quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

DIÁRIO INCONTÍNUO



15 de dezembro

O DESTINO E A RELATIVIDADE

Elmar Carvalho


No ardor e na bisonhice de meu final de adolescência, no segundo semestre de 1975, fui, algumas vezes, com meu pai a reuniões no salão paroquial da igreja de Fátima, perto do chamado arsenal, antiga sede da Polícia Militar em Parnaíba. Seguíamos a pé, do apartamento dos Correios, onde morávamos, na Praça da Graça, até o local das reuniões. Nessa época, ainda me afirmando, eu gostava de debates e discussões intelectuais. Por duas ou três vezes, com a mediação de um dos padres redentoristas, entrei em calorosa discussão com o senhor João Batista Costa, funcionário aposentado dos Correios e vice-prefeito de Parnaíba, na gestão Elias Ximenes do Prado. Era ele colega e amigo de meu pai.

Ele esposava o entendimento de que existia destino, no sentido de que o homem já vinha com a trajetória de sua vida previamente traçada por Deus. Eu tinha o entendimento diametralmente oposto, e argumentava com ênfase muito incisiva que se não fosse assim a Justiça divina não existiria, ou, ao menos, não poderia existir o pecado. Ora, argumentava eu, se uma pessoa trazia o destino de cometer pecado, como, por exemplo, matar alguém, essa culpa não lhe poderia caber, já que ela nasceu com essa determinação do destino, da qual não poderia fugir, pois seria algo semelhante ao maktub dos árabes, cujo vocábulo pode ser traduzido por “já estava escrito”. Por outro lado, a virtude também não poderia existir, porquanto se um ser humano veio ao mundo predestinado a ser bom, a fazer caridade, nenhum mérito lhe caberia, uma vez que nascera “programado” para fazer o bem, para ser virtuoso. Logo, não poderia existir o destino. E se este existe, no sentido de predestinação, não pode existir o livre arbítrio.

Numa dessas vezes, quando a reunião terminara, procurei conversar com um dos padres, procurando sondar sua opinião e ao mesmo descobrir se ele tinha o mesmo pensamento meu, ou se também era adepto de que existiria o chamado destino humano. Ele deu uma resposta sibilina, enigmática, que eu interpretei como se ele estivesse se equilibrando em cima de um muro, ou tateando nas trevas de dúvidas e indecisões. O certo é que eu não o compreendi completamente. Hoje, passadas mais de três décadas e meia, penso que ele tinha uma postura mista, em que o destino não era totalmente descartado, como uma possibilidade, ainda que parcial ou que pudesse sofrer modificação ou interferência humana.

Com a maturidade, já começando a descambar para a chamada terceira idade, verifico que nunca um homem tem controle total sobre sua vida; que todos dependem de certas circunstâncias e acontecimentos, que lhe podem ou não ser favoráveis; que a vida de um homem, a começar pelo seu nascimento, é cheia de tempos e contratempos, de percalços, de acidentes de percurso, de fatos fortuitos ou aleatórios, de acontecimentos que não poderíamos prever, de acontecimentos que independem de nossa vontade ou poder decisório.

Vou mesmo além: se o óvulo de sua mãe tivesse sido fecundado por um outro espermatozóide, entre os milhões que disputavam a maratona em busca do único óvulo disponível, um homem seria outro homem. Por outras palavras, os acontecimentos se vão sucedendo, e nós vamos indo, às vezes de roldão, influenciando e sofrendo influência, tentando impor as nossas vontades, os nossos desejos. Em suma, tentando exercer influência. Em muitos casos, temos poder decisório, mas esse mesmo limitado pelas leis, pelos fatos, pelas convenções sociais, pela nossa personalidade, que por sua vez foi moldada pela herança genética, pela educação, pela experiência de vida, pela inteligência, e assim por diante.

Para não me alongar, parece que nada é absoluto neste mundo. A relatividade parece ser uma certeza, ou, ao menos, uma certeza relativa. Na mecânica quântica existe o princípio da incerteza; quanto mais um ponto é determinado, mais a velocidade se torna imprecisa. Por outro lado, cada vez são descobertos mais mistérios no mundo do infinitamente pequeno, como certas subpartículas de comportamento bizarro. Dizem que algumas parecem ora se comportar como ondas, ora como matéria.

Até a ideia de Einstein de que nada poderia suplantar a velocidade da luz parece estar sendo superada, pois o neutrino, uma subpartícula atômica, que não se detém ante nada, como se fosse um espírito, um ser (quase) imaterial, seria mais veloz que a luz. Agora mesmo, os cientistas estão a rastrear o chamado bóson de Higgs, apelidado de partícula de Deus, do qual parecem vislumbrar tênues indícios, ainda não totalmente comprovados. Em síntese: existem muitas incertezas e muitas coisas e acontecimentos sobre os quais não temos nenhum controle.

Diante de tudo isso que acabo de expor e ante as descobertas em torno do código genético (DNA), faço uma pequena revisão em minha crença de que o destino, no sentido de predestinação, não existiria. Ao que parece, algumas heranças genéticas parecem influenciar o comportamento do ser humano. Nesse aspecto, algumas pessoas poderiam ter predisposição para adotarem certos comportamentos, certas atitudes. Se isso for realmente confirmado, alguns crimes e pecados poderiam ser cometidos por causa do tipo de DNA do portador? E se isso for verdade, qual o grau de culpabilidade da pessoa, até que ponto ela seria responsável pelo seu pecado ou crime? De qualquer maneira, isso não elide o fato de que a sociedade tem necessidade de se defender dos criminosos e violentos, sejam eles sanos ou insanos, psicopatas ou não.

Outro dia, ouvindo meu pendrive, que tem mais de mil músicas, que fui selecionando ao longo de várias décadas, através de discos de vinil, de CDs, de mp3, da internet, etc, e que uso sempre no modo de seleção aleatória, ou seja, através do programa que faz uma espécie de “sorteio” das músicas, pensei na vida e no destino. Quando, por algum motivo, eu não estava disposto a ouvir a faixa “sorteada”, eu apertava o botão que provocava nova escolha aleatória. Quer dizer, eu tinha o poder de elidir, naquele momento, aquela determinada canção, entretanto eu não tinha o poder de escolher que música viria a seguir.

