tipo acolhedor e cordial, e constatei que sua voz era mansa e macia, sem nenhuma aspereza, como a denotar paciência e tranquilidade, circunstância que confirmou o que eu havia percebido através de seus poucos áudios postados no grupo. Na grande sala havia um violão e uma bateria, que pareciam indicar que ele não só era um amigo da sabedoria, mas também um devoto da musa Euterpe.

Ao entrar, vi uns aparelhos de ginástica, e como havia visto o bem-cuidado campo de futebol, não me contive e perguntei se o Gerson fazia jus ao nome que tinha; ou seja, se ele tinha as mesmas características pebolísticas do grande Gerson da Seleção Brasileira de 1970. O colega Édison foi logo se apressando em responder que sim; que o nosso anfitrião tinha as mesmas habilidades técnicas do seu xará. Não posso dizer que acreditei in totum, mas me esforcei para lhe dar algum crédito. Depois, fiquei sabendo que ele tem mesmo habilidade com a pelota. Melhor assim. In dubio, pro amigo.

Além das iguarias oferecidas pelos donos da casa, o Édison fez questão de levar um queijo da Canastra, oriundo das alterosas, que a princípio me pareceu duro como uma tábua. Contudo, depois de devidamente partido em pequenos pedaços, já não tinha essa dureza aparente. O certo é que degustamos um bom vinho e tivemos um “repertório” de iguarias, farto e variado.

Por um grande esforço pessoal, através de demoradas e profundas leituras, Gerson adquiriu um vasto conhecimento dos principais filósofos, sobretudo dos três grandes mestres da antiguidade clássica – Sócrates, Platão e Aristóteles – em cujo pedestal mais alto coloca este último. Portanto, posso afirmar que ele adquiriu esse amplo saber filosófico e teológico como autodidata, graças às suas persistentes leituras e inteligência arguta. Nele se conjugaram muito bem o esforço e a inteligência; não um esforço espartano, extenuante, mas prazeroso, agradável.

Fizemos parte dessa festa gastronômica e intelectual Gerson e sua esposa Nilcimaria, maranhense, natural de Fortaleza dos Nogueira, onde soube existirem belas e aprazíveis cachoeiras; o Juiz de Direito Édison Rogério e Vanda; o Promotor de Justiça Flávio Teixeira, velho conhecido, e sua consorte Leda, e este escriba, transformado em escrivão do festim.

O Édison, em mensagem recente, comparou esse evento ao que foi relatado no livro O Banquete, de Platão, que teria sido algo semelhante ao que vivenciamos na casa de Gerson.

Conversamos sobre temas diversos, tais como jurídicos, políticos, culturais, literários e artísticos. Em certos instantes a discussão se tornou acirrada, mas sempre de forma amigável. Para que o nosso se tornasse ainda mais semelhante ao banquete de Platão, poemas foram recitados e temas filosóficos debatidos.

Em determinado momento, o mestre Gerson, teólogo e filósofo por conta própria, nos fez ouvir uma música pouco conhecida de Raul Seixas, sobre a qual discorreu com proficiência e de forma elucidativa. Admirador de Belchior desde os 13 anos de idade, nos fez ouvir uma melodia desse notável pintor, cantor e compositor, que na realidade era um erudito e poeta, desde bem moço, quando ainda era aluno de seminário católico. Interpretou ambas as músicas com pertinência, percepção e argúcia, esclarecendo as metáforas e eventuais frases sibilinas, sobretudo no que as letras tinham de filosóficas e existenciais.

Após essa agradável e prazerosa noite, creio poder dizer, sem estar mistificando, que eu também participei de um extemporâneo Banquete de Platão.    

quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Denodado idealista



Denodado idealista


Carlos Rubem 


Quando ingressei na Faculdade de Direito do Ceará, em 1978, travei amizade com muita gente. Entre os colegas da turma, pontificava o Francisco Meton Marques de Lima, natural de Coreaú-CE. Filho de pobres agricultores. Fez seus estudos sempre em escolas públicas.


Baixote, franzino, infatigável “causeur”. Debatia assuntos jurídicos com muita proficiência. Espargia conhecimento com segurança argumentativa. Muito humilde, sereno.


Ao concluirmos o curso universitário, em 1981, tomamos diferentes rumos na vida. Assentei banca advocatícia na minha terra, Oeiras. À época, ele já trabalhava no BEC - Banco do Estado do Ceará.


Somente em 1989, reencontrei-o, numa radiosa manhã de domingo, no Parque Zoobotânico de Teresina. Disse-me que se tornara Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho da nossa Capital. Por esta época, eu já havia assumido o meu múnus ministerial.


Tomei conhecimento da sua árdua luta visando a criação do 22° Tribunal Regional do Trabalho do Piauí, o que se efetivou em 1991. Moveu céus e terra para atingir este desiderato. Arrostou muita dificuldade, incompreensão. 


Instalado o Tribunal em apreço, no dia 08.12.1992, sofreu sabotagem, ingratidão de seus pares sobre a direção da Corte. Nota desagradável!


Vida que segue. Ao assumir pela vez primeira a presidência daquele colegiado (1998 - 2000), uma abelhinha veio me dizer que estavam acontecendo discussões objetivando a criação das seguintes Varas do Trabalho: Picos, Floriano, Barras, Piripiri e Corrente.


Não me conformei. Fui parlamentar com o Dr. Meton. Defendi a inclusão de Oeiras naquele rol. Apresentei convivente justificativa. 


Arguto e sincero, asseverou-me que havia sido ultimado o estudo técnico concernente àquela expansão. 


Porém, resoluto, garantiu-me que iria mandar refazer tudo para contemplar o justo pleito por mim articulado em homenagem ao valor intrínseco da Velhacap.


Nesta toada, foi editada a Lei nº 10.770, de 21 de novembro de 2003, que dispõe sobre a criação das aludidas Varas do Trabalho.


Hoje à tarde (29.11.2022), recebi, pelos Correios, um exemplar do livro “40 ANOS DE MAGISTRATURA (1982/2022) - 35 DE MAGUSTÉRIO SUPERIOR (1987/2022), de sua autoria, com amável dedicatória, a saber: “Ao estimado colega de Turma da Casa de Clóvis Bevilácqua, com a minha mais elevada admiração e estima, o Dr. Carlos Rubem Campos Reis. - Teresina, 20 de novembro de 2022 - Meton Marques.


Li esta obra de um só fôlego. Belo, inspirado e inspirador relato. Tudo vazado de forma objetiva, marcado pela simplicidade. Nada de purpurina! Características dos grandes e verdadeiros homens de ação.


Arremata dizendo: “Conquanto pareça debalde o embate, nunca será em vão o combate”.