A vida, fazendo uma analogia, permite que descartemos algumas “músicas”, mas parece não nos dar muito poder de decisão sobre o que nos reserva o futuro, pois todos influenciamos e somos influenciados, numa tremenda interação, em que todos decidem algumas coisas, no varejo, e são destinatários, no atacado, de decisões alheias, coletivas ou individuais. Ortega y Gasset disse que “eu sou eu e minhas circunstâncias”. Sem dúvida. De acordo. Entretanto, com certeza, em muitas ocasiões, ele não foi o artífice de suas próprias circunstâncias. Como diz minha mãe, nós não sabemos sequer de que modo iremos morrer. Por isso mesmo, os humildes e precavidos, rezam para ter uma morte.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

QUATRO POETAS DO PIAUÍ


PARA ILUDIR O CORAÇÃO

Da Costa e Silva

Como me enleva e quanto me impressiona
Conservar sempre nítido comigo
O teu perfil judaico de Madona
Na iluminura de um missal antigo!

A saudade, que nunca me abandona,
(Oh! sombra de minha'alma, eu te bendigo!),
Ficando a tua imagem se fez dona
Do pensamento em que te dei abrigo...

Para iludir o coração que pena,
No espelho móvel da memória trago
Teu vulto amado, na expressão serena...

E iluminas meu ser, num sonho vago,
Como estrela a abrir-se em luz serena
Sobre a quietude límpida de um lago...

Extraído de LB – Revista da Literatura Brasileira, nº 6

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Ter livros em casa ou não tê-los: eis o dilema

Foto meramente ilustrativa


CUNHA E SILVA FILHO

Não são boas as notícias sobre o destino dos livros que possuímos. Algumas delas falam em brigas de casal por causa de excesso de livros num dos cômodos, ou nas dependências de empregada, já que estas estão sumidas do poder econômico da classe média ou média baixa ou sei lá em que se transformou a designação da pirâmide social, hoje preferindo rotulações que me soam um tanto cabalísticas ou mesmo esotéricas: classes a, b, c, d, e ... Nunca vi país mais chegado à virtual divisão de estratos sociais quanto o nosso. Mas, leitor, esse não é bem o ponto central desta crônica. O que quero pôr em discussão, ou senão em forma de monólogo, ou no mínimo num incerto diálogo, é o destino, triste sina, dos livros de que dispomos em nosso “Home, home, sweet home”, ou no “My home is my castle,” como preferem os ingleses muito inclinados aos jardins tão bem cuidados e de fazer inveja.
Sei de um amigo que já em parte se separou dos seus amados volumes adquiridos em tantos anos de leitor compulsivo; sei de outro que está destinando parte de sua biblioteca a uma biblioteca pública; sei de outro que, aos poucos, está doando livros que já foram lidos e, muitas vezes, relidos. Sei de outros que andam também com a mesma ideia de ter que se separar de seus bem-queridos livros adquiridos em longos anos em volumes que chegaram a compor uma modesta biblioteca privada.
Uma vez, estava numa velha livraria de sebo quando um senhor magrinho, baixinho, chegou-se até ao livreiro e lhe perguntou se queria comprar algumas coleções inteiras de grandes autores da literatura universal. Este mesmo senhor, dirigindo-se também a mim, perguntou se eu também queria comprar-lhe alguns volumes e foi direto me passando, numa espécie de cartão de visita, o endereço e o telefone. Guardei o cartão por algum tempo, contudo, não sei como, terminei perdendo o cartão e a possibilidade de ir procurar aquele senhor magrinho com cara de leitor voraz.
Dessa experiência com notícias sobre descarte de livros, aprendi uma lição: a pessoa que consegue ter uma média ou grande biblioteca, em determinada época do balanço da vida, resolve livrar-se dos próprios livros. As razões são múltiplas e, muitas vezes, inconfessáveis: tédio da vida, sentimento de quem acha que morte está se aproximando com o peso dos anos, tirar algum ganho por necessidade num tempo em que a aposentadoria ficou corroída com os anos, certeza de que não terá mais tempo e paciência para reler aquela montanha de livros, motivo de mudança de uma casa para um apartamento ou para uma casa menor, onde não haverá espaço suficiente para caber tantos livros.
No meu caso, me situo numa experiência diferente e talvez única. Muitos livros que tinha, assim como coleções de jornais, de revistas de material, de anotações, ou melhor arquivos com centenas de folhas, livros didáticos que gostaria de ter comigo para sempre, com tantas mudanças que fiz, foram se perdendo para enorme tristeza minha. Se existe algo que me entristece é perder um livro de que gosto. Uma vez – se é que não estou me repetindo -, fiz uma crônica, dolorosa crônica lamentando a perda de um livro. O mesmo vale para coleções de suplementos literários, como os do JB, do Globo, da Folha de São Paulo, da coleção de revistas do Piauí, da coleção do Jornal de Letras dos irmãos Condé, da revista Forum, excelente publicação americana para professores de inglês, da coleção da revista Contato, da Cesgranrio, da coleção Plain Truth, nos áureos tempos do Pastor americano Armstrong, que lia a fim de melhorar meu inglês, de obras de autores piauienses, da coleção de artigos de meu pai publicados durante décadas em alguns jornais do Piauí, de coleção de artigos meus antigos remontando a 1963, muitos exemplares dos quais perdi pela vida afora.
O fato é que fui perdendo muitos livros, mas, aos poucos, sentindo as dores em doses menores, porque o mais lamentável é perder todos os livros de um só vez, assim como é profunda a dor de perder os originais de um livro que nos deu tanto trabalho, canseira - e por que não! – alegria de escrever. Uma vez, o contista João Antônio (1937-1996), tendo escrito Malagueta, Perus e Bacanaço (Civilização Brasileira, 1963), considerada sua obra-prima, teve a desdita de perder os originais que foram queimados em um incêndio. O pobre e talentoso contista teve que reescrevê-lo todinho, aproveitando o espaço de um biblioteca em São Paulo. Foi um milagre o havê-lo reescrito. Como, pergunto eu, teria sido mesmo a primeira versão? Não é possível que a recomposição tenha sido cem por cento a mesma. Já me aconteceu de haver escrito um texto longo no computador e, de repente, or deslize meu de não o ter salvo, perdê-lo, sendo forçado a refazê-lo de forma diferente e, a meu ver, inferior, à versão primeira.
Para quem ama na verdade os livros, separar-se deles é uma tormento, uma realidade que passa a ser angustiante, sentimento de desvalia, de carência, de desgosto, de abandono. A vida é mesmo cheia de perdas constantes. Os livros são como pessoas queridas, animais domésticos que estimamos e tratamos como se fossem um ser humano. Ao perdermos livros, perdemos parte de nosso universo afetivo, o que nos deixa num vazio inconsolável, sobretudo quando decididamente sabemos que não mais voltarão para nós.
Assim, venho me desfazendo, por mera falta de espaço, de alguns velhos livros, companheiros que me têm acompanhado por longos anos. Invejo, pois, aqueles que têm à disposição um lugar separado em que possam ser guardados a salvo do descarte. Sei que sou mesquinho quando não pretendo me desfazer de algumas obras que foram compradas com sacrifício, que foram encontradas por sorte em sebos. Triste e sombria cena presenciarmos o desmonte de uma vetusta biblioteca, cujos volumes vão parar numa lixeira, enxotados que foram por herdeiros que não amam os livros e nem se interessam por determinada área do conhecimento artístico, literário, científico.
Sabemos igualmente que não lemos todos os livros que temos conosco. Todavia, eles estão lá nas prateleiras, ao nosso alcance, para qualquer dia ser objeto de nossa leitura. Muita gente pensa que quem tem uma grande biblioteca leu todos os volumes ali contidos. Já ouvi alguém afirmar que o prazer do bibliófilo é possuir seus livros, pouco lhe importa se não ler todos eles. Cada livro tem o seu momento de leitura. Poderá ser hoje, amanhã, daqui a anos. O deleite é tê-los lá nas inúmeras estantes, prontos para serem buscados, escolhidos, lidos e admirados.
Os livros, na biblioteca, explicam gostos e preferências de seus donos. São pistas indicativas da formação de um indivíduo. Em silêncio, dizem muito de quem os coleciona. Da mesma forma, os livros iluminam aspectos da biografia de seus donos. Por isso, é tão traumático para alguém ter que se separar de seus livros. Ninguém, em sã consciência, estimaria perder um único livro de seu acervo particular. Se isso acontece é porque alguma coisa anda errada entre os moradores de uma casa, ou apartamento, onde existe uma biblioteca. A angústia do possuidor de uma biblioteca é a incerteza que nele paira sobre o destino que terão seus livros quando não mais estiver entre os mortais.
Enquanto puder, leitor, preserve os seus livros, lendo-os, amando-os, cuidando bem deles, e, quando não mais o puder, doe-os ou venda-os a quem deles precisa, seja uma pessoa física, seja um instituição privada ou publica. Se possível, faça um testamento expressando claramente a quem destinará seus livros, com quem ficará ou o que será feito deles na forma legal. Que, enfim, seus livros, sua biblioteca tenham um tratamento à altura de sua importância para a cultura do saber democraticamente divulgado e compartilhado. Só assim a angústia dos bibliófilos talvez fique mais aplacada ante a dor da separação.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

ODE À VIDA!

CARLOS COSTA
Escritor amazonense

Quando a vida lhe parecer pesada demais para ser transportada às costas; transporte-a e viva-a!
Quando a vida lhe parecer cansada demais, pesada demais, para ser vivida; viva-a!
Quando a vida lhe parecer chata demais, cansada demais, pesada demais para continuar vivendo; viva!
Quando a vida lhe for alcançada pela solidão, o desespero, a amargura e a insegurança lhe afligir e, junto, lhe vierem o cansaço e o peso; viva-a mesmo assim, porque sua vida é bela!
Quanto tudo lhe parecer difícil, torne fácil e viva intensamente!
Quando o desespero lhe bater à porta, não atenda. Mande alguém dizer que você saiu, não está em casa. Invente uma mentira qualquer, mas não o atenda. Uma mentirinha boba dessas não lhe levará para o inferno.
Se tudo lhe parecer desabando, reconstrua com os cacos que lhe restaram e faça com que novamente a vida se torne bela e adorável para ser vivida! Una todos os pedaços de sua vida, tijolo por tijolo, caco por caco e ponha-se de pé mais uma vez! A vida é sempre bela!
Só deixe de viver quando parar de respirar. Aí terá a certeza que todos seus órgãos vitais pararam mas, se puder, tente pela última vez mais um fôlego, mais uma respirada para sentir pela última vez o perfume da rosa sempre bela e desprezada. Com tudo isso, essa garra, essa certeza, lhe terá valido a pena viver!
Acordar pela manhã e poder respirar o ar fresco da noite, e sentir o vento lhe beijando o rosto, saiba:  é uma dádiva de DEUS e ninguém poderá lhe roubar isso, nunca!
Arme-se com as armas da vida e transforme tudo em uma batalha para viver sempre mais e intensamente. Essa é a única razão porque estamos no mundo e devemos agradecer sempre a essa razão!
Viva de forma intensa, mas com responsabilidade. A todos é dado o direito à ignorância. Mas a ninguém é dado usar da igorância para prejudicar aos outros.

domingo, 11 de dezembro de 2011

FOCO (*)



Luiz Ayrton

enxergo melhor você pelos gestos
a posição dos dedos
a velocidade do respiro
a ericidade dos pelos

enxergo você
pelo cabelo assanhado
o cruzar da sala de estar
de seu caminhado

quase sempre não preciso
virar o rosto
abrir os olhos
limpar os óculos
para entender os seus recados

enxergo melhor você
no espreguiçar das pernas
no balançar dos braços
o punho levantado

pouco importa que me puxe pelo queixo...
o gesto é o espelho dos segredos

(*) O poema faz parte do livro Objeto Presença, do médico e professor universitário Luiz Ayrton, a ser lançado em janeiro próximo.

DIÁRIO INCONTÍNUO

Foto meramente ilustrativa


11 de dezembro

UM CASO DE PISTOLAGEM

Elmar Carvalho

Outro dia, enquanto esperava a conclusão de um serviço de confecção de capas para os bancos de meu carro, ouvi na oficina uma história, dada como verídica, que mais parecia um conto policial. Inicialmente, pensei em exagerá-la, dar-lhe alguns “enfeites”, acrescentar-lhe alguns diálogos e entrechos, e transformá-la numa narrativa ficcional. Porém, pensando mais, preferi contá-la neste diário, tal como a retive em minha memória, sem nada além do que me foi narrado.


Certo rapaz, cujo nome não foi revelado, alugou uma casa, em certo conjunto residencial de Teresina. Tinha todo o conforto na residência – geladeira, aparelho de som, televisor, ar condicionado, poltronas, etc. Dizia ser sustentado pelo pai, suposto fazendeiro maranhense. Quando uma moça da vizinhança foi comemorar um aniversário, ele patrocinou o churrasco e as cervejas. Quando essa mesma moça teve um celular roubado, ele, não se sabe com que artes mágicas, conseguiu encontrar o aparelho e lhe devolver. Embora ninguém lhe conhecesse os parentes, amigos e procedência, tornou-se querido, conquanto nunca ninguém lhe tenha adentrado a casa, que nunca era aberta para visitas.

Um ou dois meses depois de ele se instalar nessa casa, um jovem delinquente apareceu morto, vítima de dois ou três balaços. Suspeitava-se, pelo menos corriam rumores a esse respeito, de que esse rapaz, anos antes, matara um fazendeiro maranhense, atendendo “encomenda”. Como vingança, a família do proprietário assassinado supostamente teria contratado um pistoleiro de aluguel, que seria o prestativo e educado vizinho referido nos parágrafos acima. Suspeitaram fosse ele o executor do homicídio porque logo após a notícia do assassinato do jovem delinquente esse bom e solícito vizinho sumiu, sem deixar o menor rastro ou notícia, deixando todos os móveis e eletrodomésticos na casa.

Dele ficou a lembrança de um rapaz simpático e atencioso com os vizinhos, e essa insidiosa suspeita pairando no ar. Contudo, é legítimo supor que ele não tenha cometido nenhum crime, e qualquer dia reapareça, ou que tenha cometido outro tipo de crime, que não o assassinato de um pistoleiro de aluguel. Afinal, para cometer o último crime talvez não precisasse passar mais de dois meses em uma casa mobiliada por ele. O aluguel, a compra dos móveis e aparelhos, bem como a relação com os vizinhos sempre deixariam rastros.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O MURO DA MINHA ESCOLA


JOÃO PINTO
Cronista e contista


Todo dia que acordo, acordo meio sobressaltado por não estabelecer boa maneira com a minha aula. E aula, com certeza, é um núcleo que pode ser esmiuçado em muro, portão, mesa do professor ou carteiras, meus cacarecos pedagógicos, assoalho dos pés, paredes e, finalmente, aluno. Tudo isso minha aula, que não posso te dar o endereço porque se encontra em cada esquina.

Cada parte desse mundo me deixa com amargura. E não sei de onde me vem esse vazio existencial, que vem sendo constante quando vou à escola. Não sei mais conviver com esses elementos da escola, todos são comuns e me passam uma triste sina de coisa velha numa paisagem sem vida, que não mudam nem se renovam. Há muita liberdade e pouco sucesso. E nada de atípico aparece para me devolver a paz. Se eu encontrasse uma escola que tivesse esses mesmos elementos mas dentro de uma paisagem diferente, poderia com certeza conviver, manter diálogo renovado, mas o cérebro de quem fez e gerencia a minha escola por bem não é de gente que se fascina pelos livros. Dentro deles não há criança, há velhos rabugentos que o tempo nunca vai escrever na história.

O muro da minha escola não tem fachada que me agrade, seu corpo é doentio e precisa de reparos, o portão que lhe faz brecha é desbotado e abocanhado de ferrugem. Assim tudo se parece com tragédia. A sala dos professores precipita meus passos para fora, o bebedouro é outra lástima e a merenda me ajuda com esses quilinhos a mais, o banheiro é flex. As salas dos alunos representam uma corrida, quanto à escrita, para quem se saia melhor como pichador ou analfabeto da escrita, agora imagine o banheiro estudantil, essa parte monumental da escola que o aluno encontra para explodir bombas de festim nos vasos e criar sua linguagem anárquica em meio a urina e torneiras quebradas e vasos entupidos, de qualquer forma as meninas ali se pintam e os garotos mijam fora.

Quando toca a campa ao iniciar as aulas, meus passos seguem um corredor longínquo que não acaba mais. Eu o atravesso camuflado com meu tênis surrado, o meu material dissipado no lado esquerdo e os óculos que arribo de vez em quando para o topo do nariz. Cá comigo, penso, contabilizo 40 tempos semanais, por eles contabilizo o cansaço e esse medo que tenho de ambientes carcomidos, o tempo aqui é cheio como era ao tempo dos escravos nas senzalas. Tudo tem um preço na escola. O preço que pagamos com as decepções. Às vezes, em sala, minhas sílabas ficam cortadas numa exposição, só percebo quando os risos me colocam ao ridículo.

Entro numa sala repleta de alunos e, ali, em vez de o aluno levantar-se como era costume antigo para sinalizar respeito, o que ouço são os sons renitentes dos celulares, como pequenas balas de artilharia. E fico embriagado pela falta de lucidez do aluno, que são voltados apenas para o lado de uma sociedade que se molda no consumo. Fico desarmado. Relanceio a vista atrás de outros valores e nada encontro. Minha aula está precisando de um choque de urgência, que reponham a disciplina e a competição entre os alunos, afastem o bolor das paredes e dos livros nas bibliotecas, que de leitura ninguém morre, e é esse que é o alimento verdade do homem.

Mas, hoje, o professor tira o jeito de um muro de escola com sua cobertura de tinta apagada e enferrujada e que por ele vão passando muita gente, alguns ainda dizem algum valor, já outros gostam mesmo é de soltar xaveca para que a mofa fique presente na vida de todos.

P E R F I S A C A D Ê M I C O S - MATIAS OLÍMPIO DE MELO


REGINALDO MIRANDA

O segundo presidente da Academia Piauiense de Letras foi Matias Olímpio de Melo que, embora não sendo um dos fundadores, porque estava ausente de Teresina na época da fundação, aderiu a ela desde a primeira hora. Sucedeu a gestão de Clodoaldo Freitas.
Nasceu no dia 15 de setembro de 1882 na Fazenda São José, do Município de Barras(PI), filho de José Olimpio de Melo, ex-deputado estadual, e de Inácia Olimpio de Melo. Faleceu no dia 28 de junho de 1967, na cidade de Teresina(PI). Foi casado em primeiras núpcias com Maria José Mendes de Melo e em segundas núpcias, com Marcolina de Arêa Leão Melo, deixando descendência de ambos os matrimônios.
Magistrado, jornalista, político e escritor, iniciou os primeiros estudos em sua terra natal, passando posteriormente para Teresina, capital do Estado, onde cursa o ensino ginasial e secundário, concluindo este último no Liceu Piauiense. Mudando-se para Pernambuco, cursa Direito na Faculdade de Direito do Recife, concluindo o curso em 1904.
Depois de formado retorna para Teresina, onde vai nomeado promotor público da Capital, exercendo o cargo de 1905 a 1907. De 1914 a 1915, exerceu o cargo de diretor da Empresa de Correios e Telégrafos. Foi secretário de Governo em três administrações.
Mudando-se para o Território do Acre, vai nomeado juiz municipal de Sena Madureira, no ano de 1915, sendo depois promovido a juiz federal da comarca de Taraucá, no mesmo Território. Durante a Era Vargas exerceu o cargo de juiz federal na Bahia(1931 – 1937) e em Pernambuco (1937 – 1945).
Ainda no início de sua vida profissional atuou no magistério, sendo um dos fundadores do Ateneu Piauiense, onde lecionou História e Português. Militou também no jornalismo, sendo colaborador dos jornais A Pátria, O Monitor e diretor do jornal O Estado do Piauí. Conferencista, crítico literário, cronista, publicou alguns trabalhos interessantes, a saber: Pensamento e Ação; Ensaios, Discursos e Conferências; Discursos e Pareceres; Rumos e Atitudes; Falando e Escrevendo e Despachos e Sentenças. Membro da Academia Piauiense de Letras, exerceu a presidência dessa instituição(1924 – 1929) exatamente entre as gestões de dois ícones da Casa, Clodoaldo Freitas e Higino Cunha, contribuindo com sua ação para consolidá-la como vanguarda da cultura piauiense.
Matias Olímpio filiou-se ao Partido Republicano Piauiense, sendo eleito governador do Piauí em 1924, e exercendo o mandato de 01.07.1924 a 01.07.1928. Durante essa gestão teve de combater firmemente o banditismo que assolava o sul do Estado, pacificando a região. Teve também de enfrentar a invasão do Piauí pela Coluna Prestes, reforçando as passagens do Parnaíba e a defesa da Capital. Graças à ação enérgica do governo em 31.12.1925, foi preso na localidade Areias, arredores de Teresina, pelo coronel Antonio da Costa Araújo Filho, o militar Juarez Távora, um dos comandantes da Coluna. Posteriormente libertado por intervenção de D. Severino Vieira de Melo, Bispo de Teresina.
Durante essa gestão governamental, adquiriu o prédio e instalou o governo piauiense no atual palácio de Karnak. Entre outras realizações, tentou fomentar a economia do Piauí, baseada majoritariamente na exportação da carnaúba; deu amplo incentivo à construção da ferrovia que ligava Petrolina(PE) a Teresina. Todavia, o presidente da República, Washington Luís, empossado em 15 de novembro de 1926, suspendeu a execução dessa e de muitas outras obras de grande porte, com o objetivo de restabelecer a estabilidade cambial do país.
Em 1928, Matias Olimpio deixou o governo do Estado, passando o cargo ao governador eleito João de Deus Pires Leal e a Humberto de Arêa Leão, vice-governador e seu cunhado, ambos correligionários. Entretanto, não demorou para que Matias Olímpio passasse à oposição. Posteriormente, quando da campanha eleitoral para a escolha do presidente e vice-presidente da República, aderiu à Aliança Liberal, apoiando as candidaturas de Getúlio Vargas e de João Pessoa, respectivamente. Com a derrota destes, Matias Olímpio participou ativamente do movimento revolucionário de 1930, liderado no Piauí pelo desembargador Vaz da Costa. Foi um dos organizadores do assalto ao 25º Batalhão de Caçadores e ao Quartel-General da Policia Militar. Os rebeldes chefiados por Vaz da Costa em poucas horas tomaram o poder no Piauí. O capitão Humberto de Arêa Leão ocupou provisoriamente o Governo do Estado, deixando o posto em 29 de janeiro de 1931. Depois disso, Matias Olimpio ainda conseguiu a indicação para Interventor Federal no Piauí, do juiz Raimundo Campos, mas este não aceitou a indicação, ambos desavindo-se com Vaz da Costa. Então, o ex-governador Matias Olímpio afastou-se provisoriamente da política, indo exercer seu cargo de juiz federal na Bahia.
Com a redemocratização do País, em 1945, o ex-governador Matias Olímpio foi dos primeiros que se apresentaram na trincheira de luta para organizar o diretório estadual da União Democrática Nacional(UDN), de que foi presidente. Por essa legenda foi eleito Senador Constituinte no pleito travado em dois de dezembro daquele ano, juntamente com Esmaragdo de Freitas. Votada a Constituição Federal em 1946, o Senador Matias Olímpio permaneceu por toda a legislatura ordinária (05.02.1946 – 31.01.1955). Durante esse primeiro mandato exerceu a vice-presidência da Comissão de Relações Exteriores, membro das Comissões de Finanças e de Serviço Público, tendo participado ainda da Comissão Especial de Navegação Tocantins-Parnaíba. Ardente defensor do monopólio estatal do petróleo, foi nomeado vice-presidente do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN).
Em 1954, depois de abandonar a UDN e organizar o Partido Trabalhista Brasileiro(PTB), candidata-se à reeleição por essa legenda em coligação com o PSD, sendo reeleito para o Senado da República (1955 – 1963). Nessa legislatura exerceu os cargos de suplente da Comissão Diretora do Senado(1958 - 1959), quarto-secretário(1961) e novamente suplente(1962). Concluindo esse mandato aos oitenta anos de idade não mais se candidatou, indicando um filho, João Mendes Olímpio de Melo, para deputado federal, que foi eleito.
Matias Olímpio foi estrela de primeira grandeza na política piauiense, sendo justa e merecida a homenagem que recebeu com o nome de um município piauiense. Na qualidade de ex-presidente da Academia Piauiense de Letras, hoje lhe traçamos o perfil.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

REVISTA TURMA TEIXEIRA DE FREITAS

Des. Nildomar da Silveira Soares

Elmar Carvalho


Recebi hoje, das mãos do desembargador Nildomar da Silveira Soares, membro da Academia Piauiense de Letras, a Revista Turma Teixeira de Freitas, comemorativa das bodas de ouro dessa turma da Faculdade Nacional de Direito (1961-2011), da qual ele fez parte. A capa traz um palco iluminado, tendo como cenário “o caminho da vida que cruzamos”, como nela está assinalado.

Foi editada exclusivamente às suas expensas, tendo sido ele também o seu idealizador e organizador. Imagino o seu trabalho em conseguir as velhas fotografias, que a ilustram, em coligir as reportagens e notas jornalísticas, que se referem a essa turma, em obter os vários depoimentos, que a enriquecem, alguns repassados da mais vívida saudade, outros da mais intensa emoção. Enaltece o nome dos ilustres mestres, alguns juristas consagrados em sua época, autores de livros adotados em outros faculdades de Direito, entre os quais podem ser citados, em sintética enumeração: Evaristo de Morais Filho, Hélio Tornaghi, Serpa Lopes, Haroldo Teixeira Valladão, Lineu de Albuquerque Mello, Alcino Salazar e Hélio Gomes.

Evidentemente, grande foi o seu esforço em contactar os seus colegas, que se encontram dispersos em vários rincões do Brasil. Muitos já partiram para outras moradas dos páramos celestiais, mas seus nomes foram assinalados, sobrepostos a bela ilustração, em que se destacam uma cruz branca e um verde gramado, como símbolos da Paz e da Esperança. Muitos dos componentes dessa turma se tornaram parlamentares, entre os quais o deputado federal piauiense Paes Landim; sete galgaram o cargo de desembargador, dentre estes o piauiense Nildomar Soares, e um tornou-se vice-governador, fora os que se destacaram em outras atividades, inclusive como operadores do Direito.

A revista é toda em papel couché, e teve bela formatação e programação visual. Contém várias fotografias em preto e branco e em policromia. Estampa textos em prosa e em versos, que ilustram e enriquecem essa crônica de vencedores, entre cujos textos se destaca o poema Nem Tudo é Fácil, de Cecília Meireles. Mas, sobretudo, registra a história da Turma Teixeira de Freitas, no ano em que a Faculdade Nacional de Direito completa 120 anos de existência.

DIÁRIO INCONTÍNUO




9 de dezembro

NO PESQUEIRINHO

Elmar Carvalho



Neste domingo, minha mulher e eu fomos comer uma peixada na churrascaria, ou antes, na peixaria ou restaurante Pesqueirinho. Disse churrascaria para melhor designar o tipo de ambiente da casa gastronômica, que é amplo, com áreas cobertas e abertas, podendo o freguês escolher ficar à sombra de árvores. Em certos locais, o cliente poderá ter uma bela visão do rio Poti, com a sua renda de aguapés, ou as belas árvores ribeirinhas, mormente da margem oposta, em que também se vê uma extensa pastagem.

Não faz tanto tempo assim, ao lado do restaurante ficava o ancoradouro de um pontão, que atravessava carros e passageiros, de uma margem à outra, em constante vaivém, fora o movimento das embarcações menores, que conduziam apenas pessoas, bicicletas e pequenas cargas. Com a construção da ponte, algumas centenas de metros a jusante, cessou esse comércio de passageiros, que dava um tom pitoresco de cidadezinha ao local. Dali, vê-se a curvatura da ponte, que liga os bairros Poti Velho e Santa Maria da Codipe. O Poti Velho tem hoje um importante centro artesanal, e continua sendo o local onde moram muitos operários de olarias e pescadores.

Pode ser considerado o mais antigo bairro de Teresina. Quando o Conselheiro Saraiva, em 1852, fundou a cidade de Teresina, ele era um povoado, situado quase na confluência do Poti e do Parnaíba, onde hoje fica o Parque Encontro das Águas, ponte turístico da capital. Saraiva achou que o local seria insalubre e suscetível de enchentes, pelo que preferiu instalar a nova capital a montante do Parnaíba, na chapada do Corisco, onde fica o centro histórico teresinense.

Nas lendas, anedotas e mistificações, que podem ou não ter um fundo de verdade, o conselheiro teria uma amante no povoado, razão determinante para que ele criasse a nova capital em sua proximidade. Talvez tudo não passe de simples maledicência ou brincadeira, não sei ao certo. Em junho, o bairro, através da Igreja Católica, promove o movimentado festejo de São Pedro, com as instalações de barracas para venda de comidas e bebidas, boxes de jogos, realizações de quermesses e novenas, além de outros eventos profanos. O ponto culminante é a passeata fluvial, com os barcos acompanhando a imagem de São Pedro pelos rios Parnaíba e Poti, no trecho que vai do troca-troca à praça da matriz do bairro.

No Pesqueirinho vi várias esculturas de animais, como coruja, papagaio, águia e tucano, que não existem, pelo menos nos dias de hoje, na região ribeirinha. Apenas a garça retrata espécime que vive ali. Por coincidência, numa das fotografias que tirei, uma garça de verdade aparece por trás da esculpida, fixada na mureta do terraço da casa de pasto. São obras de cerâmica que podem ser compradas no centro de artesanato do bairro.



O tucano, com o seu bico enorme, desproporcional em relação ao corpo, parece querer contrariar as leis da aerodinâmica, pois voa sem nenhum problema. A coruja tornou-se símbolo da sabedoria, apesar de noctívaga, sorumbática, tida como aziaga; talvez isso se deva ao seu ar meditabundo, em que seus olhos grandes, arregalados, parecem tudo enxergar, tudo perscrutar e compreender. O papagaio, animal inteligente, a arremedar a voz humana, designa o homem falador, falastrão, de incontinência verborrágica, muitas vezes um simples decoreba, sem ideias próprias.



Vi ainda a escultura de um pescador a segurar um enorme peixe, praticamente de seu tamanho. Lembrei-me de antigo cartaz de propaganda do purgante emulsão de Scott, que segundo a legenda era feito à base de fígado de bacalhau. A catrevagem ou beberagem era tida como uma verdadeira panaceia, mormente para as pessoas de poucas letras, e era bastante vendável. Podia ser encontrado em qualquer farmácia ou drogaria interiorana. No cartaz, um pescador, profissional tido como mentiroso, carregava às costas um peixe quase de seu tamanho, sem fazer esforço, a demonstrar o suposto vigor proporcionado pela emulsão.



A escultura também me fez lembrar o romance de Ernest Hemingway, O Velho e o Mar, em que o obstinado pescador, enfrentando uma maré de azar, dia após dia, lançava seus apetrechos de pesca ao mar, sem sucesso. Após vários dias de persistente trabalho, Santiago consegue pescar um peixe descomunal. Ao chegar à praia, após tremenda luta, o velho pescador constata que o espadarte fora devorado pelos tubarões, que só lhe deixaram o esqueleto, como troféu de uma glória quase inglória ou inócua. Contudo, por ser o maior peixe capturado naquela paragem, serviu para lhe elevar o moral ou astral, com o consequente respeito de seus pares.



Tive a satisfação de encontrar no recinto, à sombra de frondosa árvore, o desembargador Tomaz Gomes Campelo, dona Gracy e dois dos filhos do casal amigo. Ao cumprimentá-lo, pedi licença para fotografá-lo com a família. Com a sua lhaneza e conhecida elegância, sorriu, e permitiu-me retratá-lo. Constantemente o encontro em eventos culturais, como conferências, posses acadêmicas e lançamentos de livros. Tenho a honra de ser seu confrade em várias instituições culturais, entre as quais cito: Academias do Vale do Longá, da Maçonaria, da Magistratura, do Médio Parnaíba. É ele o atual titular da União Brasileira de Escritores do Piauí – UBE-PI, de que tive a honra de ser presidente nos idos de 1988/1990.



Numa das paredes, vi um banner com o retrato de Edvaldo Robert da Silva, no qual foi grafada a frase: “Não lembres de mim com tristeza, lembre-se dos momentos felizes e alegres que vivemos”. Era ele o proprietário do Pesqueirinho, bar e restaurante tradicional de Teresina, de grande e fiel clientela. Perguntei a um dos garçons quando ele falecera. Respondeu-me que fazia 31 dias de sua morte. Pude sentir que os garçons são educados, prestativos, atenciosos, e que os herdeiros haverão de conduzir o barco do Pesqueirinho, por águas tranquilas, sob céu de brigadeiro, a porto seguro e venturoso, como expressou no cartaz o seu antigo timoneiro.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Flagrante natalino de Gervásio Castro


Texto e charge: GERVÁSIO CASTRO

Acredite: Papai Noel existe!  E mora na minha rua. Na verdade ele mora em várias ruas, mas ontem estava aqui perto. Se chama Carlos, tem oito anos e não é framenguista:
 usano a camisa porque a moça mim deu. A outra tava muito rasgada.
Esse ano havia decidido caprichar no cartão de Natal. Depois de hora e meia desenhando resolvi fazer uma pausa e saí pra tomar um chopp. Foi então que encontrei Papai Noel. Quando voltei pra casa (vários choppsdepois) desisti da idéia original e hoje fiz esse outro desenho. Acredito que esse será o cartão mais feio que vocês vão receber nesse Natal. Espero que me perdoem. Prometo não fazer pausa pro chopp, ano que vem.

DIÁRIO INCONTÍNUO



8 de dezembro

CRÍTICA LITERÁRIA – MINHA DESPEDIDA

Elmar Carvalho

Assim como o craque envelhecido deixa de jogar futebol, e pendura as chuteiras, resolvi, metaforicamente, pendurar a minha caneta de aprendiz de crítico literário, que tenho sido algumas vezes, ao longo de minha vida literária. Assim como a velha meretriz, que vai perdendo a clientela para as mais jovens e mais bonitas, começa a fazer os serviços de arrumadeira e criada, e fica em paz em seu canto ou quartinho, comecei a fazer os serviços mais humildes de recolher os meus textos dispersos, de coligir os esparsos, de enfeixar os avulsos, e de tentar rever os extraviados. Oportunamente, pretendo reunir em volume os meus pequenos ensaios sobre literatura e mais alguns dos prefácios e apresentações que escrevi.

A crítica literária sempre me foi um mister algo penoso ou que me exigia certo esforço intelectual e de pesquisa, de modo que me dava a sensação de um quase exercício físico, de disciplina espartana. Aliás, só fiz texto de crítica quando movido por alguma injunção, ou quando me senti praticamente no dever de fazê-la, em atenção ao merecimento da obra e do seu autor. Portanto, posso dizer que só as fiz quando achava que os textos analisados mereciam meu esforço. Adotei o critério de que não deveria malhar a produção de meu semelhante, mas que também não deveria fazer elogios que entendesse descabidos, exceto os verbais, que a polidez e a relação social recomendam, mas sem ênfases e superlativos.

Sem dúvida considero a crítica e a teoria literária da mais alta importância para o desenvolvimento da arte literária, sobretudo para a formação de bons leitores e escritores, dando-lhes maior discernimento crítico, para que saibam separar o joio do trigo, mormente numa época internética em que todos se metem a escrever e a publicar. Por isso mesmo lhes dei a minha modesta contribuição, e delas extraí lições que ainda hoje me são de grande valia. Ademais, a boa crítica, a crítica justa e imparcial, contribui para divulgar as boas obras literárias, e para deixar no seu devido lugar as obras menores. Pode provocar o salutar debate, que venha a manter viva a verdadeira literatura, arejando-a com novas ideias, recursos e possibilidades, unindo sempre a tradição e a invenção.

O poeta Hardi Filho, no prefácio à primeira edição de meu livro Rosa dos Ventos Gerais, UFPI, 1996, asseverou que: “Criou-se até, entre nós, a mítica dos 'opinantes de plantão' os quais, de tão assediados, seriam obrigados a ter já grafado ou de memória o que dizer de um que sirva para muitos; se o trabalho não merece, a pessoa do autor recebe elogios e fica contente”. O texto seria uma espécie de carimbo, que, mutatis mutandis, aplicar-se-ia a todos os prefaciados. Um desses prefaciadores contumazes era sempre laudatório. Contudo, a seu modo, era sincero; se o seu texto fosse lido com a devida atenção, o leitor perceberia que o elogio era apenas aparente, porquanto era dirigido ao autor ou ao tema, mas nunca à qualidade ou ao estilo do escritor ou poeta.

Certa feita um amigo, cujo nome jamais irei declinar, ensinou-me como eu deveria proceder para obter elogios dos medalhões da literatura nacional, e, de forma humilde e sincera, me confessou que procedia da maneira como me recomendava. Eu deveria fazer uma carta, exaltando a obra literária do destinatário, encaminhando-lhe um exemplar do livro a ser elogiado; deveria prometer-lhe que o texto encomiástico seria publicado em jornais e revistas, e sairia na próxima edição do livro, que já se avizinhava. Agradeci-lhe o conselho, mas devo confessar que nunca o segui.

Vejo, aqui e alhures, encarapitados nas orelhas, nas folhas de rosto, nas contracapas, os mais descomedidos panegíricos a certos livros; a gente fica até na dúvida se desaprendeu o que sabia, ou se o elogiador escalado é quem teria perdido o juízo. Todavia, se esses aplausos forem lidos com cuidado, verifica-se que eles são uma tremenda ironia ou gozação, pelo exagero dos qualificativos e retumbância das palmas, ou são apenas metáforas pomposas, que nada dizem de concretamente sobre a obra a que se referem. O fato é que ficamos com a sensação de que a “estátua é bem maior do que o modelo”.

Muitos anos atrás, uma poet(is)a me deu um poema para que eu o lesse em sua presença. Porém, antes de me repassar o papel com o texto, foi logo me advertindo de que se tratava de sua obra-prima; que estava muito inspirada quando a escreveu, e que ficou muito feliz com o resultado final dessa peça. Devo dizer que me senti muito pequeno para merecer tamanha deferência e consideração, e cheio de espectativa comecei a ler essa arte supostamente tão esmerada. Não sei se foi pelo excesso de espectativa que a autora me passou, ou se foi porque sempre fui um leitor muito exigente, mas o certo é que não vi nenhuma qualidade excepcional no poema; na verdade, o texto era repleto de trivialidades, lugares comuns e ejaculações discursivas balofas, sem nenhum lampejo de talento, quanto mais de genialidade.

Ao devolver-lhe o papel, com a cortesia de praxe, que a civilidade recomenda, para não lhe ferir o inflado ego e a delicada suscetibilidade, falei:
- Muito bem... Está bom.
Como ela notasse, pela expressão de meu semblante que eu ficara decepcionado e também pela falta de efusão em meu “elogio”, retrucou-me com ênfase, em que mal dissimulava certa irritação:
- É, pode não estar bom para os outros, mas para mim está excelente!

Sorri, e nada mais acrescentei. É por causa de fatos desse tipo que tomei a deliberação de me recolher a meu canto, para me dedicar apenas a produzir os meus textos, sem ilusões de glória, posto que sei, mais do que ninguém, de que o renome através da arte literária, nunca vem, ou só vem após demorado, árduo e penoso esforço. Irei, aos poucos, sem pressa e sem alarde, publicando os meus “dispersos, esparsos e reencontrados”. Finalizo com o que disse o pregador de Eclesiastes (1:2), que se aplica também e talvez principalmente a mim: “Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

QUATRO POETAS DO PIAUÍ


NA NOITE

Elmar Carvalho

Na noite
um sapo coaxa.
Uma puta triste
acha graça. Acha graça.
Um galo
às desoras desfere um canto
fora de hora. E chora.
Um cão ladra por nada:
nenhuma cadela no cio.
O silêncio
grita como louco
na concha acústica
dos labirintos dos ouvidos moucos
por onde um Teseu lasso caminha
em busca do Minotauro – perdido
sem o fio de Ariadne –
conduzido por outro fio
que parte / se parte e
se reparte entre o ser
e o não ser.
E os gritos de Teseu
arrancam ecos
que já ecos de si mesmos
se repetem se repetem
até a mais completa
absoluta exaustão.
Extraído de LB – Revista da Literatura Brasileira, nº 6

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

ANTOLOGIA DO NETTO

Texto e charge: João de Deus Netto


MÁRIO FAUSTINO

Mário Faustino dos Santos e Silva nasceu em Teresina (PI) em 22 de outubro de 1930. Foi jornalista, tradutor, crítico literário e poeta. Morreu em Lima, no Peru, com apenas 32 anos de idade num desastre aéreo. Publicou: “O Homem e sua Hora” (1955) e teve seus melhores poemas publicado pela Global Editora.
Com apenas 32 anos de idade, Faustino tinha sua trajetória interrompida de forma brutal. Perdeu a poesia brasileira um dos seus mais brilhantes e talentosos criadores. Poeta, tradutor, crítico e jornalista, Faustino teve atuação intensa do final dos anos 50 ao início dos 60, do século XX, agitando nosso cenário poético com sua presença viva e polêmica, principalmente através da página "Poesia-experiência", que ele concebeu e editou no então inovador “Suplemento Dominical” do “JB”.